por Zé Roberto Padilha
Se há algo que melhor traduz a insensibilidade da FERJ ao nos afastar do Campeonato Estadual, marcando muitos jogos fora do estado, esse algo é o alambrado. Entre o jogador e o torcedor, havia cumplicidade. Era o cara a cara. O VAR era o olhar, a manifestação da multidão por entre as brechas dos arames.
Muitas gerações tiveram o privilégio de ter o futebol como lazer e entretenimento. Assim como o cinema, o teatro e a missa, ir aos estádios fazia parte do cotidiano.
“Juiz ladrão!” Que psicóloga não adoraria que seus pacientes tivessem a chance de manifestar o “ódio do bem”, a ira espontânea, exteriorizada e cultuada às 15h de uma tarde? Para isso, tinham o seu divã ao ar livre, a bola rolando ao vivo, com o alambrado entre eles e a maior paixão: o futebol.
Para nos tornar previsíveis como os ingleses, jogar como os irlandeses, a FIFA igualou os estádios e nos privou dos arquibaldos e geraldinos. A TV Globo, com o objetivo de nos tornar insensíveis, levou nossos clássicos para Brasília. E nossos filhos, para não serem hábeis como os Ronaldinhos, perderam seus campos de pelada e passaram a jogar Real Madrid X Barcelona no Playstation.
Escrevo de Três Rios, cidade do interior que, como tantas outras, perdeu o seu América x Entrerriense. Mais do que uma doce rivalidade, as crianças tinham o direito de entrar nas escolinhas e sonharem em se tornar jogadores de futebol.
Para isso, precisavam calçar chuteiras, não empunhar um joystick. Precisavam correr, brincar e se tornar cidadãos saudáveis, que é o objetivo maior de todas as modalidades esportivas.
Meu pai jogou futebol, eu e meus irmãos jogamos futebol, mas aos meus filhos e netos foi imposto um alambrado em 4K, entre eles e o direito de exercer um dom tão belo que, em Três Rios, era a marca e o orgulho da nossa família.
Quando digo a eles como era a emoção de entrar no Maracanã para disputar um FlaxFlu, mesmo com a vocação herdada, eles nem sonham mais com isso. Se os estádios do Entrerriense e do América não recebem jogos há anos, se a liga que organiza os jogos está fechada, todos os meus netos preferem guardar suas mesadas para ir ao Rock in Rio assistir a um show do Coldplay.
E assim, na essência, no nascedouro, com o distanciamento e abandono das competições no interior, a FERJ vai continuar a ter seus cofres cheios. E o futebol brasileiro, por sua vez, testemunhará o vazio que permanece na sua alma. Esse vazio vinha todo do interior. Onde, hoje, os locais que revelaram Mané Garrincha, o nosso gênio das pernas tortas, estão abandonados.
Em Pau Grande, distrito de Magé, onde o futebol começou, como em todo o interior do estado, só é possível viver o esporte pela televisão. Até quando? E nossa imprensa esportiva, que se acovarda e não se manifesta mesmo assistindo às razões de sua profissão escorrerem entre seus dedos?
Mais um excelente texto ! Mais um ridículo gol contra, mais uma bola fora, chutada para longe