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“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 23

17 / agosto / 2023

por Eduardo Lamas Neiva

Todos se divertem e aplaudem a bela música e o botafoguense Vinicius de Moraes, que estava passeando e resolveu entrar no bar Além da Imaginação para dar um abraço no pessoal. João Sem Medo aproveita e toca a bola queimando a grama pra Ceguinho Torcedor.

João Sem Medo: – Quem sabe muito sobre deste assunto de adultério é o nosso dramaturgo, não é Ceguinho?

Ceguinho Torcedor: – Meus caros, só o inimigo não trai nunca. Não existe família sem adúltera, e o homem de bem, por sua vez, é um cadáver mal informado: não sabe que morreu.

Todos riem.

Músico: – Mas ninguém se salva, seu Ceguinho?

Ceguinho Torcedor: – Meu caro, a virtude é triste, azeda, neurastênica. E o amor bem-sucedido não interessa a ninguém.

Músico: – Entre as coisas do futebol e do amor, das pisadas de bola e das traições, há muita música, né? Então, vamos chamar agora ao palco o grande Elton Medeiros e Antonio Dantas pra cantarem “Na cara do gol”.

Garçom: – E com o grupo Passagem de Nível, de Mendes, interior do Rio de Janeiro, no telão.

São muito aplaudidos.

Sobrenatural de Almeida: – A letra desta música só vai dar mais corda ao Ceguinho! Hahahahaha

Ceguinho Torcedor: – Nem você, Sobrenatural de Almeida, está a salvo! Não se apresse em perdoar, a misericórdia também se corrompe. Por isso, a fidelidade devia ser facultativa. Ora, como já disse, o amor bem-sucedido não interessa a ninguém, minha gente.

Garçom: – Não é tanto assim…

Idiota da Objetividade: – Eu acredito no cidadão de bem!

Ceguinho Torcedor: – Idiota, convém não facilitar com os bons, convém não provocar os puros. Há, no ser humano, e ainda nos melhores, como muitos que aqui estão, acredito, uma série de ferocidades adormecidas. O importante é não acordá-las.    

Há um repentino silêncio reflexivo em todo o bar. E o povo dá uma dispersada, enquanto o grupo da mesa dá uma pausa pra fazer uns pedidos ao garçom e ir ao banheiro. Nossos quatro personagens voltam à mesa e Zé Ary toca a bola para eles.

Garçom: – Bom, senhores, vamos voltar ao futebol…

João Sem Medo: – Naquela excursão do Botafogo ao México que estava falando antes, tive o privilégio de presenciar o nascimento do “olé” no futebol. Quem inventou foi o Garrincha em parceria com cem mil mexicanos que lotaram o Estádio Universitário pra assistir ao que os jornais de lá chamaram de “O Jogo do Século”: o Botafogo, que eu dirigia na época e tinha sido campeão carioca no finzinho de 57, contra o River Plate, que era o tricampeão argentino e tinha 10 dos 11 titulares da seleção que disputou a Copa de 58, poucos meses depois.

Ceguinho Torcedor: – Um jogo como esse tinha de ter sido filmado e passar na sessão da tarde todos os dias!

Todos concordam.

João Sem Medo: – Foi ali, naquele dia, às vésperas do carnaval de 58, que surgiu a gíria do “olé”. Não porque o Botafogo tivesse dado olé no River, não. O jogo foi bem equilibrado, terminou empatado em 1 a 1, até jogamos bem fechadinhos. Foi um olé pessoal, de Garrincha em Vairo, lateral do River e da seleção argentina. Nunca assisti a coisa igual, meus amigos.

Silêncio absoluto na plateia e atenção total ao relato de João Sem Medo.

João Sem Medo: – Só a torcida mexicana com seu traquejo de touradas poderia, de forma tão sincronizada e perfeita, dar um “olé” daquele tamanho. Toda vez que o Mané parava na frente do Vairo, os espectadores mantinham-se no mais profundo silêncio. Quando Mané dava aquele seu famoso drible e deixava o Vairo no chão, um coro de cem mil pessoas exclamava: “Ôôôôôô-lê”!

A plateia vibra como se assistisse ao que João narra.

João Sem Medo: – Uma festa completa.

Ceguinho Torcedor: – Garrincha tinha sempre nos pés uma bola encantada! Ou melhor, uma bola amestrada.

Todos concordam.

João Sem Medo: – Tem mais, meus amigos! Num dos momentos em que o Vairo estava parado em frente ao Garrincha, um dos clarins dos “mariachis” atacou aquele trecho da “Carmen” que é tocada na abertura das touradas. Como é mesmo, maestro?

O grupo no palco executa, então, o trecho inicial da abertura da ópera “Carmen”, de Bizet, citado por João.

Todos se divertem muito e até dançam.

Fim do Capítulo 23

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