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PASTA DE PAPELÃO

16 / setembro / 2021

por Claudio Lovato Filho


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– O que ele tem?

– Não sei. Faz dois dias que está lá no quarto, agarrado naquela pasta de papelão. Não quer sair pra nada. Perguntei se ele estava sentindo alguma coisa, se queria ir ao médico, mas ele disse que não, você conhece o seu irmão.

– À noite eu passo aí.

– Obrigada, querido!

Desligaram.

Ele ficou pensando no irmão, seu irmão mais velho, trancado no quarto.

À noite, depois de cumprimentar a cunhada, ele avançou pelo corredor do apartamento, e, lá no fim, deu duas batidas na porta do quarto do casal.

– Chico, posso entrar?

Ele não ouviu resposta.

Deu mais uma batida e foi entrando devagar.

– Oi, garoto! – disse o irmão mais velho enquanto se erguia e sentava na beirada da cama.

O irmão mais novo viu a velha pasta de papelão verde com elástico preto nas extremidades em cima da cama.

– Está tudo bem? – ele perguntou ao irmão mais velho.

O irmão mais velho ficou olhando para ele sem dizer nada.

O irmão mais novo sabia o que havia na pasta. Algumas vezes haviam passeado juntos pelo seu conteúdo. Eram reportagens sobre a carreira do irmão mais velho, ex-meio-campo com passagens vitoriosas por alguns dos maiores clubes do país. Havia também fotos presenteadas por um grande fotógrafo esportivo de quem ele se tornara amigo. As lembranças da carreira do irmão mais velho estavam espalhadas pela casa – em algumas caixas, em um armário, no computador –, mas aquela velha pasta de papelão continha a nata das memórias, uma seleta do que aconteceu de mais importante, registros de alto poder simbólico que abarcavam toda sua trajetória, desde os tempos em que, ainda adolescente, fora promovido a profissional no clube que jamais deixou de ser seu clube do coração até a despedida do futebol em outro grande clube pelo qual, já veterano, conquistara um campeonato nacional.

O irmão mais novo se sentou ao lado do mais velho na beirada da cama. 

– Aconteceu alguma coisa?

Passou-se algum tempo até que o irmão mais velho respondesse.

– Nada. Não aconteceu nada. Esse é o problema. Nunca acontece nada. Nunca mais aconteceu nada. 

– Não diz isso, Chico! Quanta coisa boa tem na sua vida!

O mais velho não disse nada por algum tempo. E então:

– Agora dei para começar a ficar nervoso quando o telefone toca, quando chamam no interfone, até quando chega uma mensagem… Caraca! 

Ficaram mais um tempo quietos no quarto iluminado apenas pela claridade que vinha da rua.

– Quer sair pra conversar? Vamos dar uma passada lá no bar do Bento? 

– Não, não estou pra isso, vou ficar na minha! – disse o mais velho com um meio sorriso. 

– Estou na boa, pode ir tranquilo.

– Então vamos ver o jogo juntos amanhã. Vai lá pra casa!

– Pode ser. Amanhã a gente combina.

O irmão mais novo se levantou apoiando uma das mãos no ombro do outro.

– Tá bom. Estou indo. Fica bem. Valeu? 

Quando estava abrindo a porta, ouviu a voz do irmão mais velho às costas. 

– Toma. Leva isto com você. 

Ele se virou e olhou para a pasta nas mãos do irmão mais velho.

– Por quê?

– Leva com você e faz o que quiser com o que tem aí.

– Isso é seu, é importante pra você.

– Pega!

Ele pegou a pasta e foi embora.

No carro, antes de dar a partida, colocou a pasta no colo e a abriu. Mais uma vez, conforme folheava as páginas de jornais e revistas, as impressões de matérias de sites e blogs em papel A4 e as fotos, ele pensou, orgulhoso, no sucesso que o irmão conseguira fazer.

Encontrou uma reportagem feita quando o irmão já era veterano, mas ainda jogava em alto nível, e que incluía uma foto de arquivo, já bastante antiga à época, em que apareciam, lado a lado, o irmão mais velho, no começo da carreira, e ele, o mais novo, então uma criança, ambos com o uniforme completo do clube. A matéria, de duas páginas, que agora lhe chamava a atenção de um jeito diferente, incluía uma entrevista em formato de perguntas e respostas. O último questionamento se referia ao período pós-carreira.

“Você já pensou no que gostaria de fazer depois que parar de jogar?”

E a resposta dele:

“Sinceramente, não penso nisso. Vou deixar para pensar quando chegar a hora. Mas ainda vai demorar! (risos)”

Ele fechou a pasta pensando no irmão mais velho, em tudo o que o irmão fez, tentando imaginar o que estava por vir.

“Um dia de cada vez”, ele pensou. “Um passo depois do outro”.

Então ligou o rádio no volume mais alto que podia tolerar e arrancou.

Enquanto isso, lá em cima, no apartamento, o irmão mais velho virava-se de lado na cama e pegava no sono, em paz (a paz possível), como há tempos não conseguia.

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