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O DIA EM QUE DEIXEI DE SER TRICOLOR

29 / agosto / 2021

por Zé Roberto Padilha


O telefone tocou das Laranjeiras. Quando isso acontece lá em casa, e não foram poucas às vezes, quem atende é o coração. De minha parte. E ele engole a razão, que vem da patroa, dos filhos e de quem mais tenha juízo.

Daqueles que sabem que não pagamos nossas contas com sonhos e idealismo. Mas com dinheiro.

Do outro lado da linha, Edinho, que assumia os profissionais do Fluminense, convidou-me para reassumir o juniores e ser seu auxiliar técnico nas finais contra o Vasco, pelo título do estadual carioca de 1993.

Após trabalhar em Xerém, nas divisões de base entre 1987 e 1991, voltara a Três Rios para ajudar na formação profissional das nossas equipes amadoras: o América FC e o Entrerriense FC.

Com a ajuda do supervisor tricolor, Paulo Alvarenga, estrutruramos os dois clubes, o Fluminense nos emprestou oito jogadores e ambos disputaram a primeira divisão em 1992. Algo inimaginável nos dias de hoje.

Mesmo assim, após uma derrota, fui demitido quando treinava o América. Depois disso, trabalhei na Distribuidora Brahma, com carteira assinada e sem depender de resultados para ter direito à estabilidade. E quando as contas se equilibraram, minha paixão falou mais alto e fui para uma nova aventura no futebol.

Parti debaixo de ressalvas coletivas. Nossos parentes sabem mais desse mundo sórdido do que nós, jogadores, treinadores, que somos reféns dessa cachaça. E das ressacas que nos provocam.

Ao mesmo tempo que disputava os dois jogos decisivos contra o Vasco, Edinho anunciava a imprensa que recebera uma proposta irrecusável do Marítimo, de Portugal, e que indicara meu nome para substituí-lo.

Todos os jornais estamparam minha foto como seu sucessor e o presidente do clube, Arnaldo Santiago, nem se manisfetara a respeito.

Tinha um Fiat Uno, mas na semana decisiva, conhecendo de onde buscam “valores” para ocupar o cargo, pedi emprestado o Santana zerado da minha irmã, que era o top de linha. Chegando com ele, não fiz feio diante do carro importado do Super Ézio.

O Vasco foi campeão e Edinho se despediu do clube e bateu nas minhas costas no vestiário:

– Agora é com você, amigo!

Sem ser anunciado oficialmente, perguntei ao supervisor dos profissionais, Roberto Alvarenga:

– O que faço?

Roberto disse: vem cedo dar o treino normalmente. Alguém precisa estar aqui. Fui pro hotel e nem dormi pensando na minha possível estreia no domingo, contra o Palmeiras, pelo Torneio Rio São Paulo.

Todos que nos antecederam no cargo, como Gilson Gênio, Rubens Galaxe, Sebastião Rocha, Gama, tiveram essa interinidade. Ocuparam a cadeira enquanto um Dorival Junior, Cuca, Celso Roth… vocês sabem!.


Cheguei cedinho ao clube e uma leva de jornalistas passou por mim. “Oi, Zé!” Tinha algo errado. Não era eu, caso contrário me cercariam. Ximbica, o roupeiro amigo, oito anos de clube como a gente, me chamou no canto do vestiário para nos consolar.

– O Nelsinho Rosa é muito amigo do Presidente! – disse.

– Mas por que não o anunciou? Deixou no ar meu nome, meus sonhos…

Enfim, fiz a viagem de volta mais triste da minha vid, mas ela era só aperitivo. Quando cheguei, Paulo Alvarenga ligou do Flu.

– Já soube, não é?

Eu respondi:

– Sim, mas ainda temos chances, afinal sou o treinador do juniores!

Ele retrucou:

– Não é mais. Nelsinho indicou o filho para treinar o junior. Você foi demitido!

Sabe aquele dia que você olha do alto da ponte e agradece o privilégio de ter tido os pais, tios, professores e avós que tive, nos ensinando o valor da vida?

Do Paulo Matheus, nosso psicólogo, que diz que precisamos ser os protagonistas da nossa própria história?

Pois é. A vida continuou. Foi apenas um dia em que deixei de ser tricolor por causa de uma gestão covarde, incapaz de assumir suas preferências à luz do dia. E que não estava à altura de dirigir nosso clube como eu estava preparado, naquela ocasião, para dirigir o Fluminense.

Era apenas uma gestão. O clube, e eu, somos maiores do que ela. E sobrevivemos.

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