por Marcos Vinicius Cabral
“Mas eu sou o Leandro, p…!”, exclamei ao fazer mais um gol batendo no peito estufado, pé sobre a bola dente de leite e cara de zangado.
“Negativo, você não é o Leandro, não é o Zico, não é o Júnior, Adílio, não é ninguém do Flamengo. Você é o Tita do Grêmio e tira essa camisa número 2 das costas seu moleque”, respondeu seu Válter furioso.
E completou em seguida:
“Guina, vai pra dentro e bagunça esse atrevido”, ordenou para o habilidoso neto Marcelo, que recebera dele o apelido de Guina em homenagem ao clássico meio-campista vascaíno que jogou no clube de São Januário antes de se transferir para o Real Murcia, da Espanha.
Funcionário da Fábrica Fluminense Tecidos no Barreto, em Niterói, seu Válter era homem de confiança de seu Eduardo, acionista majoritário da empresa.
Torcedor do Vasco, sempre que podia sentava numa cadeira de balanço, onde gastava seu tempo livre nas tardes entre a leitura de seu Jornal dos Sports e as instruções que dava como treinador de futebol.
Em outras palavras, era o “Clássico dos Milhões” personificado naquele chão de terra batida, onde o meu time enfrentava o do Guina sob orientações de seu Válter, treinador dos dois times.
Criou-se então, uma rivalidade entre nós e assim foi uma boa parte da minha infância.
Ora marcando Guina, ora recebendo ordens de seu Válter.
Por alguns anos, Tita foi para mim, mocinho e bandido.
Mocinho de forma inquestionável ao ganhar tudo em 1981 pelo Flamengo e bandido ao fazer o gol do título do Vasco em 1987.
Poucos, bem pouquíssimos jogadores despertaram em mim amor e ódio com tanta equivalência.
Tita foi um deles.
Se chorei de emoção abraçado ao meu tio José Cláudio em Nova Friburgo com as conquistas da Libertadores e Mundial, me escondi por uma semana, inclusive indo embora do colégio direto para casa sem aparecer na pelada para não ter que marcar Guina e receber ordens do seu Válter, na decisão do Carioca seis anos depois.
Mas foi inevitável.
O curso da vida voltou ao normal e voltei a marcar Guina e receber ordens do seu Válter.
O tempo passou.
A fábrica fechou as portas no meio da década de 1990, seu Válter faleceu tempos depois e o Guina nunca mais vi.
Esse relato poderia ter sido mais um dos tantos que fazem parte deste 1° de abril, considerado o Dia da Mentira.
Mas felizmente, não é.
Da mesma forma que Milton Queiroz da Paixão, aniversariante de hoje, não foi um mero jogadorzinho qualquer.
Tita foi craque de verdade.
Destaque na base do Flamengo, foi treinado por Zizinho e Pavão e lá conheceu Adílio e Júlio César Uri Geller.
Franzino, o talento fez com que recebesse um tratamento especial do clube e passou por um tratamento físico semelhante ao de Zico.
Aliás, Zico, este que foi seu companheiro por anos, foi também o maior de seus problemas.
Pois seja na ponta-direita ou na esquerda, como ponta de lança e até atuando como centroavante, a 7 que carregou nas costas nos 391 jogos, era motivo de insatisfação.
Ele queria mais, ou seja, ardia o desejo em seu coração em vestir a 10, como disse certa vez em 1980, em entrevista concedida ao repórter Aristélio Andrade, da Placar e republicada na série Perfis do Flamengo, relançada em 2012.
“A posição que realmente gosto e onde me sinto mais à vontade é a do Zico. Mas não dá para mim, ali ele é o melhor jogador do mundo e se fosse esperar para jogar onde gosto envelheceria na reserva”.
Envelheceu sim mas nunca na reserva nos clubes por onde passou.
No Grêmio, foi símbolo ao lado de Hugo De Léon, onde conquistou a segunda Copa Libertadores da América, em 1983.
Não bastasse, desmistificou a imagem de jogador medroso e na final da competição sangrou ao lado do clássico zagueiro uruguaio.
O vermelho escorrido na face percorreu o mundo por meio da lendária foto de Masahide Tomikoshi, da Placar, e foi a cor do rival Internacional, no qual o mórmon jogou depois.
Sua missão era substituir o ídolo Ruben Paz no coração da torcida colorada.
Missão cumprida com êxito.
Sondado e sonhado pelo Corinthians, foi no Vasco com seu gol transloucadamente comemorado com a camisa cobrindo o rosto em 1987, que virou ídolo de verdade.
Tão ídolo que foi homenageado com a manchete do Jornal dos Sports: “O Títalo é do Vascão”.
Talentoso e por mais promissor que fosse durante a carreira, ora genial, ora genioso, suas escolhas não lhe deixaram ir mais longe.
Principalmente em 1982, na Seleção de Telê Santana, onde seria naturalmente o camisa 7, mas recusou e acabou sendo deixado de lado pelo teimoso treinador mineiro.
Em tantos anos como jogador profissional, realizou sonhos, conquistou títulos e pagou algumas promessas, como o 6 a 0 no Botafogo.
“Nas cadeiras do Maracanã, eu e Adílio assistimos o Botafogo meter seis no Flamengo e prometemos que, quando fôssemos profissionais, iríamos devolver essa vergonha”, disse à época ainda na base do Flamengo.
Nove anos depois, a promessa se cumpria quando Andrade estufou as redes de Paulo Sérgio, aos 42 minutos do segundo tempo.
“Naquele momento, apenas nos olhamos e nos abraçamos”, resume Tita ao falar de Adílio.
Desfilou como um cisne em outros gramados e vestindo outras camisas como a do Bayer Leverkusen, Pescara – ao lado do ex-companheiro de Flamengo Júnior e do centroavante Edmar -, León e Puebla, ambos do México e Comunicaciones-GUA, onde encerrou a carreira.
Aposentado dos gramados, a paixão pela bola não parou e apenas diminuiu seu tamanho.
Se tornou um ávido participante de competições do golfe, esporte este em que já venceu o Masters Tour do Rio de Janeiro e é filiado à Associação Brasileira de Golfe Sênior (ABGS).
Atualmente é comentarista de futebol, esporte em que boa parte da carreira buscou a 10 enquanto foi sombra de Zico.
Ganhou algumas vezes e perdeu outras.
Mas hoje o aniversariante tem motivos de sobra para comemorar seu 63° aniversário.
E o presente maior que poderia receber neste 1° de abril é a certeza que se não foi o 10 que sempre quis ser nos gramados, fora deles, nunca deixou de ser no papel de marido de dona Sandra e no papel de pai de Desiree, Lohram, Ablanche, e Fabien.
Nada mal, convenhamos, como da mesma forma encantou as torcidas do Flamengo, Vasco, Grêmio e Internacional, onde sua maior vitória foi ter se tornado ídolo nesses clubes.
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