por Hélio Alcântara
Eu gostava de ver Roberto com o uniforme branco do Vasco, em que uma faixa preta descia em diagonal do ombro até a cintura e uma cruz de malta vermelha iluminava o peito dos jogadores.
Quando o via enfrentar o Flamengo de Geraldo, Zico, Doval e depois Luizinho, na segunda metade dos anos 70, me sentia em casa nas arquibancadas do Maracanã.
Aliás, o Maraca também era meu e de milhões de outras pessoas que se vestiam de rubro-negro, de alvinegro, de tricolor e, às vezes, de apenas vermelho – hoje, o templo do futebol mundial está morto.
Roberto era o centroavante que resumia vários outros, concentrando quase todas as qualidades: alto, forte, técnico, veloz e dono de um chute potente e certeiro. Nos arremates, ele visava sempre os cantos: às vezes rasteiro, às vezes lá no alto, na forquilha, onde nenhum goleiro consegue pegar. Sua jogada mortal era vir da esquerda e entrar em diagonal, até desferir o golpe de pé direito da risca da grande área.
Eu sempre fui Flamengo por causa de minha mãe, paraibana crescida em Campina Grande que torcia pelo Treze F.C. e pelo Flamengo – ironicamente, do rubro-negro de Campina (Campinense) ela não gostava, dizia ser time de “gente metida”, nariz em pé. Mas o Flamengo ela adorava, dizia que era o único time que “prestava” e logo escancarava uma gargalhada, como se querendo ratificar um argumento incontestável.
Naqueles anos em que se formava a base do Flamengo campeão mundial, nós, rubro-negros, íamos ao Maracanã para ver os garotos que haviam subido para o profissional. O time cometia erros de juvenis, mas quando partia para o ataque era uma alegria infantil, quase sempre transformada em gol.
Do outro lado, Roberto era um igual, só que com a camisa do Vasco. Eu vivia um misto de encantamento e temor ao vê-lo arrancar em direção à área do Flamengo. Torcia por ele, pela alegria dele, por ver aquele sorriso maravilhoso estampado no rosto bonito, mas não queria sofrer a tristeza de uma derrota. E Roberto foi responsável por algumas perdas doídas do Rubro-Negro.
Pra mim, uma das mais dolorosas foi a decisão da Taça Guanabara, em junho de 76, quando eu era um dos 134 mil torcedores presentes no Maracanã.
Estávamos confiantes e felizes, pois tínhamos Jaime, Rondinelli, Júnior, Geraldo, Zico e Luizinho. O Vasco tinha Abel, Zanata, Zé Mário. E, acima de tudo, tinha Roberto.
Começou o jogo, Roberto sofreu pênalti. Olhou para Cantarelli, caminhou confiante e chutou forte, rasteiro, no canto – depois correu de braços abertos para ser acolhido pela imensa torcida vascaína. O Flamengo se equilibrou em campo, mas só conseguiu empatar na metade do 2º tempo, com o maravilhoso Geraldo – que não teve tempo de encantar o mundo.
O belíssimo gol de Geraldo nos enlouqueceu, mas depois disso nem Flamengo nem Vasco marcaram, e o jogo foi para a prorrogação. A partir daí o silêncio se impôs. Antes abraçados e confiantes (nosso time era jovem, técnico e veloz), ficamos apreensivos – então nos soltamos uns dos outros, individualizados na antevisão da dor.
O título, que em algum momento pareceu garantido, fora reivindicado por aquele que também o merecia. O Vasco tornou-se mais perigoso, e Roberto foi a tradução fiel dessa ameaça. A prorrogação terminou sem que ninguém marcasse e, depois, nos pênaltis, o centroavante brilhou de novo.
Quando Zico e Geraldo, nossos maiores craques, perderam os dois pênaltis, entendi que o Vasco seria campeão.
Deixei o Maracanã abatido com a perda da Taça Guanabara. Fui embora triste, embora soubesse e admitisse, lá no fundo, que Roberto também merecia o título. Ele havia sido muito mais convincente, parecia querer ser campeão mais do que todos os outros.
Várias vezes em minha adolescência desejei que Roberto jogasse pelo Flamengo, ao lado de Zico. Tempos depois compreendi que se isso acontecesse eu não teria visto nem Doval nem Luizinho nem o deslumbrante Cláudio Adão com a camisa do Mengão. E, além de tudo, não teria vivido toda aquela beleza que durou de 76 a 81, quando caminhava livremente e feliz pelas madrugadas da cidade mais linda do planeta Terra, ventando minha camisa rubro-negra suada, sem nenhuma marca, a não ser o número e o CRF bordado do meu Flamengo.
Roberto provocou dores em minha adolescência e primeira juventude. Mas também me ofereceu a compreensão de que viver o futebol significava muito mais do que ganhar, perder, chorar, sorrir. E mostrou que a beleza da vida estava justamente nessa festa de matizes, sentimentos e cores que nos alimentam até o final dos nossos dias e noites.
Na quarta passada, quando ele nos atendia para o projeto “Ponte Aérea F.C.” (série documental sobre os confrontos Rio-São Paulo) e respondia a uma pergunta sobre a infância doída dele, eu o vi chorar por dentro. E, na sequência, ao afirmar que só tinha de agradecer ao Vasco e ao futebol por tudo o que conseguira ao longo da vida, o vi novamente de braços levantados no ar, correndo na direção de “geraldinos” e “arquibaldos”, como se um não existisse sem a alegria do outro.
Meu peito se encheu de amor por ele e quis abraçá-lo, mas me contive – afinal, esse sentimento é só meu, só dele e de todos os Flamengo x Vasco de que participou.
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