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RIVA, 75

2 / fevereiro / 2021

por Rubens Lemos


O menino, teimoso, tapeava o pai, siciliano sangue quente e orgulho disfarçado. Banco para ele, nem o da escola. O curso natural da vida era a bola jogada com os amigos humilhados por dribles homéricos e indecentes.

– Sai da rua, Roberto! – berrava seu Nicola.

Roberto, Rivellino com dois éles abreviados pelo tempo e a fama, desafiava o cinto grosso de couro e a autoridade paterna enfileirando colegas e desafiantes de quadras de rua. Um gênio genioso no pé esquerdo.

Referência dos meus primeiros exemplares da Revista Placar, Rivelino (nome literal artístico), mandava no futebol brasileiro depois de Pelé e antes da afirmação de Zico.

No entreato de 1971 a 1978, viuvez de Pelé, Rivelino carregou nas costas sinalizadas pela camisa 10, as esperanças e devaneios do torcedor romântico, fanático e bêbado de tanta elasticidade canhota. Rivelino enganava seus inúteis perseguidores com uma goma de mascar escondida em algum detalhe da chuteira.

Corria 1975. Vivíamos num apartamento alugado de esquina na avenida Hermes da Fonseca, em frente ao Quartel do Exército. O pai, vascaíno fanático pelo timaço de Walter Marciano e Vavá de 1956, gozava seu segundo ano de liberdade. Fora destroçado fisicamente pela tortura, desprezado por amigos e parentes medrosos e colaboracionistas da tirania.

Levavam meu pai até a delegacia para “averiguações”, humilhavam-no e o soltavam com risadinhas cínicas. Tenho menos ódio dos orangotangos do passado do que dos beócitos do presente, nulidades que pedem ditadura sem colhão para tomar um cascudo. Numa dessas perseguições, perdeu a hora do jogo no Castelão (Machadão) e voltou para o pequeno apartamento aos impropérios.

Chegou a tempo de ligar o televisor, tomar uma dose de Cachaça Caranguejo e sintonizar a TV Universitária. Brincávamos, eu e minha irmã, minha mãe, católica, apostólica e americana contra a maioria, rezava seu terço. Ouvimos o berro:

– Filho da puta!

Não era delator ou espancador o alvo. Papai xingava o dedicado volante Alcir, do Vasco, paralisado pelo drible dos mais debochados de todos os tempos do Ex-Maracanã. Rivelino, bola colada à pata boa, produzira um efeito especial.

A bola foi e voltou em centímetros latifúndiários sem sair do seu domínio. Parado estava, parado Alcir ficou. Levou uma caneta, Rivelino passou no meio dos zagueiros Moisés e Renê feito raio, esperou a queda do goleiro Andrada e tocou a bola rasteiro.

O Fluminense – eu que apreciava Durango Kid e Daniel Boone – heróis de seriado, saberia depois, ganhava de 1×0 e avançava para o título carioca. Seria o primeiro da vida de Rivelino em clube, ele que havia sido fantástico no Tri da seleção no México e escorraçado do Corinthians na perda do Campeonato Paulista de 1974 para o Palmeiras.

Rivelino me encantava nos primeiros flertes do amor ao futebol. Jogava brincando, esbanjava categoria, driblava e driblava e traria a Copa de 1978, que praticamente não jogou, machucado e depois barrado pelo técnico Cláudio Coutinho, retranqueiro convicto. Batista, aplicado volante do Internacional tomara o lugar de Rivelino.

Mascote do ABC, minha timidez impediu de lhe pedir um autógrafo no amistoso contra o Vasco em 1979. Rivelino, antipático, estava entediado, abusado, queria cachê e tabelou cinco ou seis vezes com o maestro Danilo Menezes, seu companheiro de meia-cancha. A partida acabou 1×1 com Noé Macunaíma, substituto de Rivelino, empatando para o ABC. De cabeça, Noé nanico, vencendo o pernóstico Leão, goleiro da seleção brasileira.

O mágico Rivelino fez 75 anos de vida. Nasceu na passagem de 1945 a 46. Uma transição definidora, espetacular. Vi Rivelino jogar depois pelo Brasil de veteranos, lançando com efeito, escravizando marcadores em deslocamentos e fintas deliciosas. Era saboroso ver Rivelino jogar.

Melhor que ele, em 1970, só Pelé. Rivelino empatava com Gerson e Tostão. Geração luminosa. A meninada nem sabe quem foi Rivelino e fica boba com firulas de Neymar. Vantagem minha, que sou velho. Fã do bigodudo, amante requintado de uma bola possuída em orgasmos gritantes. Rivelino, Roberto, foi pra rua. Ganhou o mundo.

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