por André Felipe de Lima
O repórter José Maria de Aquino sempre soube das coisas. Em dezembro de 1974, o grande mestre do jornalismo esportivo escreveu sobre quem disputaria a vaga de centroavante deixada por Mirandinha, que sofrera contusão gravíssima no mês anterior. Especulou quatro nomes: Picolé, Terto, Silva e a jovem promessa Serginho, o nome que mais agradava o técnico Poy, goleirão que fez história no Tricolor paulista campeão de 1957. Foi Poy quem lançou o rapaz no time de cima. Serginho não estranhou tanto. Embora atuando mais como ponta-esquerda no time juvenil, sentiu-se à vontade no meio do ataque. Humilde, Serginho reconhecia suas limitações, mas sempre se mostrou altivo — o que ao longo da carreira confundiam com arrogância. Mesmo assim, Serginho, convenhamos, sempre foi pavio curto. Aquino ouviu o rapaz:
“Sou mais lento, mas sei jogar perto da área, tenho bom domínio de bola, gosto de limpar o lance, chuto forte e prefiro só tentar o gol quando sinto a chance concreta de fazê-lo. Espero que passem bolas curtas e não na corrida. Bola no pé e não na frente, Façam isso e deixem o resto com o Serginho aqui. Só vou lamentar, como já estou, que minha chance tenha surgido dessa maneira, com o Mirandinha machucado. Mas vou aproveitá-la porque sei que ele vai estar torcendo por mim.”
O menino tornou-se homem e artilheiro. Um dos mais singulares do São Paulo em todos os tempos. Brilhou também no Santos e contou, nos dois clubes, com os melhores garçons que poderia ter para seus infindáveis gols. No Tricolor, creio que Renato (ídolo também do Guarani) tenha sido o melhor deles; no Santos teve dois excepcionais passadores de bola: Paulo Isidoro e depois Pita. Mas como esquecer-se do Serginho da seleção brasileira de 1982? Com Reinaldo e Careca fora do escrete de Telê Santana, que, por sua vez, não era muito fã de Roberto Dinamite, Serginho foi o titular na Copa do Mundo realizada na Espanha. Não brilhou naquele time que contava com gênios da estirpe de Junior, Leandro, Falcão, Sócrates e Zico. Inclusive perdeu gols incríveis e até se indispôs com Zico em um lance capital no jogo contra os italianos. Partida, aliás, em que marcou um de seus três gols naquele Mundial. Os outros foram contra Nova Zelândia e Argentina. Mas não há como negar que Serginho foi marcante no futebol brasileiro. “Não sou craque. Sou um goleador. Os gols que marco não são bonitos nem feios. Podem ser até importantes e decisivos. Para mim são apenas gols”, respondia aos críticos de plantão.
Foi grande goleador, mas também enfrentou a fama de rebelde e indisciplinado em várias ocasiões, como aquela em que chutou, sem dó, a canela de um bandeirinha. E tome “gancho”. Chulapa jamais receberia um prêmio Belfort Duarte. Mas há um Serginho que pouca gente conhece: o altruísta. Certa vez ele acolheu um jovem conhecido como Bimbão. Praticamente o adotou e fez dele seu secretário.
Serginho sempre deixou confusos jornalistas e torcedores com o seu estilo bateu-levou que se misturava ao do cara gente fina, de coração ilimitado e de alteridade fora da curva. Ajudava sempre os meninos pobres das divisões de base dos clubes que defendia. Separa uma parte do “bicho” que recebia após os jogos e a doava aos garotos. Uma vez, um menino o abordou em um restaurante e pediu uns trocados para comer. Serginho o convidou para que se sentasse à mesa com ele, mas o gerente vetou a entrada do pedinte no estabelecimento. Serginho teve apenas uma reação: levantou-se e, surpreendentemente, saiu do restaurante e ingressou em outro com o menino.
Esse é o Serginho, um paulistano do bairro Casa Verde. Hoje ele faz anos. Nasceu em 1953.
As notórias desavenças e brigas em campo representam, em números, pouco quando comparadas às vezes em que balançou as redes. Só no São Paulo, que defendeu de 1973 a 1983, foram 243, em 401 jogos, com 210 vitórias e 113 empates. Marca que o faz o maior goleador da história do Tricolor. Deixou o Tricolor apenas em 1973, quando foi emprestado por alguns meses ao Marília. Retornou e ajudou o São Paulo a ser campeão paulista em 1975, 80 e 81 e brasileiro em 1977. Ano, aliás, em que ficou suspenso por quatorze meses por chutar a canela do tal bandeirinha. O resultado da destemperança foi ficar fora da lista dos convocados para a Copa do Mundo de 1978, na Argentina.
Em 1983, Serginho chegou ao Santos sob críticas contundentes de cartolas da oposição que preferiam o jovem Careca a ele. Na Vila, o comportamento continuou o mesmo: polêmico e cheio de gols dentro de campo, generoso e doce fora dele. Logo no primeiro ano, Serginho fez 21 gols com a camisa do Peixe no Brasileiro, uma marca ainda não superada por nenhum jogador do time da Vila Belmiro. Qual santista hoje na faixa dos 50 anos não se recorda do gol de Serginho na final do Paulistão de 1984, que pôs fim ao sonho dos corintianos de serem tricampeões? “Tiramos o tricampeonato do Corinthians e, pelo sabor especial, assim que cheguei no vestiário tomei mais da metade de uma garrafa de uísque. Fiquei até mal de tanto que bebi.”
Gols, títulos e sopapos. Foi assim a trajetória de Serginho no Santos. A decisão do campeonato brasileiro de 1983 entre Flamengo e Santos, no Maracanã, é emblemática. Possesso, o centroavante partiu para cima de um fotógrafo. Chulapa foi condenado a três anos de prisão, mas cumpriu dois em liberdade. Dessa, ele não escapou e teve a imagem desgastada no Santos, que negociou o passe do jogador em 1985 com o Corinthians. Pelo clube da Vila Belmiro, é o maior artilheiro da era pós-Pelé, com 104 gols. Já pelo Timão, disputou 38 jogos, venceu 15, empatou 14 e marcou 14 gols. Ao deixar o Parque São Jorge para regressar ao querido Santos, disse ironicamente: “Estou de volta, depois de um ano de férias no Corinthians.”
E o craque realmente não era muito afeito ao Parque São Jorge. Desde a época em que defendeu o São Paulo. Aliás, no clássico entre os dois times, Serginho é o segundo maior goleador, com 15 gols. Só perde para Teleco, atacante do Timão, que marcou 25 entre os anos de 1930 e de 40. Mas contra o Santos, apesar da “paixão” pública pelo clube praiano, Serginho, nos tempos de Tricolor, balançou a rede 21 vezes, só perde para Pelé, que marcou 31 gols contra o time do Morumbi no clássico “SanSão”. Também contra o Santos, nos dois jogos — da final do campeonato paulista de 1980 — ambos terminaram 1 a 0 para o Tricolor —, Serginho fez dois gols. São Paulo, Santos, Corinthians e… Santos, novamente. A segunda incursão foi, contudo, breve. Seguiu para o Marítimo, de Portugal. O clube da Vila Belmiro o repatriou em 1988. Não demorou muito, reiniciou a peregrinação comum de jogadores em fim de carreira. Passou pelo Atlético de Sorocaba [1989], Santos, novamente [1990], Portuguesa Santista [1991] e São Caetano [até 1993], clube no qual encerrou a carreira.
Terminada a carreira de jogador, o irascível Serginho tentou a sorte como treinador. E mais confusão no currículo. Bastou uma pergunta de um repórter para tirá-lo do sério. Acertou uma cabeçada no rapaz e disse na época um “ponderado” Serginho: “Tenho momentos de explosão, mas quem não os tem? Fui profissional, trabalhador e nunca me preocupei com esse negócio de imagem”. Em outra ocasião, deixou o banco de reservas e partiu para cima de Zé Teodoro, que havia feito uma falta violenta em Sérgio Manoel. Um quiproquó monumental que lhe rendeu mais uma suspensão no seu currículo. 120 dias de gancho. Treinador no Guarani, Serginho se desentendeu com o cartola bugrino José Giardini e chutou-lhe a parte que todo o jogador protege quando está em uma barreira diante de um cobrador de faltas.
Mas a trajetória de Chulapa foi feita, sobretudo, de gols. E foram 482, como apontam dados da revista Placar. Além dos 243 pelo São Paulo e dos 104 pelo Santos, Serginho marcou 42 com a Portuguesa Santista; 20, com o Marília; 37, no São Caetano; 14, no Corinthians; nove pela seleção brasileira; nove pelo Marítimo; dois com o Atlético Sorocaba, em 1993 e dois pelo Jabaquara, em 1994.
Serginho entrou para a história do futebol brasileiro. Queiram ou não.
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