por Eduardo Lamas Neiva
Em meio à festa dos bangüenses, Almir aparece de surpresa no bar Além da Imaginação, mas desta vez em vez de socos e pontapés só houve sorrisos e abraços, especialmente em Zé Ary, velho conhecido, João Sem Medo, Ceguinho Torcedor, Sobrenatural de Almeida, que brincou com ele sobre o sopro no ouvido na final de 66, e Idiota da Objetividade. Ele cumprimentou seus adversários daquela final também e foi levado ao palco.
Garçom: – Almir, enquanto a gente vai vendo as imagens no telão, conta pra gente como foi aquela confusão toda que você armou na final de 66.
Almir: – Olha, pra jogar aquela partida eu tomei dois Dexamil.
Idiota da Objetividade: – Pra quem não sabe, Dexamil é anfetamina, uma droga sintética estimulante que age diretamente no sistema nervoso central.
Almir: – Pois então, outros jogadores tomaram também, porque naquelas horas a bolinha aparecia não se sabe como. Havia sempre alguém oferecendo: quem quisesse tomar, tomava mesmo. Silva não tomou, não gostava. Também não tomaram nada nossos homens do meio-campo: Carlinhos e Nelsinho.
João Sem Medo: – Do doping ninguém soube.
Almir: – Não, só depois que contei a história toda no meu livro e pra revista Placar já nos anos 70.
Idiota da Objetividade: – Toda aquela confusão deixou você fora dos campos por quase seis meses de suspensão.
Almir: – Verdade.
Ceguinho Torcedor: – Mas o que lhe deu na cabeça, rapaz? Era pra ser uma partida genial, um dos maiores espetáculos da Terra. A cidade estava possuída pelo jogo. Nos botecos, nas retretas e nos velórios não se falava, não se pensava, não se sentia outra coisa, a decisão era assunto obrigatório. Mas onde entra a paixão humana, tudo é possível. Antes do jogo, as brigas pipocavam por todo estádio Mario Filho. Eram cento e oitenta mil ventas incandescentes e tudo era pretexto para o palavrão, para o insulto e para o tapa. E assim, quando os vinte e dois jogadores entraram em campo, a paixão ardia no estádio!
Almir: – O clima era bem esse, Seu Ceguinho! Nós ainda estávamos fazendo aquecimento muscular no campo, batendo fotografias, dando entrevistas, quando o Sansão se aproximou de mim e já foi advertindo: “Olha aí, Almir, eu estou de olho em você. Muito cuidado que eu vou te expulsar”. O primeiro gol foi feito por Ocimar, num chute mais ou menos da intermediária. Valdomiro pulou atrasado, chegou a tocar na bola com um soco, mandando-a as redes. Estava explicado porque ele cantava tanto dias antes…
João Sem Medo: – Ele estava na gaveta também, Almir?
Almir: – Seu João, havia um ambiente de revolta no vestiário. O diretor de futebol do Flamengo, Flávio Soares de Moura, estava indignado, percebera que o Bangu armara um esquema para ganhar o título de qualquer maneira. Ele me fez uma pergunta não como dirigente, mas como torcedor: “Almir, eles vão dar volta olímpica?” Não vai ter volta olímpica não, seu Flávio. Só se for do Flamengo […]
Garçom: – Seria bom que o Valdomiro viesse aqui pra dar a sua versão.
Almir: – Ele vai negar, claro. Mas também não posso provar nada, só foi muito estranho. Hoje não tem mais briga, estamos aqui nos confraternizando, mas lá na hora, além de nos golear, o Bangu queria ensaiar um baile. Eu já estava com raiva, e o sangue subiu à cabeça por volta dos 25 minutos quando o Ladeira, do Bangu, discutiu com Paulo Henrique e deu um soco na cara dele. A confusão começou ali. Depois que o Itamar acertou o Ladeira e dei uns chutes nele, olhei os bolos de jogadores e disse comigo mesmo: “Tudo o que estiver com camisa de listras brancas e vermelhas é inimigo”.
Ubirajara: – Quando você voltou pro campo eu te desafiei, Almir.
Almir: – É, você veio com uma de valente: “Lá fora vamos resolver isso”. (risos)
Ubirajara: – Você me deu um soco no estômago e quando me levantava pra revidar…
Almir: – O Ari Clemente me deu um soco.
Sobrenatural de Almeida: – Que bafafá! Hahahaha
Almir: Foi mesmo. Cem mil torcedores gritando “porrada, porrada, porrada…” Mas aí a polícia veio e acabou com a festa e o juiz Airton Vieira de Moraes acabou cumprindo bem o seu papel: expulsou cinco do Flamengo, eu, Silva, Itamar, Valdomiro e até o Paulo Henrique, e quatro do Bangu: Ari Clemente, o Ubirajara, Luis Alberto e Ladeira. O Flamengo ficou com menos de sete em campo e o Bangu foi declarado vencedor.
Ubirajara: – Merecidamente.
João Sem Medo: – Concordo. O Bangu foi o melhor time daquele campeonato.
Músico: – Toca o hino do Bangu!
Lamartine Babo: – Marcha do Bangu, que tive o prazer de compor e o clube depois oficializou como hino, o que muito me honra.
Com todos os jogadores bangüenses daquela final de 66 cantando em alto e bom som, Almir ficou só observando, desta vez respeitosamente. E aplaudiu no fim da cantoria.
Almir (rindo): – Hoje não vai ter confusão.
Todos riem e aplaudem.
Ceguinho Torcedor: – O Almir merece ser lembrado também por suas épicas atuações.
Almir: – Obrigado, seu Ceguinho. Mas deixo pros senhores contarem o resto da história. Vou me sentar ali pra ouvir os senhores contarem as minhas histórias. (rindo)
É aplaudido, agradece, deixa o palco
João Sem Medo: – Você foi um jogador completo depois de Pelé. Possuía técnica e habilidade apurada e tinha velocidade.
Almir: – Muito obrigado, seu João.
João Sem Medo: – Por nada, você merece. Almir substituiu Pelé na final do Mundial Interclubes contra o Milan, em 63, quando o Santos conquistou o bicampeonato. Ele fez um gol na vitória de 4 a 2, no segundo jogo da final, no Maracanã, mesmo placar em favor do time italiano, em Milão, e sofreu o pênalti que originou o gol da vitória santista no Maracanã, marcado pelo Dalmo.
Almir: – Deixa eu contar outra história aqui, seu João. O Amarildo desrespeitou o Pelé depois do primeiro jogo. Disse que o Pelé estava acabado e eu não admitia que falassem mal do Pelé. Jurei o Amarildo, dei umas pancadas nele no Maracanã e ganhamos duas vezes deles no Rio e nos sagramos campeões.
Garçom: – Vamos aproveitar chamar aqui ao palco Francisco Egydio pra cantar duas músicas em homenagem ao Santos.
Francisco Egydio vai ao palco muito aplaudido.
Francisco Egydio: – Muito obrigado, minha gente. Vamos cantar “O Santos ganhou”, de Nilo Silva, Mazinho e Nandinho, e depois “Glória ao Santos Futebol Clube”, de Carlos Henrique Roma e é o hino oficial do clube, menos conhecido que o popular que começa com o verso “Agora quem dá a bola é o Santos”. Vamos lá, sem pausa pra respirar!
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