por Elso Venâncio
Acabo de ver, na Netflix, o documentário “Maradona no México”. El Pibe de Oro, que tive a chance de acompanhar no auge, aparece gordo, inchado, barbas brancas, visivelmente doente e com dificuldades até mesmo para andar. Mesmo assim, por dois anos consecutivos, quase leva o pequeno Dorados à primeira divisão do futebol daquele país. Curiosamente, realiza o seu último trabalho, na cidade de Sinaloa, onde “El Chapo” Guzman liderava um dos maiores cartéis de drogas do mundo.
Maradona declara:
“Não sei aonde chegaria no futebol, se não usasse drogas”.
Diego nunca foi treinador de fato, mas sim, o maior jogador que vi depois de Pelé.
Em 1986, ganha a Copa e o jogo que valia uma guerra, contra a Inglaterra – uma questão particular e militar entre os dois países. O gol, arrancando de seu campo e driblando quem lhe aparecia pela frente, é considerado, em jogada individual, o mais bonito do século XX e, sem dúvidas, de todas as Copas. O grande gol, em jogada coletiva, coube ao capitão Carlos Alberto Torres, fechando a goleada de 4 a 1 na decisão contra a Itália, título que nos rendeu o tricampeonato em 1970.
Detalhe: ambos os golaços aconteceram no mesmo palco: o Estádio Azteca, no México.
Em 1989, Copa América no Brasil. Sou escalado pela Rádio Globo para acompanhar a Argentina, atual campeã do mundo e que vinha com o melhor e mais famoso jogador do planeta na delegação. O gênio da bola era uma espécie de rei ali.
No restaurante do Hotel Castro, em Goiânia, exclusivo para as refeições dos argentinos, um aviso no quadro, em letras garrafais:
SAÍDA PARA O TREINO ÀS 08 HORAS.
Comissão técnica e jogadores tomavam o café e depois entravam de imediato no ônibus, que já estava parado ao lado e totalmente visível da porta de vidro. Antes mesmo do horário marcado, todos já estavam sentados em seus bancos. Mas, e Maradona?
8h15, 8h20, e nada de ele aparecer. Às 8h25min ele surge com cara de sono, cabelo despenteado, caminhando lentamente. Toma o seu café e vai ao banheiro.
O motorista do ônibus, que já está ligado, é o único que demonstra certa ansiedade. Bilardo, sentado na primeira fila, aproveita para dar uma cochilada.
Eis que finalmente chega Diego Maradona. Entra, dá um sonoro “Buen Dia” que a maioria responde em coro uníssono.
Antes da Copa de 90, o ídolo tinha conquistado os dois únicos títulos do Napoli no Campeonato Italiano. Era o cara na cidade de Nápoles! Diego dava inúmeras festas em seu apartamento. Numa delas, colegas de time presentes e muitas mulheres, de repente o interfone toca. Era o técnico Carlos Bilardo.
“Bilardo? O que ele quer? Pede pra subir”.
Maradona tranca no quarto os convidados, que ficam em silêncio, baixa o som da música e pede para a colaboradora dar uma rápida faxina.
A campainha da sala toca e adentra o espaço um pensativo e preocupado treinador:
“Diego, queria te avisar que não vou levar o Caniggia”.
“Não entendi…” – responde o craque.
“Ele tá indo muito pra noite. Não é mais um atleta”.
Sério, Maradona retruca:
“Simples, então. Eu e Caniggia ficamos fora da Copa…”
“Mas Diego…”
“Era isso que o senhor queria me falar? Boa noite!”
Dia 24 de junho, Estádio Delle Alpi, em Turim. Brasil x Argentina frente a frente, jogo válido pelas oitavas de final. Quem perder volta para casa.
Jogo tenso, zero a zero teimoso no placar. Aos 35 minutos do segundo tempo, Maradona recebe no círculo central, ainda em seu campo. Passa como quer por três brasileiros, numa velocidade incrível, e vira o jogo com a perna direita para Claudio Caniggia. O atacante dribla Taffarel e faz o gol da vitória que eliminou o Brasil do Mundial.
Olho para o banco da Argentina. Bilardo, de terno, vibra com as mãos erguidas.
Após a coletiva, eu fazia uma entrevista exclusiva com um abatido Sebastião Lazaroni, o derrotado treinador da seleção brasileira. Ainda não imperava o chamado ‘Padrão FIFA’. Os vestiários eram pequenos e ficavam lado a lado. Nós, jornalistas, tínhamos total liberdade para trabalhar. De repente, saem uns argentinos do vestiário e vejo Maradona de calção, sem camisa, com um charuto na mão e uma fita na cabeça. Fita essa da seleção de seu país. Patriota ao extremo o ídolo.
Percebo que nem banho tomou. Cantavam, em êxtase, a música “La Mano de Dios”. O ídolo parecia transtornado e gritava a plenos pulmões a letra – com todos cantando juntos: “Maradooooo, Maradoooooo. Nasce a mão de Deus, Maradooooo, Maradooooo…”
Deixo Lazaroni de lado e tento me aproximar de Diego. Não consegui: ele estava cercado pelos amigos (hoje seriam parças) e, vendo o ônibus parado, recordei o que vi em Goiânia. Maradona foi erguido e entrou pela janela, numa cena que não dá para esquecer, enquanto seus companheiros soltavam a voz – e todo o povo entorno ao ônibus cantava junto:
“Maradoooooo, Maradooooooo. Nasce a mão de Deus, Maradoooo, Maradooooo.”
Quase um mantra!
Na Copa América de 1989, quando a Argentina veio jogar no Rio, eu estava no mesmo voo e consegui uma longa matéria com ele. Maradona estava sentado, na parte interna do Galeão, ao lado de uma cadeira vazia. Sentei e, com toda humildade, perguntei se poderia falar com ele. Sem me olhar, sinalizou com a cabeça que sim. Na entrevista, de pouco mais de 10 minutos, ele salientou que Di Stefano foi o maior jogador da História e, de forma surpreendente, forneceu detalhes da forma como seu compatriota jogava.
Tentei, em 2011, reviver um superprograma, que pode, inclusive, ser visto ainda hoje pela Internet. Vale a pena. Sucesso em Buenos Aires, “La Noche del 10”, apresentado por Maradona, foi um show, com músicos e personalidades presentes. Fui pessoalmente à Band e convenci o diretor Daruiz Paranhos a realizar “A Noite do 11”, com Romário, que sem pestanejar comprou a ideia.
Como o Baixinho tinha entrado na política, a família Saad vetou o projeto. Fui à Fox e conversei com com Eduardo Zebini, hoje na CBF. Ele disse que gostou, mas não me deu retorno. Não tenho dúvidas de que seria um espetáculo, tendo forte apelo popular e patrocínio de grandes marcas.
Maradona, ídolo de Romário, é um dos personagens mais marcantes da história do futebol. Mas Romário, não que seja nosso Maradona, mas igualmente mereceria um maior reconhecimento por parte do grande público. Principalmente por ter nos provado, em 1994, que sim – sim, podemos ser campeões do mundo mesmo sem Pelé, nos tirando de um longo jejum que já perdurava por 24 anos.
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