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UM JOGO QUE AINDA NÃO TERMINOU

3 / dezembro / 2019

por Claudio Lovato


O velho repórter chegou à casa do ex-craque exatamente na hora marcada. Abriu o portão de dobradiças enferrujadas, percorreu o caminho de brita e cascalho que levava até a porta e tocou a campainha. Nada. Bateu de novo. Nada. 

“Não vai adiantar o senhor bater”, disse uma mulher, escorada no portão, com um cigarro entre os dedos da mão direita. “Ele foi embora ontem”.

O velho repórter fez o caminho de volta até o portão.

“A senhora sabe para onde ele foi? Ele disse alguma coisa?”

“Disse que estava indo para um lugar onde lhe deixariam morrer em paz”.

Depois de quase um ano de investigação, o velho repórterconseguira localizar o ex-craque. Sete cidades, quatro estados. Gastando suas economias.  Contando com a interminável compreensão (e o sacrifício) da esposa. E agora isso. 

“Ele não disse mais nada?”

A mulher jogou a bagana no meio-fio, afastou da testa uma mecha de cabelo grisalho e disse:

“O senhor é o jornalista, não é? O que está escrevendo um livro…”

“Sou”.

“Ele me falou do senhor. Disse que só aceitou conversar porque o senhor tem respeito por ele e pelos companheiros dele”.

“Pois é, mas apesar disso não cumpriu o combinado comigo”, ele disse num tom pesado.  

“Venha comigo”, ela falou, e apontou o caminho.

A casa ficava a menos de uma quadra de distância. 

“O senhor não me leve a mal, mas o meu marido é acamado e…”

“Não se preocupe”.

Ela entrou no quarto e, pouco depois, voltou com uma sacola de feira. 

“Ele deixou umas roupas para o meu marido e esta fruteira para mim”.

O velho repórter olhou para as coisas que ela ia tirando da sacola.

“E isto aqui para o senhor”.

Ele viu nas mãos dela um envelope fechado com durex e o abriu ali mesmo. 

“Amigo, 

Eu lhe peço desculpas, mas não há nada que eu queira mais nesta vida que ser esquecido.

“Quando se vive de lembranças, o que se é?

“Eu e meus companheiros fomos derrotados na única oportunidade em que poderíamos sair do anonimato para encontrar, como se diz, um lugar ao sol. Queríamos muito isso, por nós, pela nossa torcida, por nossas famílias.

“Não foi covardia, não foi incapacidade. Apenas aconteceu. Perdemos. 

“Sei da sua admiração, sei do seu respeito, e por isso, no início desta carta, lhe chamei de ‘amigo’.

“Vamos deixar o passado no passado. Vai ser melhor assim.

“É um favor que lhe peço. Um pedido de amigo.

“Um abraço com estima”.

O velho repórter levantou os olhos e encontrou os da vizinha. Ela lhe ofereceu um cigarro. Ele aceitou. Ela foi até a geladeira, pegou uma cerveja e lhe entregou um copo.

“Você vai atrás dele?”, ela perguntou.

“Sim”.

“Ela tem uma irmã no Paraná. Acho que mora em Londrina… Ou em Maringá, não me lembro bem. Quando ele me contou,a gente estava tomando umas”.

Ele sorriu sem vontade. Apagou o cigarro no cinzeiro, tomou o último gole da cerveja e guardou a carta, dobrada, no bolso da camisa. 

“Diz para ele que a gente manda lembranças”, ela falou quando ele já estava na calçada.

“Pode deixar”, ele respondeu. “Vou dar o seu recado”, disse por fim, e então foi procurar um táxi que o levaria à rodoviária e à continuidade de uma busca que se tornara parte essencial de sua vida.

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