por Zé Roberto Padilha
Romerito toda hora vem do Paraguai tomar a sua dose. Tem sorte, os portões das Laranjeiras lhe estão abertos e seu nome está sempre entre os convidados de qualquer festa. Mas e os outros dezesseis que o ajudaram a conquistar o Campeonato Brasileiro de 1984, aonde vão buscar as suas?
Todo ex-atleta profissional é dependente de uma droga conhecida como afago. Há também seu genérico, o reconhecimento. Ao longo dos clássicos, vem em uma embalagem para viagem, já quando a partida é na Rua Bariri, em doses homeopáticas. Diferente das outras profissões racionais, em suas veias são injetadas, pela emoção, irreflexão, doses de idolatria ao longo da carreira. O grau de dependência que se manifesta quando a encerram depende do tempo, e da equipe, que defendam. Se jogam no Timão ou Flamengo, fu…danou-se.
Nenhum jogador de futebol pediu para ser ídolo de alguém, mas os gols vão acontecendo, títulos são alcançados, ganham uma faixa em meio a torcida, viram figurinha para o álbum da Panini e goles e mais doses de aplausos lhes são oferecidos. Quando marcam o gol da vitória, então, lhe estendem um papelote. E lhe pedem um autógrafo. Dai seguem anestesiados a cada rodada até o seu jogo de despedida.
No primeiro ano sem a bola nos pés e uma dose no ego poucos sentem. Ainda são reconhecidos, alguns viram treinadores, comentaristas, escrevem suas memórias, sobrevivem. Mas, com o tempo, a ausência do afago, a subida da rampa do Maracanã com aquela bandeira que vestiu passando na cara e nem ela lhe reconhece, sente o início da dependência. Algo começa a faltar no ar junto ao corpo e a alma.
Quando o Fluminense comemorou seus 115 anos, semana passada, e chamou o Gil e não convidou os que fizeram dele um Búfalo da seleção no lugar do touro que surgiu de Vila Nova, faltou o ar para seus companheiros. Subiu a pressão. Passou a ser caso de internação. Sem outra qualificação, pois entendiam ser a profissão de jogador de futebol orgulho do seu país, descobriram quando pararam que a própria previdência lhe negou a insalubridade, mesmo com as chuteiras passado a centímetros de suas cabeças. E precisaram se reinventar na sociedade, sem qualquer preparo ou estudo, para completar o tempo de serviço para alcançar a aposentadoria.
Mais fácil, então, entrar no primeiro botequim. Com um retratinho no bolso do seu time para ser reconhecido, tentar provar que foi importante um dia na vida de algum tricolor. E pedir uma cerveja, uma dose de licor para não lembrar que foi esquecido. Muitos não se chamam Romerito, são brasileiros comuns que se tornaram dependentes esportivos carentes de afago. E de doses profundas de reconhecimento. Na verdade, são todos ex. Para sempre.
*Qualquer semelhança com o autor não terá sido mera coincidência.
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