por Eduardo Lamas Neiva
Após cantar a Marcha do São Cristóvão, Silvio Caldas sai aplaudido do palco, abraça João Sem Medo, Ceguinho Torcedor, Sobrenatural de Almeida e Idiota da Objetividade e volta à sua mesa. João reinicia o papo.
João Sem Medo: – Quarenta anos depois da conquista do São Cristóvão, o Bangu, que já havia sido campeão em 33, na época da divisão entre amadoristas e profissionalistas, derrotou o Flamengo e seus 150 mil torcedores no Maracanã…
Sobrenatural de Almeida: – A final do Campeonato Carioca de 1966 não chegou ao fim…hahaha
Garçom: – Foi aquele fuzuê que o Almir Pernambuquinho armou no Maracanã, né?
João Sem Medo: – Isso mesmo, Zé Ary.
Músico: – Aquela confusão toda no Maracanã me lembra uma música antiga, o Futebol da Bicharada, de Raul Torres.
Garçom: – Raul Torres se encontra aqui, vamos chamá-lo ao palco pra cantar essa pra gente, então.
Raul Torres, aplaudido por todos, sobe ao palco.
Raul Torres: – Obrigado, gente. Nesse jogo aqui também teve confusão, mas pra cantar vou chamar meu parceiro Florêncio.
Florêncio vai ao palco também aplaudido.
O público ri muito e aplaude a dupla, que agradece e deixa o palco. Ceguinho volta a falar de Almir.
Ceguinho Torcedor: – Almir foi um grande jogador, chegou a ser convocado para os primeiros treinos da seleção em 58, mas acabou cortado. Tinha o pavio curtíssimo. Apesar dos seus defeitos, ou por isso mesmo, eu o via como um exato símbolo pessoal e humano do futebol brasileiro.
Idiota da Objetividade: – Antes daquela decisão entre Flamengo e Bangu, ele já tinha se metido em muitas outras confusões.
João Sem Medo: – Almir, que passou pelo Vasco, Boca Juniors, Santos, Fiorentina, Flamengo, todos grandes clubes e ganhando muito dinheiro, foi sempre um mão-aberta naquela timidez do boêmio que acha que tendo dinheiro no bolso é ofensa permitir que outros paguem a despesa. Teve uma morte trágica, foi assassinado num bar em Copacabana, no início da década de 70.
Idiota da Objetividade: – Almir começou no Sport Recife, em 1956, e foi para o Vasco, onde se juntou a Vavá e outros pernambucanos como ele que já estavam no time de São Januário. Ele recusou uma convocação para a seleção brasileira certa vez para excursionar com o Vasco e isso o deixou marcado. Por isso fez poucos jogos na seleção.
João Sem Medo: – Num desses jogos pela seleção provocou uma batalha campal contra o Uruguai, em 59.
Ceguinho Torcedor: – A mais famosa, porém, foi aquela de 66, quando o Bangu foi campeão em cima do Flamengo. Eu estava lá no Maracanã e vi, ou melhor, percebi o burburinho todo com a confusão que o Almir Pernambuquinho armou dentro de campo.
João Sem Medo: – Os nervos estavam à flor da pele desde o meio da semana. Houve uma verdadeira guerra de nervos. No jogo, também muito tenso, o Flamengo precisava ganhar, mas acabou perdendo Carlos Alberto, depois Nelsinho, machucados, e ficou sem pai, nem mãe. Aí saiu a encrenca toda e o árbitro Airton Vieira de Moraes, que teve uma das mais perfeitas arbitragens que já apareceram no Maracanã, foi muito feliz ao acabar com o jogo. Já estava 3 a 0 pro Bangu e poderia sair um conflito imprevisível naquela multidão. O Bangu foi o melhor time do campeonato e mereceu o título.
Idiota da Objetividade: – A partida entre Flamengo e Bangu foi disputada no dia 18 de dezembro de 1966. Era a última rodada do turno final, e o Bangu tinha a vantagem do empate para ser o campeão, mas fez dois gols no primeiro tempo e um logo no início do segundo. A briga começou aos 25 minutos do segundo tempo. Começou com uma discussão entre o atacante Ladeira, do Bangu, e o lateral-esquerdo Paulo Henrique, do Flamengo. Mesmo vencendo o jogo, Ladeira deu um tapa no adversário e Almir Pernambuquinho tomou as dores do companheiro e foi pra cima do lateral bangüense. Uma confusão generalizada que acabou com nove jogadores expulsos.
Sobrenatural de Almeida: – Eu armei aquele sururu. Fiquei soprando no ouvido do Pernambuquinho que o Flamengo não podia ser humilhado daquele jeito, que era preciso ele tomar uma atitude de macho.
Idiota da Objetividade: – O árbitro Airton Vieira de Moraes, conhecido como Sansão, deu cartão vermelho para cinco jogadores rubro-negros, Valdomiro, Itamar, Paulo Henrique, Silva e, lógico, Almir, e quatro alvirrubros: Ubirajara, Luis Alberto, Ari Clemente e Ladeira. O jogo teve de ser encerrado porque o Flamengo ficara com apenas quatro jogadores, o que não é permitido pela regra. O mínimo é sete. Assim, com os 3 a 0 no placar, o Bangu foi declarado vencedor e se tornou campeão carioca pela segunda vez. O público presente ao Maracanã naquela tarde foi de 143.978 pagantes, 90% de rubro-negros, que saíram frustrados do estádio.
Sobrenatural de Almeida: – Que nada! Sairiam frustrados se não tivesse tido aquela pancadaria toda. O Almir saiu como herói.
João Sem Medo: – Aquele jogo tem muita história estranha. Muita gente disse que o Sansão estava na gaveta do Bangu e que cada goleiro se vendeu ao outro time, mas o Castor teria descoberto e ameaçado de morte o time inteiro se houvesse algum gol contra o Bangu, sem citar o nome do Ubirajara. Logo no início do jogo, o Flamengo dominava, já tinha posto uma bola na trave, e o ponta-direita Carlos Alberto se machucou num choque acidental com Ari Clemente e nunca mais pôde jogar. Naquela época não havia substituição, o Nelsinho ainda se machucou e ficou em campo mancando com uma atadura no joelho fazendo número.
Ceguinho Torcedor: – Se o Valdomiro estava vendido ou não eu não sei, mas que o primeiro gol do Bangu, marcado pelo Ocimar, foi um frangaço, ninguém tem dúvida. Nem eu! Nos outros dois, de Aladim e Paulo Borges, ele não teve culpa.
Sobrenatural de Almeida: – Mas, Ceguinho, o que marcou mesmo foi a multidão gritando e aquele som abafado altíssimo ecoando em meus ouvidos: “Por-ra-da! Por-ra-da! Por-ra-da! Por-ra-da!…”hahaha
O público do bar faz coro com o Sobrenatural: – “Por-ra-da! Por-ra-da! Por-ra-da!…”
Sobrenatural de Almeida: – A torcida do Flamengo foi ao delírio. Perdeu o título, mas ganhou a briga de presente.
Garçom: – Certo. Mas hoje os homenageados serão aqueles campeões do Bangu, alguns aqui presentes, outros ainda vivendo no Mundo Material. Por isso, trouxemos aqui uma turma da banda do Bangu para alegrar o ambiente com a Marchinha do time campeão carioca de 1966.
Os integrantes são aplaudidos enquanto sobem ao palco e a festa começa, com todo mundo se divertindo a valer, especialmente Ubirajara, Fidélis, Mario Tito, Luís Alberto e Paulo Borges.
Esse Almir era comprovadamente maluco. O fim dele só podia ser trágico mesmo.
É, meu amigo, há muitas histórias sobre o Almir. Em todos os clubes em que jogou e na seleção não houve onde não tenha arrumado confusão. Obrigado pelo comentário e a audiência. Volte sempre. Abração.