por André Felipe de Lima
O carioca Mário Sérgio Pontes de Paiva começou sua carreira no futebol em 1966, nos infantis do Flamengo. Em 1971, quando cursava o antigo curso científico, seguiu para Salvador, onde defenderia o Vitória. Permaneceu no clube até 1974. Foi Campeão Baiano de 1972 e conquistou duas vezes a Bola de Prata da revista Placar, sempre defendendo o Vitória, em 1973 e 1974. Formou o ataque mais famoso da história do clube: com Osni e André Catimba. É até hoje lembrado como o melhor ponta-esquerda da história do clube baiano.
No Internacional, foi o grande ponta canhoto do time tricampeão brasileiro, em 1979, comandado por Falcão, com os cobras coadjuvantes Batista(volante), Benitez (goleiro), Mauro Galvão (zagueiro), Jair (meia) e Valdomiro (ponta). Timaço campeão invicto do Brasil.
No São Paulo, Mário Sérgio foi o astro principal de um time de estrelas. Do gol ao ponta-esquerda, só havia cobra criada. Olhe só que escalação conquistou o bicampeonato paulista em 1981: Waldir Peres; Getulio, Oscar, Dario Pereira e Marinho Chagas; Almir, Renato e Everton; Paulo Cesar, Serginho e Mário Sérgio.
Dois anos depois, o Grêmio montou um time só de feras. Mário Sérgio estava nele, ao lado de Renato Gaúcho, Paulo Cézar Caju, Mazzaropi, Tarciso, Osvaldo, Baidek, Paulo Roberto, China e Hugo De León. A missão da “legião estrangeira” era fazer do Grêmio campeão mundial de clubes. O “Vesgo” e seus companheiros engoliram o alemão Hamburgo na final e trouxeram a taça para o Brasil. Era o “Vesgo” porque fazia o que quisesse com a bola nos pés sem precisar olhar para ela. Ou melhor: mirava um lado e dava o passe para o outro. Só vi três jogadores fazerem o mesmo e com a mesma precisão: Sócrates, Giovani (do Vasco) e Ronaldinho Gaúcho.
Mário Sérgio foi um jogador espetacular e imprevisível. Seu pavio era igual ao seu drible, ou seja, curtíssimo. Quando jogava no São Paulo, em 1981, o time perdeu de 1 a 0 para o São José, no campo do adversário. Na saída do estádio, a torcida local cercou o ônibus dos são-paulinos. Seria tragédia anunciada não fosse o Mário Sérgio, que sacou o seu revólver e disparou, pela janela do veículo, vários tiros para o alto. A moçada meteu o pé e deixou os tricolores irem embora. O craque reconheceu o erro publicamente e alegou que as balas eram de festim. Ninguém apareceu para dizer o contrário. No jogo de volta contra o São José, no Morumbi, o placar eletrônico anunciava “11, Mário Sérgio, o Reio do Gatilho”. A torcida enlouqueceu no estádio com apiada pronta. Nunca mais o jogador conseguiria se desvencilhar do apelido. O locutor Silvio Luiz, com quem Mário trabalharia na TV, comentando jogos, chamava-o carinhosamente de “Cisco Kid”. Mário Sérgio sempre levou as brincadeiras numa boa. Até certo ponto.
Bem antes do episódio no Tricolor Paulista, houve um no Fluminense, que mostrou a dimensão exata da personalidade forte do jogador. O ano era 1975. O Tricolor das Laranjeiras tinha uma verdadeira máquina, com jogadores espetaculares, destacando-se, claro, Rivellino. Mário acabara de ser contratado. A história a seguir só viria a público em 2015, contada pelo próprio Mário Sérgio, em entrevista ao canal Fox-Sports: “Fomos excursionar pela Europa. Na Alemanha, os jogadores resolveram fazer uma festa no hotel depois da partida, com mulheres, bebida e tudo mais. No outro dia, o presidente Francisco Horta deu um esporro em todo mundo, mas direcionou a maior parte das críticas em mim. Mas quem fez a merda toda no hotel, foi o Rivellino. Ele me chamou de moleque e tudo mais. Deitou e rolou. Fiquei com aquele negócio atravessado na garganta. Quando a excursão acabou, nós voltamos para o Rio e o campeonato estadual estava por um fio. Nós ficamos em uma situação de chegar e ganhar todos os jogos para ir à final. Se perdêssemos um ou empatássemos, estaríamos fora. Antes de entrar em campo, o presidente Francisco Horta, no vestiário, deu mais um esporro: ‘Cambada de moleque. Vamos ver se vocês conseguem apagar aquela imagem negativa lá da Alemanha’. Ele dava o esporro e sempre olhava para minha cara”.
Será que o Mário Sérgio deixaria isso barato? Ele mesmo narrou o desfecho: “Subimos para o campo, começamos perdendo por 1 a 0, eu peguei a bola e acabei com o jogo. Viramos por 3 a 1”. “O Francisco Horta, acompanhado do Carlos Eugênio Lopes, que era o auxiliar dele, e hoje é diretor jurídico da CBF, veio em minha direção com a mão esticada e disse: ‘Meu craque’. Quando ele chegou perto, agarrei a mão dele, puxei para baixo e enfie ele debaixo do chuveiro com roupa e tudo. O Carlos Eugênio Lopes falava: ‘Ele é o presidente’ e eu respondi: ‘Foda-se! Moleque é o caralho! Moleque é a puta que o pariu!’. Só voltei ao time porque existia um companheirismo que hoje em dia eu não vejo. O elenco exigiu a minha volta, mas não aliviaram nas piadas relacionadas à minha temporada com os juniores”.
No Fluminense, entre 1975 e 1976, Mário Sérgio conquistou duas vezes o Campeonato Carioca.
O jeito arredio do Mário Sérgio pode ter origem na infância. Ele nunca justificou dessa forma, mas disse abertamente, em uma entrevista no começo dos anos de 1980, que apanhava do pai até os 10 anos, quando o progenitor separou-se da mãe dele. “Ele me batia, me pegava forte com cinto. O diálogo do meu pai comigo era o da pancada. Aos 10 anos, ele abandonou minha mãe, que passou a trabalhar o dia inteiro, e fui criado por minha avó no bairro das Laranjeiras. Família pobre”. Mário, pelo menos até aquela entrevista, realizada em 1985, nunca mais vira o pai. Sobre si e o seu gênio intempestivo, definia assim: “Não sou o fino que satisfaz. Sou o pior que todos gostam,principalmente meus companheiros. Pergunte a eles”.
Que saudade do desbocado mais sensacional do futebol brasileiro. Que saudade do Mário Sérgio, um senhor craque de bola.
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