por Péris Ribeiro
Nascido em Belo Horizonte, há 75 anos, o cidadão Eduardo Gonçalves de Andrade deve ter lá, certamente, alguns bem guardados segredos. Tanto que procurou marcar as suas decisões, quase sempre, por uma elegante discrição. Deixando no ar – como negar? – um tentador ar de mistério.
Aliás, foi como Eduardo que fez-se médico, o que o levou a afastar-se do futebol por um bom par de anos. A ele só retornando, quando pôde voltar, enfim, a ser apenas o Tostão – apesar de passar a carregar, a partir de então, a incômoda fama de gênio transformado em mito. Certamente, um dos maiores da história da bola.
Mesmo assim, o mais incrível nessa história toda é que, foi como Tostão que desvaneceram-se alguns mistérios, talvez certos segredos, do enigmático personagem Eduardo. Tão somente porque, era lá no campo, que a gente tinha a sorte de presenciar o fulgurante talento de um gênio. Alguém capaz de enxergar como poucos uma defesa que se desguarnecia – e de surpreendê-la no ato.
Compondo uma dupla de sonhos com Dirceu Lopes, aquele garoto baixote, de pernas roliças, era realmente a típica cara daquele jovem Cruzeiro. Na verdade, a grande sensação dos tempos dourados do Mineirão. Um time vistoso e veloz, que prometia dar o que falar – e como deu! -, ali pela metade da década de 1960.
Com prazer, é sempre bom lembrar que foi esse Tostão ardiloso, e sempre atrevido, que tive o prazer de ver pela primeira vez, a acabar por inteiro com uma defesa. Justo a poucos metros de onde eu me encontrava. Explica-se: o Americano, campeão do velho Estado do Rio de Janeiro, fazia um bom papel na Taça Brasil/1966. E, como tal, cabia-lhe, naquela fase eliminatória, pegar o Cruzeiro, campeão de Minas, em dois jogos. O primeiro, logo em Campos, cidade do Norte Fluminense.
Com o Estádio Ary de Oliveira e Souza superlotado, tanto batalhei que acabei arrumando uma vaga em plena pista ao lado do campo. E foi dali que, boquiaberto, pude acompanhar a agonia do goleiro alvinegro Bocão, a um minuto de jogo. É que, ao percebê-lo adiantado, Tostão tentou encobri-lo lá do círculo do meio-de-campo mesmo. E Bocão, já inteiramente batido, só pôde torcer para que a bola descaísse sobre as suas redes. Não sem antes tirar uma farpa do travessão.
Pouco depois, ao tabelar com o campista Evaldo, eis que lá se vai o nosso Tostão, a pressentir que a zaga do Americano se descuidara da marcação. Então, em plena corrida, ainda dribla a dois adversários, sempre de cabeça erguida. E dá um nó descadeirante no zagueirão Zé Henrique, antes de colocar a bola com o pé esquerdo no fundo do gol. Mansamente…
Depois daquela vitória por 4 a 0, ainda veio uma nova goleada sobre o Americano, em Minas Gerias: 6 a 0. E, na decisão do torneio, duas retumbantes vitórias sobre o Santos de Pelé: 6 a 2 no Mineirão; e 3 a 2, de virada, no Pacaembu. O suficiente para que aquele jovem e surpreendente Cruzeiro, se consagrasse como o grande campeão da Taça Brasil / 1966. O que decretaria, dali em diante, o reinado de um baixinho discreto, porém onipresente. E que seria imortalizado, não muito tempo depois, como o “ Pé de Ouro de Minas” pelo narrador esportivo Waldir Amaral.
Por sinal, aquela histórica conquista de Tostão, Dirceu Lopes, Wilson Piazza e Cia, também significaria o ponto de partida para que, a cada tarde de domingo, o jovem time cruzeirense oferecesse verdadeiros recitais de bola em pleno Mineirão. Uma fase tão iluminada, que culminaria no recorde de 42 partidas invictas e no pentacampeonato estadual. Duas grandiosas façanhas daquele Cruzeiro espetacular. E que passariam a fazer parte, definitivamente, da própria lenda do futebol das Minas Gerais.
Quanto ao inacreditável Tostão, o que a sua genialidade iria lhe proporcionar seria a artilharia, por quatro anos consecutivos, do Campeonato Estadual. Mais o ambicionado status de principal destaque, naquele jovem time formado em 1965 no bairro do Barro Preto. O frenético Cruzeiro, Pentacampeão das Alterosas.
Porém, a glória mais festejada – além do título de campeão -, seria a de se ver apontado, por uma grande parte da crônica esportiva europeia, como o Maior Jogador da Copa de 1970, no México – aquela do Tri Mundial do Brasil.
Mesmo assim – quem sabe? –, apenas alguns meros detalhes, na filosofia de vida de um gênio surpreendente. Alguém capaz de enxergar o jogo, já em meados dos Anos 1960, de um jeito todo especial. E de, ali mesmo, enfatizar:
– Ora, o futebol é uma coisa simples. E a firula é só para ser usada como recurso essencial. Ou por jogadores superdotados, altamente habilidosos. No mais, basta ter um bom domínio de bola. E a percepção, a antevisão da jogada.
Simples, não?
Ótimo texto sobre o magistral jogador,médico e escritor Dr.EDUARDO,o craque de um toque só que desarrumava qqur defesa um legítimo touch-man,segundo um renomado técnico Inglês.
Lendo esta maravilhosa narrativa me parece que o Tostão hunto às outras “moedas” desse fantástico Cruzeiro, fornavam um time de doutores da bola.
Belíssimo texto, com sensibilidade e o requinte do Péris Ribeiro.
Parabéns pelo texto. Realmente, sensacional. Tostão só não foi maior por ser contemporâneo de uma fera maior ainda, o Rei Pelé. Mas foi grande, muito grande…e esquecido…