por Zé Roberto Padilha
Disputei o Pré-Olímpico e o Torneio de Cannes, em 1971, ambos preparatórios para as Olimpíadas de Munich, em 1972. Como o Fluminense foi campeão carioca Sub-20, em 1970, formamos a base da seleção com seis titulares. Nielsen, Abel, Rubens Galaxe, Marinho, Marco Aurélio e eu.
Ganhamos invictos o Torneio de Cannes e nos classificamos, com alguma dificuldade, no Pré-Olimpico disputado no Paraguai. E foi na partida decisiva, contra a Argentina, que eu assinei meu atestado de óbito. Fui cortado por contusão e permaneci no Rio enquanto meus companheiros de clube partiam para viver o sonho maior de todo o atleta.
Envergonhado, fiquei uma semana sem ir ao Fluminense. E com contrato vigente.
Na véspera da partida, decisiva com a Argentina, nosso massagista preparou o contraste porque eu e o Marinho éramos dúvidas. Ambos lesionados nos tornozelos.
Um balde de água gelada, outro de água quente foram preparados. Você começa no gelo e acaba no quente. Ao final, uma massagem com Reparil Gel e uma atadura de crepe enfaixada para proteção fecham o sofrimento.
Não é um tratamento agradável. Mas funciona.
Entre as camas, minha e a do Marinho, os baldes foram colocados. E fizemos juntos o tratamento. Pela manhã, o médico veio nos avaliar. Vetou o Marinho e ficou impressionado de ver como meu tornozelo desinchara.
– Milagre, Zé! Esta liberado para o jogo!
Tão feliz, dei um salto da cama e fui escovar os dentes antes de ir tomar um café. E ao pisar, soltei um grito de dor. Foi tudo em vão. Passei toda a noite tratando o pé contrário. O esquerdo. A contusão era no direito.
Como faço tudo com a canhota, na hora de começar ela foi acionada por instinto. Daí o pé vai ficando vermelho e você não percebe mais o erro. Tem mais: ainda queimei levemente a inocente canhota que me conduzira com a bola até lá.
Fui motivo de piada, com razão, e sofri bullying, sem razão. Eles foram pra Munich e só me restou retomar os estudos. Fiz vestibular de Direito e comecei a estudar na Universidade Gama Filho. A decepção foi muito grande, precisava procurar um novo ofício.
Só voltei ao clube quando as más notícias começaram a chegar da Alemanha. Houve um atentado terrorista e a nossa seleção bancou o maior vexame de sua história olímpica: perdeu para o Irã e a Dinanarca, e empatou com a Hungria por 2×2. Terminou em último e voltou bem cedo para casa.
– Bem feito!
Essa foi a senha que me levou de volta às Laranjeiras.
Tinha 20 anos e era um ser humano comum.
De carne fraca, ossos dos tornozelos queimados e lesionados, magoado com tudo e que se consolava no fracasso alheio para recuperar a sua autoestima.
“Bem feito!”
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