por Marcelo Mendez
O dia 10 de janeiro de 1981 era quente na Rua Tanger.
Todas as luzes do mundo clarearam a manhã do Parque Novo Oratório e a periferia de Santo André estava em festa.
Em meio aos “bons dias” trocados, o vai e vem dos carrinhos de feira que subiam rumo à Rua Fenícia onde ficava a feira livre de domingo, lá íamos minha mãe e eu puxando nosso carrinho. Enquanto a mãe ia falando com as pessoas que também iam para o mesmo lugar, na frente eu fazia peripécias com o carrinho. Assim como o Luciano, que também fazia o mesmo. O encontrei na ladeira da Rua Germânia:
– É hoje a final, hein, Marcelo??
– Sim! Contra o Uruguai lá na casa deles. Mas acho que dá pra ganhar…
– Dá, sim. Mas eles têm mó timão…
– Bons jogadores…
– Krasoswski, Venancio Ramos, Morales, De Leon, Rodolfo Rodriguez no gol, o tal de Vitorino que até dormindo mete gol. Fora aquele 10 lá, Marcelo, como chama?
…
O nome da classe é Rubén Paz
Naquele dia, ao invés de ter apenas nós, os moleques da Rua Tanger, na casa do Tocão, havia também os nossos pais, vizinhos, os parentes do Tocão.
Seu Renato, pai dele, fez um churrasco, chamou todo mundo e a festa era grande.
Ao longo do dia, comentários dos adultos, das rádios que estavam em Montevidéu, flashes da TV, iam nos dando a exata dimensão da grandeza que estava envolvida numa decisão entre Brasil x Uruguai no Estádio Centenário.
Fazia 30 anos que eles haviam nos vencido no Maracanã no fatídico Mundial de 1950 e no banco deles, como técnico, uma lenda: Roque Maspoli, o goleiro. Mas quando o jogo começou não era para o banco que olhávamos, assim como o pensamento também estava longe de 1950.
– Porra, mas como joga esse tal de Rubén Paz! – exclamou seu Renato.
Sim…
Rubén Paz era o camisa 10 do Uruguai. Vendo-o jogar, descobri que era mais um de quem jamais torceria contra.
Pela cancha do Centenário, Paz não andava, nem corria; Desfilava. Craque de bola, não pisava o mesmo chão que os outros tantos mortais que ali estavam. Seu olhar tinha uma altivez imperial, seus passes tinham a imponência de quem distribui sonetos ao invés de bolas. Nosso time que não era ruim, não conseguia jamais pará-lo. E aos 11 anos, comecei a entender que o futebol cria seus semi deuses, suas lendas e que elas são inatingíveis, por charme, sonho e necessidade de se perpetuar como poesia.
E a lenda criou a jogada para o primeiro gol de Barrios, para o Uruguai. Porém o placar não ficou assim por muito tempo. De pênalti, Sócrates empatou. Depois disso, vem o outro ensinamento do futebol…
Camisa 9 não faz bolinha; Mete gol
O bom time do Uruguai tinha como base o Nacional, campeão da Libertadores de 1980.
Foi via a tela da TV Record, que vimos a final do campeonato, em que os uruguaios venceram o forte Internacional do Falcão e do Batista nas duas partidas da decisão. Nela apareceu um centroavante baixinho, rápido feito uma flecha, que como o Luciano falou, até dormindo fazia gol…
– Tem que tomar cuidado com esse Vitorino! – recomendou meu Pai.
– Não tá jogando nada, Mauro! – respondeu seu Renato.
– Ele é centroavante. Centroavante não precisa jogar bem, precisa fazer gol!
E como tal, aos 35 do segundo tempo, Waldemar Vitorino, pequeno, rápido e esperto, apareceu no meio da pequena área do Brasil para abaixar e cabecear a bola para o fundo do gol. Era o 2×1 que acabaria por ser o resultado final.
Na festa, meu Pai e seu Renato não ficaram tristes, pelo contrário; Vibravam, porque segundo eles, o povo uruguaio fez um coro lá gritando que “Se vai acabar, a ditadura militar”
Aos 11 anos, eu já sabia do que falavam, mas o que me chamou atenção foi ver o Brasil perder uma decisão, a primeira da minha geração. Ainda assim, seguíamos firmes na torcida.
O caminho de 1982 ia se pavimentando…
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