por Paulo-Roberto Andel
Rio de Janeiro, janeiro de 2021.
Na esquina das ruas Teodoro da Silva com Barão de São Francisco, no bairro de Vila Isabel (a conferir, ou Andaraí melhor dizendo), fica o Shopping Boulevard, uma referência comercial da região. Como qualquer shopping center, possui grandes lojas, cinemas, praças de alimentação e outros equipamentos. Agências bancárias também.
Recebe famílias, crianças, casais, gente de várias localidades da cidade.
Caminhando em seus corredores, talvez a única grande expressão que remeta ao futebol seja sua tradicional loja de botões, que promove campeonatos diariamente.
Nestes tempos de pandemia, tudo é mais lento, vazio e silencioso.
Transitando pelo Boulevard, é possível que seus frequentadores mais jovens sequer desconfiem que caminham sobre parte importante da memória do futebol brasileiro. Talvez nem os mais idosos se lembrem. Não há nada ali que identifique o caso.
Para os que têm entre cinquenta e setenta anos de idade, pode passar a lembrança de que ali existiu o Estádio Wolney Braune, do América, vendido justamente para a construção do shopping. Mas o que poucos sabem é que bem antes do America, ali viveu uma grande praça do futebol do Rio.
Foi a casa do Andarahy, o mesmo de Dondon, imortalizado na música de Nei Lopes. Dos tempos em que a maravilhosa Vila Isabel não puxava o bairro do Andaraí para si, melhor dizendo, que a especulação imobiliária não entortava as coisas. Naquele logradouro, o clube alviverde ergueu sua sede e estádio, que serviu para muitas partidas do Campeonato Carioca em seus primórdios. Além de mandar seus jogos, o Andarahy regulamente cedia suas instalações para partidas de outras equipes, em especial as da zona norte da cidade, tais como o próprio America e o Vasco, antes da imponente inauguração do Estádio de São Januário no ano de 1927.
O Andarahy não resistiu ao futebol profissional. Jogou o Campeonato Carioca de 1913 a 1937. Depois disso, numa situação ruidosa, a querida Portuguesa – que hoje é um símbolo da Ilha do Governador, mas não nasceu lá – arrendou as instalações do clube e permaneceu na casa por duas décadas. Depois, com a saída – também ruidosa – da Lusa, o America adquiriu o patrimônio no ano de 1961, inaugurando o Estádio Wolney Braune – uma referência rubra – em 1996, permanecendo lá até 1993, quando foi concretizada a venda para a construção do shopping. Em 1973, o que havia sobrado do Andarahy na região desapareceu de vez. Felizmente o clube já foi registrado em livros e em breve ganhará um outro, do escritor Kleber Monteiro.
Não há uma vírgula visível dessa história para as milhares de pessoas que frequentam o shopping diariamente, ou um pouco menos nestes tempos de pandemia. Muita gente sequer desconfia que antigamente a rua lateral não se chamava Barão de São Francisco e sim Prefeito Serzedelo Corrêa. Que ali por muitos e muitos anos pulsou uma parte importante do futebol carioca, que envolveu vitórias, derrotas, dramas, nomes e, por isso mesmo, faz parte da história, uma história bela e que precisa ser resgatada o quanto antes.
O Shopping Boulevard fica bem em cima de um lindo capítulo do começo e firmamento do futebol carioca mas, justiça seja feita, está longe de ser o único cemitério involuntário da memória. Quando o bom e velho football se espalhou pelo então Distrito Federal, campos e mais campos de todos os tipos surgiram pela cidade, assim como times que muita gente nunca ouviu falar. São muitas histórias deste esporte apaixonante que precisam ser contadas.
Cem anos passam rápido demais. Falando nisso, e dos queridos times sobreviventes e centenários do Rio, o que podemos esperar? O que vai acontecer para que consigam sobreviver 200 anos?
@pauloandel
0 comentários