por Mauro Ferreira
O sobrenatural comunga com os deuses e, obviamente, há algo de muito sobrenatural naquele gol.
Nascido sob o signo das águas férteis de São José do Rio Pardo, Antônio José Rondinelli Tobias foi para o Flamengo ainda menino. Cunhado pelos jogos de vôlei, a natação no rio e no clube e na colher de pedreiro, chegou àGávea batizado Zé Baiano, apelido de quando recolhia areia da ladeira para que o material não se perdesse durante as chuvas.
Chegou lateral, virou zagueiro e o apelido de menino ficou sob a tutela apenas dos mais íntimos. Por exigência de quem o levou, virou Rondinelli. E só. Das divisões de base ao gol espírita, uma história carregada de emoção. Da fúria ao choro, o rastilho é curto. E a faísca brota dos olhos até hoje, quando o assunto é Flamengo. É certo que usou outras camisas, incluindo a do arquirrival rubro-negro, só que a alma veste as cores do Exu campeão do carnaval carioca.
Antever e antecipar – verbos necessários na linguagem dos zagueiros – eram especialidades da casa. Como um punguista, surrupiava a bola dos atacantes adversários assim, do nada, surgindo das sombras. E, se não desse com os pés, usava qualquer parte do corpo para evitar um gol. Incluindo a cabeça, mesmo se a bola estivesse nos pés do artilheiro, ao feitio do chute. Ainda assim, não se conseguia enxergar a entidade.
O sobrenatural comunga com os deuses e, obviamente, há algo de muito sobrenatural naquele gol.
Até que 1978 chegou. Foi um ano triste. Até o gol. Até os 42 minutos do segundo tempo de um final de ano de final de campeonato carioca. Uma lesão na coxa tirou de Rondinelli uma Copa do Mundo. E por pouco não ficou fora da decisão do carioca daquele ano. Mas, como diz o ditado, enquanto não dá certo, é porque ainda não se chegou ao fim. Ainda haveria um fim.
Num escanteio cobrado por Zico, a bola subiu muito.Assim como Rondinelli subiu ao ataque contrariando as ordens do capitão Carpegiani para que permanecesse na zaga. Mais uma vez, surgiu do nada para encontrar a bola de Zico no alto do templo, no tempo correto para esmagá-la com a testa e acertar a coruja do gol de Leão.
Fanática e fascinada, a torcida do Flamengo teve, ali mesmo, no templo da bola, uma conversa de pé de ouvido com Zeus, reapelidou Zé Baiano e garantiu ao Olimpo o surgimento de mais um deus.
Rondinelli renascia. Agora, com novo sobrenome:
O DEUS DA RAÇA
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