por Washington Fazolato
Eu me lembro como se fosse hoje.
Meu pai chegando do trabalho com uma revista debaixo do braço e eu, curioso, fui checar qual era a publicação.
Desde criança tenho o hábito da leitura, iniciado com a famosa Seleções, depois a Veja, a saudosa Realidade e o finado Jornal do Brasil.
Mas essa revista era diferente.
Era dezembro de 1974 e na capa ela trazia a foto da torcida do Vasco, nas arquibancadas do Maracanã, comemorando o título do Brasileirão daquele ano.
A revista era a Placar.
Na época, minha fonte de informações sobre futebol era o Jornal do Sports, o famoso “cor-de-rosa”.
Mas ali, além da cobertura sobre as rodadas de finais de semana e previsões para a loteca, haviam as outras matérias. Ah, as outras matérias…
Essas eram ouro fino, joias preciosas em forma de texto. E repare que estamos falando dos anos 70, quando a crônica esportiva tinha gente do quilate de João Saldanha, Nelson Rodrigues etc.
Hoje, com o oceano de informações disponíveis via web, é difícil imaginar minha aflição aguardando, a cada terça-feira, que o amigo jornaleiro entregasse a revista em nossa casa.
Lia cada página, cada matéria, cada linha.
Os textos, sublimes, traziam a assinatura de autênticos gênios da crônica esportiva, alguns nunca reconhecidos como tal.
José Maria de Aquino, Jairo Régis, o saudoso João Aerosa, Oscar Azêdo, Raul Quadros, Divino Fonseca, Carlos Queiroz e outros.
Na fotografia, Ronaldo Kostcho , Manoel Motta, Rodolpho Machado, entre outros.
De tanto que lia a revista e gravava detalhes, guardo esses nomes até hoje.
Para um garoto de 15 anos, para o qual o mundo do futebol era algo quase mítico, os textos revelavam que o futebol era feito por homens de carne e osso, que sofriam, tinham alegrias e carregavam, muitas vezes, dores de uma infância e juventude perdidas pelo sonho de jogar futebol.
A revista, de forma sutil, trazia essa outra realidade, algo que hoje é convenientemente ocultado na grande mídia.
Lembro-me de uma matéria sobre a solidão dos garotos na concentração do São Paulo, que na época – não sei se ainda o é – ficava debaixo das arquibancadas do Morumbi.
Um retrato comovente e singelo sobre as dores de meninos que largavam as famílias em outros estados em busca da carreira de jogador.
Inesquecível também foi uma série de reportagens sobre o futebol do interior paulista, redigidas com maestria e sensibilidade.
Na peregrinação pelo interior, a equipe captou com rara percepção a importância dos times para a afirmação daquelas cidades.
Outra reportagem valiosa foi uma publicada numa edição de final de ano, que traçava um paralelo entre a carreira de Ademir da Guia e um jogador de um modesto time do interior paulista, com suas diferenças abissais no padrão de vida, ambições e realidades.
Meu idílio com a Placar durou desde aquela edição de 1974 até o início da década de 80.
Nessa época, a revista começou a mudar.
Muitos dos editores e repórteres antigos saíram, dando vez a alguns que tinham uma visão diferente da cobertura esportiva.
Na falta daquelas antigas reportagens, meu interesse foi caindo até perceber que a revista não tinha mais nada a ver com aquela que eu conhecera no passado.
Anos atrás, descobri que João Aerosa estava escrevendo para um jornal do Rio.
Escrevi-lhe um email, relembrando da antiga Placar e perguntando pela turma.
Para minha surpresa, ele me respondeu, em tom comovido, lembrando com saudades dos antigos companheiros, sobretudo alguns, já falecidos.
Ele viria a falecer meses depois, para minha tristeza.
Talvez ele, como todos os antigos cronistas e repórteres da Placar não saibam, mas a paixão que carrego pelo futebol deve-se, em grande parte, aquela revista maravilhosa e seus textos mágicos.
Descanse em paz, Placar.
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