por Eduardo Lamas Neiva
Após mais uma homenagem a Pelé, desta vez com a presença do Rei, também muito aplaudida pelo público, Sobrenatural de Almeida retoma a pelota pra falar do jogo contra País de Gales, em 58.
Sobrenatural de Almeida: – Mas teve quem achasse ruim a seleção naquele dia, contra Gales…
Ceguinho Torcedor: – Só mesmo Leônidas, que aqui está e merece todo o meu respeito e admiração pelo magnífico jogador que foi, é que achou que foi pouco esse gol tão sofrido, tão chorado por milhões de patrícios.
Todos os outros: – Patrícios, Ceguinho?
Ceguinho Torcedor: – Brasileiros, nossos compatriotas. Eu falei em uivo, em urro. Sim, amigos: foi um som jamais ouvido, desde que se inventou o Homem. Algo de bestial, de pré-histórico, antediluviano, sei lá. Foi um desses momentos em que cada um de nós deixa de ter vergonha e passa a ter orgulho de sua condição nacional.
João Sem Medo: – Didi também teve excelente atuação, arrancando aplausos do público sueco algumas vezes naquele dia. Vavá não jogou, Mazzola é que atuou no ataque brasileiro contra Gales. E não jogou bem.
Idiota da Objetividade: – Com essa vitória de 1 a 0 sobre o País de Gales, com gol de Pelé, aos 25 minutos do segundo tempo, a seleção brasileira se classificou para a semifinal, sem levar gol, e enfrentou a França. Venceu por 5 a 2, resultado que se repetiria na final, contra a Suécia.
Ceguinho Torcedor: – Que frieza, que objetividade pra narrar as estupendas vitórias do Brasil.
Sobrenatural de Almeida: – Assombroso. Nenhuma emoção, sem qualquer vestígio de sentimento.
Idiota da Objetividade: – Estou narrando os fatos, o que aconteceu.
Ceguinho Torcedor: – Há muito mais do que os fatos narrados. E se os fatos me desmentirem, pior para os fatos.
João Sem Medo: – Contra a França, Pelé fez três gols, Vavá e Didi os outros dois.
Ceguinho Torcedor: – Foi uma vitória “de gaulleada”.
João Sem Medo: – Em homenagem ao general De Gaulle?
Garçom: – Não foi ele que disse que o Brasil não era um país sério.
Idiota da Objetividade: – Há controvérsias…
Sobrenatural de Almeida: – Desconfio que o general em sua tumba ainda tenha razão…
Garçom: – Mas o assunto é futebol. E como nunca é demais, vamos a mais uma música sobre o Rei do Futebol?
Todos concordam, inclusive Pelé, que exibe aquele sorriso inconfundível ao agradecer com um aceno ao público que mais uma vez o aplaudiu.
Músico: – Então, gostaria de chamar ao palco o grande cavaquinista Jorge Pereira Simas, o querido Tico-Tico!
Tico-Tico vai ao palco, sob aplausos.
Tico-Tico: – Obrigado. Obrigado. O nosso rei merece sempre ser lembrado. Vou apresentar aqui “Ataca Pelé”, espero que ele e todos os demais aprovem.
A aprovação foi geral e Tico-Tico deixa o palco sob aplausos entusiasmados. Quando o público começou a se aquietar novamente, João Sem Medo distribuiu o jogo, destacando a qualidade ofensiva do time francês de 1958.
João Sem Medo: – O Brasil enfrentou um time que já tinha feito 15 gols em quatro jogos. Quase quatro por partida. O grande destaque era Fontaine, que acabou artilheiro daquela Copa com 13 gols…
Idiota da Objetividade: – É o jogador que mais fez gols numa edição de Copa do Mundo até hoje.
João Sem Medo: – Kopa era outro grande jogador.
Ceguinho Torcedor: – O Brasil estava devendo a todos nós uma vitória como aquela. Vencemos contra tudo e contra todos. Contra os franceses, contra os bandeirinhas, contra o juiz e contra a Marselhesa. Nosso Hino Nacional foi apenas tocado. Não havia ali nenhuma multidão para soltar aos quatro ventos: “ouviram do Ipiranga às margens plácidas…”. Ao passo que a Marselhesa foi cantada. Mas nosso Hino não se dobrou, mesmo com o juiz nos tirando dois gols e dois pênaltis. Aquele escrete era o escrete da coragem e creiam que Vavá, que voltou naquele jogo no lugar do Mazzola, com sua bravura louca, traduziu um perfeito, empolgante símbolo dessa coragem.
Idiota da Objetividade: – Uma curiosidade: Vavá marcou, logo a um minuto de jogo, o centésimo gol da História da Copa do Mundo.
João Sem Medo: – O jogo não foi disputado só na bola, não. Os franceses apelaram, mas três deles saíram machucados. O zagueiro Jounquet, que se contundiu aos 35 minutos do primeiro tempo, ficou o restante do jogo fazendo número na ponta-esquerda. Naquela época não era permitida a substituição. No lado do Brasil, Vavá saiu antes do fim da partida, mas ela já estava ganha. Bellini também se lesionou. Mas os dois jogariam a final contra os suecos.
Idiota da Objetividade: – E Vavá fez dois gols na decisão, com mais dois de Pelé e outro de Zagallo.
Sobrenatural de Almeida: – O Brasil jogou de azul a final. Diziam que daria azar…
Idiota da Objetividade: – Nas seis primeiras edições da Copa do Mundo, cinco vezes a seleção vestida de camisa azul venceu a final. Uruguai, em 30 e 50, a Itália, em 34 e 38, e o Brasil, em 58. Apenas em 54 venceu a Alemanha, de branco, derrotando a Hungria, que jogou de vermelho.
Garçom: – Foi um carnaval em junho. Era pequeno, mas me lembro bem. Tomei um susto de ver tantos adultos chorando. Choravam de alegria.
Idiota da Objetividade: – Foi a primeira e até hoje única vez que uma seleção de fora da Europa venceu uma Copa no Velho Continente. A Suécia marcou o primeiro gol, aos 4 minutos, com Liedholm; o Brasil empatou e virou com Vavá, aos 9 e aos 32 da primeira etapa, Pelé marcou aos 10 da etapa final, Zagallo ampliou, aos 23; Simonsson fez o segundo da Suécia, aos 35, e Pelé, aos 45, deu números finais à partida.
Ceguinho Torcedor: – Meu caro Idiota da Objetividade, os 5 a 2, lá fora, contra tudo e contra todos, foi um maravilhoso triunfo vital, de todos nós e de cada um de nós. Do Presidente da República ao apanhador de papel, do Ministro do Supremo ao pé-rapado, todos aqui perceberam o seguinte: é chato ser brasileiro! Já ninguém tinha mais vergonha de sua condição nacional. E as moças na rua, as datilógrafas, as comerciárias, as colegiais andavam pelas calçadas com um charme de Joana D’Arc. O povo não se julgava mais um vira-latas. Graças aos 22 jogadores, que formaram a maior equipe de futebol da Terra em todos os tempos. Pelo menos até ali. O escrete deu um banho de bola, um show de futebol, um baile imortal, na Suécia.
Sem que ninguém percebesse seus movimentos enquanto todas as atenções estavam voltadas ao discurso eloquente e emocionado do Ceguinho Torcedor, Zé Ary preparou o aparelho de som e assim que o nosso amigo encerrou sua fala e o povo começava a aplaudi-lo, em alto e bom som “A Taça do Mundo é Nossa”, de Wagner Maugéri, Mageri Sobrinho, Victor Dagô e Lauro Muller, fez todo mundo pular, dançar, cantar e festejar como se 1958 fosse o agora, o momento de sempre. E foi mesmo eterna aquela grande conquista.
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Fim do capítulo 46
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