por Eduardo Lamas Neiva
Após “Camisa Molhada” ser bastante apreciada pelo público, a camisa amarela, novo uniforme da seleção brasileira, voltou ser o assunto no bar “Além da Imaginação”.
Idiota da Objetividade: – Em 1953 houve um concurso promovido pelo jornal carioca “Correio da Manhã” para se escolher o novo uniforme da seleção brasileira. O gaúcho Aldyr Garcia Schlee, então com 19 anos, derrotou mais de 200 candidatos, com sua criação: a camisa canarinho.
Garçom: – Com sorte ou não, foi com a camisa canarinho que conquistamos o penta.
Idiota da Objetividade: – Um ano antes do concurso, a seleção brasileira havia conquistado, já sob o comando do técnico Zezé Moreira, o seu primeiro título fora do nosso território: o Campeonato Pan-Americano de 1952, no Chile. O título foi conquistado de forma invicta, com vitórias sobre o México, por 2 a 0; Panamá, por 5 a 0; Uruguai, por 4 a 2, e Chile, por 3 a 0; e apenas um empate, sem gols, no segundo jogo, contra o Peru. Na vitória sobre o time da casa, Ademir Menezes fez dois gols, e Pinga, o outro.
Ceguinho Torcedor: – Mas o primeiro título mundial, que nos arrancou das entranhas o complexo de vira-latas, veio em 58, na Suécia.
Músico: – Seu Ceguinho e demais senhores desta mesa tão qualificada, aproveitando o tema iniciado, peço permissão para interrompê-los, por favor. Tem música muito mais famosa sobre aquela conquista de 58, mas gostaria de tocar aqui no piano pra vocês uma composição do grande Altamiro Carrilho, que foi gravada naquele mesmo ano pelo pianista José Luciano. Chama-se “Os canarinhos venceram”. Gostariam de ouvir?
Todos concordam, então…
https://discografiabrasileira.com.br/en/music-composition/133643/os-canarinhos-venceram
O povo todo aplaude após a apresentação e Idiota da Objetividade retoma a bola com rapidez.
Idiota da Objetividade: – A classificação nas eliminatórias para a Copa de 58 veio com um empate em 1 a 1, em Lima, e uma vitória de 1 a 0 sobre os peruanos, no Maracanã.
Ceguinho Torcedor: – Com um maravilhoso gol de Didi, o Príncipe Etíope de Rancho, feito em folha-seca.
Idiota da Objetividade: – A seleção da Venezuela também participaria do grupo, mas desistiu.
Ceguinho Torcedor: – O escrete naquele jogo contra o Peru não exprimiu, nem de longe, nem por aproximação, o futebol brasileiro. O que houve foram alguns lampejos individuais fulgurantíssimos, como o gol do Didi, as arrancadas de Garrincha e a compacta bravura de Bellini. Mas o futebol não vive de iluminações pessoais e tivemos de melhorar muito até conquistar a taça na Suécia.
Garçom: – Didi deu a classificação para a Copa e foi importantíssimo em 58.
Didi: – Obrigado!
Ceguinho Torcedor: – Sim, mas há poucos meses do Mundial, Didi viveu um dilema: a Suécia ou Guiomar.
Garçom: – Sua esposa?
Didi: – Verdade. O Ceguinho pode contar a história.
Ceguinho Torcedor: – Obrigado. A CBD tomou uma providência patética: baixou uma ordem impedindo que qualquer jogador levasse a mulher à Suécia. Só um cego de nascença não via que se tratava de separar Didi de Guiomar.
Didi: – É, cheguei inclusive a enviar uma carta à CBD solicitando a dispensa da Copa, por causa da decisão da entidade.
João Sem Medo: – Didi fez questão de dizer o tempo todo que ele pagaria as despesas da mulher. E ela não ficaria na concentração, ora bolas!
Ceguinho Torcedor: – Ficaria fora da concentração, apenas como torcedora de Didi e do Brasil.
Idiota da Objetividade: – Acabou que a dona Guiomar não foi à Suécia.
Didi: – Uma pena, não é meu amor?
D. Guiomar concorda com a cabeça.
Didi: – Até hoje não entendi aquela perseguição a Guiomar?
Ceguinho Torcedor: – Existia contra ela um preconceito militante, agressivo e eu quase diria internacional. Ela sempre tratou a todos com uma cordialidade quase doce. Mas bastava que Didi fracassasse numa folha-seca, ou desperdiçasse um pênalti, ou desse um passe errado, para que a torcida a responsabilizasse.
Garçom: – Que isso!?
Ceguinho Torcedor: – Vejam vocês a ironia do futebol: ela devia ser a responsável, por igual, pelos defeitos e os méritos de Didi. Mas não. Se Didi falhava era Guiomar, se não falhava, era Didi. Ninguém admitia que ela pudesse representar, no futebol do craque, um poderoso estímulo, um incentivo total.
Guiomar: – Obrigada, seu Ceguinho.
João Sem Medo: – Ele tantas vezes declarou à imprensa o seu amor à mulher e sempre afirmou que era por ela que jogava. E o mais importante é que ele foi à Copa e ajudou muito o Brasil a conquistar o título.
Ceguinho Torcedor: – E como! O nosso Mister Football!
João Sem Medo: – Sim, foi como a imprensa internacional o apelidou na Copa da Suécia.
Ceguinho Torcedor: – Com Moacir por trás de cada um dos seus erros, como uma constante, ininterrupta ameaça, Didi, com seu nobre tipo racial, como um príncipe etíope de rancho, enxergava longe e percebeu que não podia se permitir o luxo de um cochilo.
Didi: – Não mesmo. Moacir foi um excelente jogador de meio de campo.
Idiota da Objetividade: – Moacir, meia do Flamengo, foi titular da seleção nos dois últimos amistosos realizados no Brasil antes da Copa de 58, nas vitórias de 4 a 0 e 3 a 1 sobre a Bulgária. No primeiro jogo, realizado no Maracanã, Moacir fez dois gols. Depois Didi ganhou a vaga de titular e foi eleito o melhor jogador do Mundial da Suécia, eleito pela Fifa.
Ceguinho Torcedor: – É, mas quase todo mundo gritou contra Didi. Nos treinos da seleção foi vaiado quantas vezes? Conclusão: amarrou a cara e seu comportamento, em todo o Mundial, foi esmagador. Não se podia desejar mais de um homem, ou por outra, de um brasileiro. Ninguém que jogasse com mais gana, mais garra e, sobretudo, mais seriedade. Nem sempre marcava gols, mas era ele quem amaciava o caminho, quem desmontava as defesas adversárias com seus lançamentos em profundidade. Com uma simples ginga de corpo, liquidava o marcador. E nas horas em que os companheiros pareciam aflitos, ele, com sua calma lúcida, prendia a bola e tratava de evitar o caos possível. Nenhum escrete levanta um Campeonato do Mundo sem extraordinárias qualidades morais. De nada adiantará o futebol se o homem não presta. O belo, o comovente, o sensacional no triunfo de 58 está no seguinte: foi, antes de tudo, o triunfo do homem.
Didi se levanta com Guiomar para abraçar Ceguinho Torcedor e João Sem Medo e todos são aplaudidos pela plateia. Zé Ary aproveita para tomar a palavra.
João Sem Medo: – Meu amigo Neném Prancha já dizia: “O Didi jogava bola com quem chupa laranja, com muito carinho”.
Todos concordam e Didi, já de volta à sua mesa, se levanta novamente para ser aplaudidíssimo por todo o público de pé. Parecia um estádio de futebol, tamanha a ovação.
Didi: – Agradeço muito, de coração, a todos. Em especial pela defesa do Ceguinho Torcedor e do João Sem Medo a mim e a minha amada Guiomar. Muito obrigado.
Garçom: – Nós que agradecemos, seu Didi! Nós que agradecemos. Vamos ouvir aqui a narração do gol de Didi contra a França na semifinal, quando o Brasil desempatou a partida quando estava 1 a 1, na narração de Geraldo José de Almeida, na época na Rádio Pan Americana, de São Paulo. E ver o golaço no telão!
A vibração é tão grande que parecia estar acontecendo naquele momento. Zé Ary pede a palavra novamente.
Garçom: – E pra completar vamos ouvir “O nosso dia chegou”, de Alfredo Borba e Osvaldo Rodrigues, que gravou a música. Quem quiser pode dançar à vontade. Vamos lá, seu Didi, e dona Guiomar!
https://discografiabrasileira.com.br/composicao/141714/o-nosso-dia-chegou
Fim do Capítulo 43
Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).
0 comentários