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ROMÁRIO, ANJO 11

19 / agosto / 2020

por Rubens Lemos


É passar em frente ao prédio e a angústia é instantânea. Volta como em reprise a agonia das caminhadas noturnas na calçada do Hospital Infantil Varela Santiago em Natal.

Chorava na rua para não assistir ao meu filho, Caio, com um ano e um mês de idade, ser picado por agulhas, amarrado ao berço em intenso tratamento contra uma pneumonia surgida do nada.

Dormíamos no pequeno apartamento do hospital. Ele teve que ser amarrado porque não aguentava de impaciência. E se doía nele, mais ainda em mim. Pai sofre em dose tripla.

Caio já demonstrava a valentia sertaneja lá do Oeste potiguar. Soluçava baixinho. Quase 20 dias de tormenta. Quando o libertaram do soro, Caio quase voou do berço e foi pouco para os milhares de abraços chorões.

No esporte, golpe traiçoeiro. O moleque Denner, que eu tenho certeza faria história bem mais que os Neymares e Robinhos, morria enforcado pelo cinto de segurança do seu carro nas imediações da Lagoa Rodrigo de Freitas.

Denner, do Vasco, achava o drible mais belo que o gol. Demais eu chorei por Denner. Desabafar também é arma de pobre. Lembro que usei uma tarjinha preta na camisa para ir trabalhar, igual ao luto estampado nos homens interioranos.

Confesso que não me integrei à comoção pela morte de Ayrton Senna. Se vivo fosse, duvido que Schumacher ganhasse tanto depois. O problema, como nos sonhos delirantes, é um pequenino se.

Caio já estava robusto e nós, felizes em nossa vida simples e assim boa além da conta. Tínhamos o suficiente e ninguém ligava pra gente, o que era melhor, o melhor da história.

Veio a Copa do Mundo. E eu com 100% de fé naquele que jamais me decepcionou em minhas preces: Romário. Gostava mais de Romário do que da própria seleção. Ele levava sem saber a revolta que eu precisava extravasar. Eu tinha de ganhar alguma coisa. Ele correspondeu.

O jogo contra a Holanda pôs meu pulmão de tísico à prova. Na falta cobrada por Branco, a que decidiu a partida (3×2), berrei como um Pavarotti com 50 quilos. Caio assustou-se e chorou o que não pudera quando em seu leito de hospital.

Contra a Suécia, na semifinal, o goleiro deles era chato, Ravelli, que ficava zombando a cada chute pra fora de Mazinho, Bebeto, Zinho, até Mauro Silva arriscou de longe. Aí, Romário subiu como senador romano à tribuna, mandando a empáfia do goleiro direto pra Estocolmo.

Contra a Itália, nos pênaltis, petrificado  fiquei quando Baggio mandou a bola pelos ares. E, sem o vozeirão de Cauby, gritei, gritei até ter dó da garganta. Editava o Bom Dia RN na afiliada Globo em Natal.  Encerrei o telejornal com um clip com a música Brasileirinho na voz de Baby Consuelo. Aquele era o hino. De todos os nós desatados.

Fez 26 anos dia 18 de julho. O amigo piedoso me confessa até hoje ter dó do pobre Baggio e a sua solidão após o fracasso e a nossa vitória. E fica indignado quando digo que ele fuck! Ele esquece da tragédia de Zico em 1986.

Feliz 1994. Caio hoje, 27 anos, casado , é torcedor de Copa do Mundo. Nada é perfeito. E acha exagero quando digo que Romário foi tudo. Ele alcançou os meus milagres. Consumou minhas vinganças.

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