por Eduardo Lamas Neiva
Após o êxtase com a recordação da conquista do Campeonato Sul-Americano de 1919 e a apresentação de “Um a Zero” pelos Oito Batutas, quem toma a dianteira no papo entre os velhos amigos é o Idiota da Objetividade, que, amante do futebol de resultados, contesta a paixão pelo chamado futebol-arte.
Idiota da Objetividade: – Vocês precisam ter uma visão mais pragmática das coisas. A tática, a estratégia… O jogo de futebol é igual ao xadrez.
João Sem Medo: – Sem essa, Idiota. Foi você que soprou nos ouvidos dos cartolas da CBF pra botarem o Dunga como técnico da seleção duas vezes, né?
Idiota da Objetividade: – Não fui eu, não! Quem faz essas coisas é o Sobrenatural. Mas eu achei boa a opção. Melhor vencer jogando feio, do que perder jogando bonito.
Os outros três, os músicos que subiram ao palco, algumas pessoas em mesas próximas e até o garçom protestam.
João Sem Medo: – Mas não venceu nem jogando feio, Idiota!
Idiota da Objetividade: – Venceu sim, João! A Copa América de 2007 e a Copa das Confederações de 2009.
João Sem Medo: – E serviu pra quê este torneio da Fifa? Perdemos pra Holanda em 2010 nas quartas e voltamos mais cedo pra casa.
Zé Ary se aproxima da mesa.
Garçom: – Senhores, desculpe interrompê-los, mas recebi um pedido das pessoas das outras mesas pra ouvir a conversa de vocês. Estão todos muito interessados.
João Sem Medo: – O papo é a vida do futebol, como eu disse.
Ceguinho Torcedor: – E a verdadeira apoteose é a vaia. E como só os imbecis têm medo do ridículo, vamos estender a nossa conversa, então. Como faremos?
Garçom: – Podem se sentar àquela mesa ao lado do palco que todo mundo vai conseguir ouvi-los muito bem.
João Sem Medo: – Perfeito. Vamos, então.
Enquanto os quatro amigos trocam de mesa, aplaudidos pelos presentes, um grupo musical que está no palco se apresenta: é o grupo Francisco Lima.
Francisco de Oliveira Lima: – Senhoras e senhores, já que a conversa aqui é sobre o “foot-ball”, vamos tocar uma polca de minha autoria que foi a primeira música relacionada a este esporte gravada no Brasil. Foi em 1912…
João Sem Medo (aos amigos): – Ano em que o criador de vocês três nasceu.
Francisco de Oliveira Lima: – … Ou 13, já não me recordo bem. Chama-se, naturalmente, “Foot-Ball”.
Aplaudido, Francisco de Oliveira Lima e seu grupo começam a tocar.
Os músicos agradecem os aplausos e deixam o palco.
João Sem Medo: – Essa música é do tempo em que o futebol e a música do Brasil ainda eram totalmente influenciados pelos europeus, os ingleses especialmente.
Sobrenatural de Almeida: – A seleção brasileira nem existia ainda e já tinha música sobre futebol no país. Assombroso!
Ceguinho Torcedor: – Assombroso mesmo é que naquele tempo, em dias de regatas do remo, não havia jogos de futebol. Eram chamados à inglesa, de matches ou meetings no field. Depois o futebol ficou tão popular que o remo é que passou a esperar a tabela do campeonato de futebol pra marcar os dias e horários das regatas.
João Sem Medo: – O Flamengo no início resistiu muito a ter um time de futebol, mesmo recebendo nove dos onze titulares do Fluminense que foram campeões em 1911 e mais alguns sócios que trocaram de lado. Teve até um uniforme de futebol diferente do remo, que já era tradicional no clube.
Ceguinho Torcedor: – João, meus amigos, o Fla-Flu nasceu 40 minutos antes do nada. O termo, aliás é uma criação do grande Mario Filho, o criador de multidões.
João Sem Medo: – Não é por acaso que o Fla-Flu seja conhecido como o Clássico das Multidões, então.
Ceguinho Torcedor: – Pois então, o que ia dizendo? Ah sim, no primeiro Fla-Flu registrado na História, o segundo time do Tricolor, reforçado apenas por Osvaldo Gomes e Calvert, venceu o antigo primeiro time, que passou a vestir a camisa rubro-negra.
Idiota da Objetividade: – A primeira camisa do futebol do Flamengo era quadriculada.
João Sem Medo: – Que o pessoal chamava de Papagaio de Vintém.
Sobrenatural de Almeida: – Era muito feia, os jogadores até diziam que dava azar. Na verdade, andei jogando contra aquele time de desertores tricolores até arrumarem um uniforme mais bonito.
Alguns na plateia riem.
Idiota da Objetividade: – O primeiro título rubro-negro, em 1914, só veio com a camisa cobra-coral, que tinha listras finas brancas entre as pretas e vermelhas. Os primeiros títulos, pois foi bicampeão carioca, em 14 e 15.
Sobrenatural de Almeida: – Aliás, o primeiro título de remo do Flamengo só veio depois do futebol no clube.
Idiota da Objetividade: – Também foi um bicampeonato, em 16 e 17.
Sobrenatural de Almeida: – Mas não sou muito chegado ao remo.
João Sem Medo: – Com a explosão da Primeira Grande Guerra, os inimigos alemães foram perseguidos também aqui no Brasil. Como a camisa do Flamengo era parecida com a bandeira alemã e lá havia muitos sócios alemães, a camisa e os sócios alemães foram banidos do clube.
Garçom: – Este papo sobre as origens do Flamengo me deram uma ótima ideia.
O garçom se ausenta rapidamente e retorna com o LP das escolas de samba do Rio de Janeiro de 1995. Vai à vitrola, escolhe a faixa certa e põe pra tocar “Uma vez Flamengo…”, de David Correa, Adilson Torres, Déo e Caruso (samba de enredo da Estácio de Sá em 1995.
Não sabia das cores das primeiras camisas do Flamengo…
Belas reminiscências!