por Zé Roberto Padilha
Aos 15 anos resolvi que seria jogador de futebol. Era o legado do meu pai, tinha facilidade para praticá-lo mais do que fazer provas de Física, Biologia e Matemática. E embarquei para o Rio para uma temporada de testes nas Laranjeiras. Mas o BBB (Beto bom de bola) de Três Rios encontrou uma dúzia de bons de bola por lá. De Miracema, Campos, Nova Iguaçu, Muriaé, Teresópolis… Para não desembarcar de volta na rodoviária, um vexame adolescente que minha timidez certamente iria potencializar, estava disposto, como Fausto ao demônio Mefistófeles, a deixar levar meu corpo em troca de permanecer na casa tricolor e escapar de ser eliminado no paredão.
Começava a transição do futebol-arte para o futebol-força e os professores da Escola de Educação Física do Exército precisavam encontrar uma cobaia de corpo e alma para seus experimentos. E aceitei doá-lo às suas pranchetas assim que assinei meu primeiro contrato profissional.
Neste ano, 1972, Sebastião Araújo introduziu o futebol alemão nas Laranjeiras e começou a levar seus camundongos para dar seu máximo em 12 minutos percorridos em uma pista de atletismo. Era a chegada do Teste de Cooper. Dois anos depois, 1974, foi Carlos Alberto Parreira que inaugurou o regime Full time nos levando, após o treinamento da manhã, para as areias de Copacabana testarum Circuit Training novinho em folha. E coube a José Roberto Francalacci, em 1976, realizar com nosso grupo um Interval Training na primeira máquina Apolo montada na Gávea. Além de toda a semana melhorar meus tempos, e destruir posteriormente minha coluna, nos 5 km de subida das Paineiras e da Vista Chinesa. O preço? Titular da Máquina Tricolor 75, cobiçado e contratado pelo Flamengo ano seguinte como solução na ponta-esquerda, líder por quatro semanas da Bola de Prata na posição e pré-convocado, ao seu final, por Osvaldo Brandão. O técnico da Seleção Brasileira.
O tempo passou e veio a conta para pagar. Não tinha mesmo complexão física para suportar aquela carga que nos manteve por 17 temporadas em cena. E ele, corpo cedido na troca, que deixou, acreditem, Mário Sérgio no banco de reservas, começou a desabar. Os meniscos foram se esfacelando e retirados em quatro cirurgias. Dois tornozelos fraturados, que sorte ter apenas dois, perônio trincado, uma hérnia inguinal rompida, osso malar afundado. Quando o tempo esfria, meus ossos doem, quando esquenta, boto gelo nas dobradiças. E me vicei na prática diária de uma atividade física mesmo com todas as articulações comprometidas.
Às vésperas dos meus 6.5 acabo de percorrer de bicicleta, nesta manhã de domingo, 20 km entre Três Rios e Paraíba do Sul pela estrada da Barrinha. Talvez não pudesse, mas como todo dependente de uma dose de hormônio simpaticomimético (adrenalina) não consigo mais evitar a primeira pedalada. E caio na estrada. Portanto, meu corpo, me perdoe por abusar dos seus limites e sacrificá-lo em prol dos meus sonhos. E prometo daqui pra frente me dedicar as sessões de Pilates, uma benção de correção postural apresentada por minha filha, a Priscila, para amenizar as dores herdadas no pacto que o vendi ao preparo. E que Mefistófeles me poupe. E não me carregue.
0 comentários