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22 / fevereiro / 2022

por Rubens Lemos


A última preocupação de um moleque de 16 anos incompletos, alucinado por futebol, é financeira. Suficiente a grana do ingresso, que a minha avó subsidiava, de coração imenso e sorriso de coração, ao fazer feliz o neto inquieto e respirando campeonatos, craques e clássicos.

Em 1986, o ano foi movimentado. Em plena marcha a campanha para governador do Estado, que o oposicionista Geraldo Melo venceu, derrotando o professor João Faustino, por torturantes 14 mil votos.

Acompanhava o que traz o parágrafo acima, os telejornais, vivia paixões platônicas. Preferia o silêncio à probabilidade de um fora. Era magérrimo, o que para mim significava defeito fatal. Dedicava-me ao futebol com avidez, estudos e prognósticos petulantes.

Telê Santana convocava 29 jogadores para escolher 22 à Copa do México. Já não era o Telê de quatro anos antes, resoluto e militante do futebol-arte. Tornara-se ranzinza, seu mau humor, descontava nos jornalistas e, enfim, não conseguiu formar um time.

Peças lamentáveis como Dida do Coritiba, Mozer do Flamengo (craque no time, medroso de amarelo), Elzo, volante do Atlético (MG) Alemão do Botafogo o piadista Edivaldo, também do Galo e o intragável Casagrande do Corinthians, levado por influência do cansado Sócrates, eram sinais de que perderíamos.

No bolo, entediados, Sócrates, Oscar, Falcão, Leandro(que mandou a Copa à Pqp na hora do embarque) e os cortados por contusão, Cerezo (sempre tremendo) e o inexplicável Dirceuzinho aos 36 anos. Na vaga que seria do espetacular Mário Sérgio.

Zico, exemplar no sacrifício. Um ano antes, o perverso zagueiro Márcio Nunes do Bangu esfarelara seu joelho. Zico persistiu e conseguiu ir ao Mundial depois de golaços nos amistosos e da resistência dos predestinados.

Os 22 finais de Telê foram decepcionantes. Detesto Renato Gaúcho e a sua grosseria crônica, mas estava no auge e não poderia ter ficado fora. Jogamos com o seguinte meio-campo: Elzo, Alemão, Júnior e Sócrates. Ou seja, não critiquem Lazaroni e Parreira. Telê, a sumidade ofensiva, inaugurou o volantismo.

Em Natal, campeonato local paralisado, marcaram para 22 de junho um amistoso Vasco x Flamengo no Castelão. A rivalidade acentuada. Vasco campeão da Taça Guanabara e Flamengo líder da Taça Rio, o segundo turno.

Meu pensamento, minha vontade, minhas orações seriam para assistir ao maior clássico brasileiro (àquela época). Mais uma vez, minha avó garantiu o ingresso, tirando poucas cédulas da bolsa humilde de aposentada estadual.

No peito, a alegria de ver, ao vivo, da arquibancada, meu maior ídolo cruzmaltino, o Pequeno Príncipe Geovani, meia-armador literato, preterido pela rabugice de Telê Santana. Melhor para mim. Com ele, Mauricinho, Roberto Dinamite e Romário, trio atacante digno de seleção mundial. Roberto merecia vaga na Copa.

A Copa do Mundo afunilou e, no dia 21 de junho, sábado, o Brasil pegou a França de Tiganá, Giresse e Platini, setor de criação de cientistas da bola. E nós com Elzo e Alemão. Careca jogando muita bola, por uns três ou quatro colegas, abriu 1×0. Platini empatou.

Zico entrou, meteu de curva feiticeira para Branco ser derrubado pelo goleiro Bats. Zico bate e Bats defende. Perdemos nos pênaltis e novo luto, imerecido pelas lambanças de Telê Santana.

E o Vasco x Flamengo? Me desesperei ante a hipótese de cancelamento. Confirmado. Meu primo Cláudio França , o mais doce flamenguista, falecido vinte anos depois do coração que nele era imenso, me levou. Castelão com ar assombroso de cemitério.

Os dois times entram. Para fazer uma das maiores exibições do estádio. Escolhido melhor em campo pela Rádio Cabugi e o Diário de Natal, Geovani sentou o futuro tetracampeão Jorginho em drible de corpo frente à torcida do Alecrim. Enfileirou Zinho, Andrade e Alcindo em minha homenagem, diante do Frasqueirão. Bebeto fez golaço de falta.

O Vasco empatou com Mauricinho e virou com Dinamite:2×1. Só 3.840 felizardos na plateia. Fiquei parado, olhando aqueles toques diferentes, categóricos e a pensar. Juntando Vasco e Flamengo, teríamos ido mais longe.

Máxima reverência a uma seleção com Paulo Sérgio(reserva em 1982 e no Vasco); Jorginho,Donato, Aldair, e Mazinho; Andrade, Adílio e Geovani; Bebeto, Roberto Dinamite e Romário(que passou o jogo entediado). Escolheria os 11 acima(e Zico), que não sofriam do pânico do escrete de Telê.

PS. Vasco 2×1 Flamengo – 22/06/1986 – Estádio Castelão (Machadão). Vasco: Paulo Sérgio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Heitor; Morôni, Mazinho e Geovani; Mauricinho, Roberto e Romário. Flamengo: Zé Carlos; Jorginho, Guto, Aldair e Adalberto; Andrade, Aílton e Adílio (Valtinho); Bebeto, Vinícius (Alcindo) e Zinho.

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