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UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 41

21 / dezembro / 2023

por Eduardo Lamas Neiva

O heavy metal fez uma parte do público curtir e balançar cabeça no bar Além da Imaginação. Porém, outra parte se dispersou, foi ao banheiro, pegar um ar do lado de fora. Ceguinho Torcedor, então, deu como se fosse um passo, um passe pra trás, recuando um pouco pra fazer o jogo abrir novamente.

Ceguinho Torcedor: – Aquele Santos era o maior do mundo, muito melhor que o escrete húngaro do Armando Nogueira!

João Sem Medo: – O escrete húngaro de 54 era espetacular, mas não era imbatível, Ceguinho. Tanto que perdeu, de virada, a final da Copa pra Alemanha Ocidental.

Idiota da Objetividade: – Os húngaros eram os campeões olímpicos e chegaram à final sem saber o que era derrota há mais de quatro anos, num total de 31 jogos invictos. Em novembro de 53, golearam por 6 a 3 os ingleses em Wembley, onde os donos da casa não eram derrotados por uma seleção não-britânica desde 1901. Este é chamado de O Jogo do Século, eleito pela Fifa como um dos mais sensacionais de todos os tempos. Na revanche pedida pelos ingleses, menos de um mês antes da Copa de 54, os húngaros fizeram ainda melhor, venceram por 7 a 1, em Budapeste. Esta é a pior derrota da história do futebol inglês até hoje.

Garçom: – Esse negócio de 7 a 1 eu não gosto muito, não.

Alguns riem, outros fazem cara feia.

Idiota da Objetividade: – Já no Mundial da Suíça, massacraram os alemães ocidentais na primeira fase, com uma vitória de 8 a 3.

Sobrenatural de Almeida: – Não estive na Suíça, mas foi assombroso. Deve ter sido algum parente distante meu que tirou aquele título da Hungria.

Ceguinho Torcedor: – Os húngaros eram favoritíssimos e abriram 2 a 0 no início da grande final.

Idiota da Objetividade: – Acabaram derrotados por 3 a 2. Mas teve um gol de Púskas invalidado no fim da partida que gerou muita discussão.

Sobrenatural de Almeida: – Foi um parente distante na Suíça, só pode.

Garçom: – O Brasil perdeu da Hungria naquela Copa, não foi?

Ceguinho Torcedor: – Perdemos. E por quê? Pela superioridade técnica dos adversários? Absolutamente. Para nós brasileiros, o futebol não se traduz em termos técnicos e táticos, mas puramente emocionais. Em técnica, brilho, agilidade mental, somos imbatíveis. Antes do jogo com os húngaros, estávamos derrotados emocionalmente. Fomos derrotados por uma dessas tremedeiras obtusas, irracionais e gratuitas. E não era uma pane individual: era um afogamento coletivo. Naufragaram, ali, os jogadores, os torcedores, o chefe da delegação, o técnico, o massagista. Mas quem perde e ganha as partidas é a alma. Foi nossa alma que ruiu face à Hungria, foi a nossa alma que ruiu face ao Uruguai, em 50. Um Freud seria muito mais eficaz na boca do túnel do que um Flávio Costa, um Zezé Moreira, um Martim Francisco. Só um Freud explicaria a derrota do Brasil frente à Hungria, do Brasil frente ao Uruguai e, em suma, qualquer derrota do homem brasileiro no futebol ou fora dele.

Sobrenatural de Almeida: – Os psicólogos e as psicólogas já estão no futebol tem tempo, Ceguinho.

João Sem Medo: – Agora não tem mais desculpa. Se bem que tem uma turma de palestrantes motivacionais…

Garçom: – Melhor deixar quieto, seu João.

João Sem Medo: – É. Não compro mais briga por tão pouco.

Idiota da Objetividade: – A Hungria, sem Púskas, porque estava machucado, mas com Hidegkuti, Kocsis e outros grandes craques, eliminou a seleção brasileira nas quartas-de-final, com uma vitória de 4 a 2. Foi uma partida muito tumultuada e teve confusão no fim.

João Sem Medo: – Tínhamos grandes jogadores também, como Djalma Santos, Nilton Santos, Didi, Pinga, Julinho Botelho, mas a seleção não estava bem preparada.

Músico: – Seu João, desculpe interromper, mas antes daquela Copa, os paulistas, especialmente os corintianos, levavam muita fé no Baltazar, o Cabecinha de Ouro…

Idiota da Objetividade: – Baltazar foi o autor do primeiro gol do Brasil naquele Mundial, na goleada de 5 a 0 sobre o México. Mas depois de enfrentar a Iugoslávia, ficou fora da partida contra a Hungria.

Músico: – Mas a esperança nos gols dele pela seleção eram tão grandes que o compositor Alfredo Borba, autor da música “Gol de Baltazar”, gravada por Elza Laranjeira em 1953, em homenagem ao artilheiro do Corinthians, com citação a vários de seus companheiros, fez uma adaptação da música para a Copa de 54 e pôs o título de “Gol do Brasil”.

Garçom: – Por isso, vamos chamar a cantora Elza Laranjeira ao palco pra cantar esta versão pra gente.

Elza Laranjeira se dirige ao palco e chama Baltazar pra ir com ela. Os dois são muito aplaudidos.

Elza Laranjeira: – Muito obrigado. Foi uma honra muito grande gravar as duas versões desta música em homenagem ao grande artilheiro Baltazar.

Baltazar: – Agradeço muito a Elza, ao Alfredo Borba e a todos vocês.

https://discografiabrasileira.com.br/en/music-composition/122426/gol-do-brasil

Todos aplaudem a apresentação de Elza e a bola volta ao João Sem Medo.

João Sem Medo: – A festa e a alegria aqui são muito bem-vindas, mas em 54, na Suíça, os dirigentes, o técnico Zezé Moreira e os jogadores não conheciam sequer o regulamento.

Idiota da Objetividade: – Depois de passar pela primeira vez por eliminatórias, com quatro vitórias em quatro partidas, contra Paraguai e Peru, a delegação brasileira também foi pela primeira vez de avião para uma Copa do Mundo. Na estreia, como já dissemos, a seleção venceu o México, por 5 a 0, na estreia na Copa de 54. Em seguida, enfrentou a Iugoslávia com ambas as equipes necessitando apenas de um empate para se classificarem.

João Sem Medo: – Um regulamento esdrúxulo, mas que os brasileiros tinham obrigação de conhecer.

Idiota da Objetividade: – Eram dois cabeças de chave por grupo e ambos não se enfrentavam; as outras duas seleções também não se confrontavam. No Grupo 1, o do Brasil, a França era a outra cabeça de chave. Como a seleção brasileira derrotou o México, e a Iugoslávia venceu a França, por 1 a 0, o empate classificava as duas equipes para as quartas-de-final.

João Sem Medo: – O regulamento ainda previa uma prorrogação, sabe-se lá por quê. O jogo estava 1 a 1, o time do Brasil se esforçando ao máximo pra tentar a vitória, enquanto os iugoslavos jogavam tranquilos, os brasileiros se desesperavam em campo achando que teriam de fazer um jogo extra três dias depois. Ninguém na delegação brasileira conhecia o regulamento da Copa. Enquanto ainda estávamos surpresos com a classificação, os iugoslavos bebemoraram e dançaram à vontade depois do jogo, no hotel em que estavam hospedados.

Idiota da Objetividade: – Os brasileiros só ficaram sabendo que a seleção estava classificada pelos repórteres que foram ao vestiário após o jogo. Ainda assim dirigentes foram atrás do árbitro da partida e o representante da Fifa para confirmarem a informação.

João Sem Medo: – Os dois ficaram horrorizados com o desconhecimento do regulamento por parte dos brasileiros. Isso mostra bem como estávamos na Suíça.

Sobrenatural de Almeida: – Assombroso!

Garçom: – O futebol brasileiro não foi bem na Suíça, mas não deixou de ter a alegria da tabelinha entre música e futebol naquele ano de 1954. Vamos ouvir, então, “O rei da bola”, de Luiz Antonio e Sebastião Nunes, na voz de Marly Sorel.

https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/128530/o-rei-da-bola

Fim do capítulo 41

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Um gol desse não se perde!

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