por André Felipe de Lima
“Se perdemos somente de três, ficaremos satisfeitos”, disse o icônico capitão da Celeste Olímpica Obdulio Varela dirigindo-se ao genioso camisa dez uruguaio Juan Schiaffino. Os dois sempre se estranharam dentro de campo, tanto nos jogos do Peñarol quanto nos da seleção do Uruguai. Dizem que Obdulio, sem paciência com os chiliques do Schiaffino, teria emendado a seguinte frase, machista, sem dúvida: “Toma una mujer!”, cuja tradução literal resume-se em “Vá para as mulheres!”. Sim, “El capitán”, todos sabem, era duro na queda e a delicadeza não era, definitivamente, seu forte. Com seus gritos de fazer tremer a muralha da China, ele calou um país inteiro ao berrar incessantemente no gramado do Maracanã naquele dia 16 de julho de 1950, o mais triste da história do nosso futebol. Defino-o como o “mais triste” porque tínhamos um dos melhores escretes nacionais em todos os tempos ao contrário daquele que entubou um imperdoável 7 a 1, em 2014. Ali, como bem define meu amigo Mário Moreira, não foi “tragédia”, foi “vergonha”. No Maracanã de 1950, houve, sim, uma tragédia. Obdulio e Schiaffino pareciam em armistício. Falavam a mesma e precisa língua charrua enquanto nós empinávamos o nariz e, soberbos, afogávamos em nossa turva água do destino.
Quando recordamos aquela final da Copa do Mundo de 50, logo nos vem à mente as imagens (repito incansavelmente) icônicas do Obdulio recebendo a taça Jules Rimet das mãos do próprio e incrédulo Rimet e o gol do Ghiggia, o segundo e derradeiro do jogo. Barbosa, Bigode e Juvenal (coitados) entraram para a história como “vilões”. Uma rotunda injustiça. Obdulio e Ghiggia tornaram-se imortais perante o povo uruguaio e na história do futebol. Mas Schiaffino foi maior que seus dois colegas de time. Ouso afirmar isso porque, além do gol que fez no “maracanazo”, o primeiro dos uruguaios, “El Pepe”, como era carinhosamente chamado, foi o termômetro da Celeste em toda a competição. O cérebro. O maestro. O mágico. O estilo de Schiaffino era inconfundível. Elegante com a pelota, Pepe fazia dela sua amante bem amada. Jamais a maltratou. Isso, nunca. Ouso também afirmar que se Schiaffino não estivesse naquela Copa, o Brasil não a perderia. Foi ele o nosso maior algoz. Se Obdulio pôde gritar naquela tarde e Ghiggia partir como um azougue rumo à meta do Barbosa, isso só foi possível porque eles tinham Juan Alberto Schiaffino, o “Juan del Maracaná”.
Ah, ia esquecendo e quase encerro a crônica sem contar que, dois meses após o “maracanazo”, o notório Silveirinha, cartola histórico do Rio, por muito pouco não levou Schiaffino, que operara o menisco após a final da Copa, para jogar com Zizinho no Bangu. O Peñarol botou preço. Queria 200 mil pesos-ouro equivalentes a um milhão, quinhentos e seis cruzeiros da época. Mas não deu para o Silveirinha e Schiaffino voou para outros ares. Na Itália, tornou-se ídolo do Milan e “italiano” de carteirinha, fato que os uruguaios, que passaram a chamá-lo de “Deus do futebol” após o “maracanazzo”, nunca engoliram. O fato é que Schiaffino nasceu para acabar com o nosso sonho, ou, pelo menos, retardá-lo. No final das contas, a dor transformou-se em alegria e a Jules Rimet foi parar na rua da Alfândega, onde deveria repousar para sempre em nosso solo, mas foi, ali mesmo, surrupiada, eis a dialética da nossa tragédia. Aquela taça, repetem até hoje os uruguaios, jamais deveria ser nossa, e o “Juan del Maracaná”, que faria 95 anos no próximo dia 28 de julho, como se tramasse um complô com o destino, parecia ser o único a ter essa certeza.
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