por Marcelo Mendez
E então vamos ao relato futeboleiro dessa semana para falarmos do que houve no Estádio Bruno José Daniel em Santo André.
Nele, os times do Nacional e do Jardim Utinga disputavam a decisão da Copa Santo André de futebol de várzea da Cidade.
A crônica da vaca fria da resenha ludopédica, se seguisse os padrões viciados das redações das obviedades ululantes, falaria aqui de maneira absurdamente rasteira do 1×0 mínimo que deu o título da Copa para o time do Jardim Utinga.
Foi um jogo ruim, onde nada aconteceu, pouco foi criado até a feitura do gol e acabou. Oras…
Caro leitor eu lhe afirmo que é completamente impossível que haja na várzea um jogo onde nada acontece. Seja pelo viés que for, seja como em um filme de Samuel Fuller, ou, em um desbunde surrealístico de um Luis Bunuel, absolutamente tudo acontece em volta de uma final de futebol de várzea.
Encontrei Andris Bovo e sua barba milimetricamente aparada na beira do campo e começamos a conversar de amenidades quando observamos umas coisas estranhas na cancha de jogo.
Vimos que o campo estava recheado de cones de trânsito, e logo na subida das equipes ao gramado descobrimos o porque. Foi feita uma espécie de trilha por onde as equipes deveriam seguir. Ao som da música da Champions League, perfiladas as equipes, tal e qual uma coreografia de figurantes de filme do Cecil B. Mille, entraram para se posicionar em cima de um tapete vermelho e ali cantar o Hino Nacional e o Hino da Cidade de Santo André.
Cumprido o cerimonial, começou o jogo.
De cara o estranhamento…
Diferente dos terrões, dos morros duvidosos e buracos sazonais dos campos que tornam épica a várzea, dessa vez a final foi disputada em um gramado ótimo, como de fato está o campo do Bruno Daniel. Um tapete, onde a bola rola, onde o passe chega, onde o chute não tem desvio, onde o fôlego é necessário por demais. A cancha é enorme, bem maior que os sonhos poucos e que as curtas ilusões daqueles 22 abnegados que logo cansam de tanto correr naquela imensidão verde. O jogo fica lateral, não acontece as jogadas agudas, o tempo não passa, a paciência de quem assiste se esgota e então começo a ver as coisas em volta do jogo.
Percebi uma movimentação dos organizadores da peleja; Há algum problema com o troféu. A mocinha da secretaria traz a notícia com cara de susto. Nada demais. João, o bom funcionário da Liga de Santo André vai ao vestiário, de lá volta soberano e comenta conosco:
– Tudo resolvido! – de fato, o troféu chega intacto e imponente.
Enquanto isso no campo, o jogo caminhava para os pênaltis em um momento onde nada parecia acontecer. Mas eis que contra toda a obviedade que engessa o verbo, uma bola chega aos pés de Mosquito, atacante do Jardim Utinga. Ele a recebe na risca do meio campo e caminha resoluto em direção ao gol do Nacional. No caminho, ignora marcadores, dificuldades e outras táticas. Dribla quem vem pela frente, até chegar de frente com o goleiro. Com uma ginga de samba, balança o ombro, joga-o para um canto e mete a bola do outro lado.
Um gol! Mais do que isso:
A bola que balança a rede na várzea e muito mais que um gol. E uma desorientação de sentidos. Uma catarse, uma enxurrada de poesias e odes empiricamente épicas.
Título para o Jardim Utinga. Gol para o domingo. Um domingo novamente agraciado pelo que há de mais belo através da várzea.
O boa e velha várzea. Sempre…
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