por Zé Roberto Padilha
Aos 15 anos disseram que puxei o meu pai. E que iria ser jogador de futebol. De fato, me saia melhor no recreio com a bola nos pés, do que em sala de aula, encrencado com a soma dos catetos e com a tal da hipotenusa.
E embarquei para um período de testes nas Laranjeiras. Só que o Beto Bom de Bola, de Três Rios, encontrou bons de bola de todo o estado. A briga para ser titular da ponta esquerda era acirrada.
Inibido, tinha pesadelos com a ideia de desembarcar na nossa modesta rodoviária e perder o meu sonho de menino. Jogar futebol e no meu time de coração. O Fluminense. E estava disposto, como Fausto ao demônio Mefistófeles, a deixar levar meu corpo em troca de permanecer na casa tricolor e não ser eliminado no paredão.
Desde esse dia, entreguei meu corpo como cobaia aos professores da Escola de Educação Física do Exército. Parreira, Chirol, Cláudio Coutinho, Ismael Kurtz e Raul Carlesso precisavam de cobaias para seus experimentos.
Saía o futebol arte de 70 e veio à tona o futebol força da Alemanha, que ganhara a Copa de 74. E os Testes de Cooper, Interval e Circuit Training, treinamentos em regime full time, máquinas Apolo e Nautilus precisavam serem testados e aplicados. Jogadores de futebol, essa era a meta, precisavam se tornar atletas.
Eu estava ali me esforçando para ser um ponta moderno e poder ficar. E fui cobaia de todos eles.
Para ser fiel ao trato, subia a Estrada das Paineiras com tenis sem amortecedores, as arquibancadas do clube com saco de areia nas costas e treinava com coletes à prova de balas.
Consegui não apenas permanecer sete anos nas Laranjeiras, como em outros oito clubes em três estados da federação por mais dez anos. Fiz do futebol a minha profissão, porém, logo chegou a conta para o “Pulmão do Gerson”, “O motorzinho da Máquina Tricolor” pagar. Era frágil demais para suportar o tamanho da carga.
E aí lamentava as segundas-feiras que ia comer na casa da minha avó porque era dia de fígado lá em casa. Fez uma falta danado tal frescura.
Os meniscos foram se esfacelando, tornozelos sendo fraturados, hérnias rompidas, perônio e maxilar afundados. Quando o tempo esfria, meus ossos doem, quando esquenta, boto gelo nas articulações. E pior de tudo: fiquei dependente de uma dose diária de hormônio simpaticomimetico, vulgarmente conhecido como Adrenalina. E não consigo mais evitar a primeira pedalada ou braçada ao amanhecer.
Sendo assim, meu corpo, me perdoe por abusar dos seus limites e sacrificá-lo em prol dos meus sonhos. E que Mefistófeles me poupe. E não me carregue.
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