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SÓCRATES EM NATAL

23 / maio / 2023

por Rubens Lemos

O Doutor Sócrates, verbete de inteligência no futebol, jogou apenas uma vez em Natal e encantou a plateia irrisória para o seu toque de enxadrista da bola. Apenas 8.335 pessoas foram ao Estádio Castelão ver o Botafogo de Ribeirão Preto (SP), primeiro clube do gênio vencer o América por 3×1 na abertura da segunda fase do Campeonato Brasileiro de 1976. O time paulista era muito melhor que o adversário do ABC pela Série B.

O futebol de Sócrates e a sua postura de gazela em campo e contestadora fora, começavam a tomar as manchetes dos principais veículos de comunicação.

Sócrates, aos 22 anos, usava a camisa 8 e cursava Medicina, algo raro e, para alguns, excêntrico, no meio da boleirada imediatista e gastadora dos cruzeiros parcos em comparação aos euros atuais pagos a gente sem criatividade sequer distante.

O São Paulo já anunciava interesse no gigante prodígio que acabaria sendo o maior talento do Corinthians ao lado de Rivelino. Sócrates seria o cérebro da decantada seleção do técnico Telê Santana, que jogou em Natal em janeiro de 1982 contra a Alemanha Oriental(Brasil 3×1) sem ele, machucado.

O mísero público naquele domingo, 10 de outubro de 1976, conseguiria, sem adivinhar, a primazia da contemplação de um futebol de antevisão de jogadas no meio-campo, de lançamentos e dribles curtos e o uso habitual do calcanhar como instrumento de superação do marcador.

O habilidoso e polêmico volante Juca Show ficou encarregado de marcar Sócrates e saiu de campo sem poder contar a sucessão de fintas levadas e o espanto diante da eficiência do adversário ao jogar de costas e, ainda assim, deixar os companheiros na cara do goleiro Otávio.

O América do técnico Sebastião Leônidas fazia boa campanha e venceria a Máquina Tricolor do Fluminense, bicampeão carioca, com Paulo César Caju e outros ídolos(menos Rivelino), por 2×1 num dos principais resultados de seus quase 108 anos de história.

Sócrates estudava e (pouco) treinava em 1976. Não precisava. Chegava para jogar com o fardamento de acadêmico, trocava de roupa no vestiário e empolgava multidões. Em Natal, sorridente, deu entrevista dentro do ônibus(foto), que levaria o time ao estádio.

Suas declarações revelavam ceticismo em relação ao futuro e desenhavam o perfil do homem que fazia de um jogo profissional, diversão e exercício de inteligência superior.

Artilheiro do Paulistão com 15 gols, Sócrates afirmava aos repórteres natalenses de rádio e jornal: “É um pouco difícil exercer as duas atividades(futebol e medicina). Mas os diretores do meu clube estão sendo bastante compreensivos e me dão as condições necessárias para que eu possa jogar futebol sem precisar interromper os meus estudos.”

Em 1976, o meio-campo da seleção treinada pelo lendário Oswaldo Brandão tinha de titulares Falcão, Rivelino e Zico, intocáveis segundo o treinador, quando questionado sobre Sócrates. Paternalista e, por vezes, grosseiro, Brandão afirmava que Sócrates deveria provar seu brilho num clube grande. “ O Botafogo não tem tanta expressão assim.”

Enquanto a delegação se juntava para deixar o Hotel dos Reis Magos rumo ao Castelão, Sócrates fazia uma profecia que os deuses da bola, felizmente, trataram de demolir. “Quero continuar jogando futebol, mas isso, é claro, vai depender da possibilidade de conciliar o esporte com a Medicina.”

Sócrates conduziu a partida contra o América com a soberania ainda imberbe. Fez lançamentos longos para os pontas Zé Mário(falecido precocemente de leucemia em 1977) e João Carlos Motoca, atuando bem abertos. No primeiro gol do Botafogo, Sócrates vislumbrou Zé Mário que recebeu com açúcar e afeto. Matou Otávio em leve toque.

No 2×0, Sócrates achou livre o lateral-esquerdo Mineiro, que ganhou de Olímpio, cruzou e João Carlos Motoca conferiu, sem chances para Otávio. Novamente Zé Mário, promessa que chegou a ser convocada para a seleção no ano de sua morte, foi presentado com a visão de jogo de Sócrates. Driblou o zagueiro Odélio e tocou sem chances para Otávio. O América diminuiu em gol contra de Jair.

Sócrates seria vendido ao Corinthians em 1978. Campeão Paulista em 1979/82/83, titular do escrete nacional de 1979 até 1986, parou de jogar no Flamengo em 1987, atuando em breve tempo de jaleco de médico. O alcoolismo já dominava o mito. Sócrates morreu em 2011, aos 57 anos.

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1 Comentário

  1. Tadeu cunha

    Sócrates, filósofo na Grécia e ícone de nosso futebol,muito inteligente e dono de uma ética irreparável.

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