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MANÉ GARRINCHA IN CONCERT

6 / março / 2022

por Péris Ribeiro


Cena de cinema. Garrincha, o maior personagem da Copa, acompanha o acrobático voo de Schroif, notável goleiro tcheco

Como é gostoso voltar a 1962… De repente, a gente fecha os olhos e é como se estivesse diante da cena. Faltam quatro minutos para o fim da partida, mas o Brasil, glorioso, já desfila jogadas com o garbo de um bicampeão do mundo. Mesmo assim, o público ainda se agita, demonstrando querer um pouco mais do que vê como pura magia. E que a imprensa internacional, extasiada, resolveu definir como “ Futebol – Arte”.

Pois é nesse  instante – e que bendito instante! –, que a bola chega aos pés de Mané Garrincha, numa das poucas vezes em que ele se desatrela dos seus três implacáveis marcadores. Parece até inverossímil, mas Mané, enfim, aparece desgarrado pela ponta-direita. E é ali, justamente ali, que recebe o passe açucarado, feito sob medida por Didi.

De saída, como que para prender a atenção da plateia, é aquele manjado finge – que vai – mas-não vai. Com os tchecos tontos,  sem saber como reagir. Mas, na sequência, Mané já prende  a dois adversários com a costumeira facilidade. E, não mais que repente, trava a corrida de estalo. Suspense! Puro suspense em todo o estádio!

É que, no ar, parece existir uma única pergunta: o que fará, agora, o genial jogador? Que mágica ainda sacará da cartola, em pleno ato final do Mundial? Ar debochado, Mané passa o pé direito sobre a bola… e baila! Só que desta vez vêm chegando Novak, seu marcador direto e  Pluskal, o quarto-zagueiro. Até o grandalhão Kavasniakaparece, em plena operação de auxílio aos companheiros em apuros. Porém, nada é capaz de impedir que sejam driblados seguidas vezes. E da maneira mais humilhante.

Mesmo assim, o mais incrível nessa história toda é que, já nos minutos finais da partida e com o título mais que decidido, nenhum dos três tchecos tenha sequer percebido que, o que o desconcertante Mané Garrincha mais queria, era…brincar! Ou seja: deixar um último e inesquecível presente, para as multidões das arquibancadas em festa.

Então, ameaçando arrancar novamente, Mané consegue sem dificuldade desestabilizar  aos atarantados  Novak, Pluskal e Kavasniak. E, como resposta, não há quem contenha o riso franco no Estádio Nacional de Santiago do Chile. Ainda mais porque, àquela altura, o que mais se vê são pernas se enroscando para todos os lados. Só que Mané ainda quer mais. E, com um leve gesto, balança o corpo e ameaça arrancar. Pela enésima vez. Até que, de repente, se torna imóvel. Aí, é mesmo de morrer de rir…

De um lado, como se fosse um toureiro, lá está Mané.  Impávido! Até que, aos poucos, ginga o corpo e vai oferecendo-lhes provocativamente a bola. Mas os três, cada vez mais confusos, já não movem um músculo do rosto. Estão petrificados, como que hipnotizados pela arte chapliniana do camisa 7 brasileiro. Se Mané mandar, Novak, Pluskal e Kavasniak são capazes de ajoelhar a seus pés. Quando não,  de beijar a grama – ou até mesmo comê-la. Por isso mesmo, está sacramentado ali, naquele instante, o momento mais sublime da Copa do Mundo de 1962. Ninguém mais se lembra, mas o placar mostra, bem lá no alto, uns definitivos Brasil 3 x Tchecoslováquia 1.

Então, sente-se que é chegada a hora da grande homenagem. É quando o Estádio Nacional, repleto, se entusiasma e bate palmas de pé, em total e emocionada reverência a duas majestades.  Ao Brasil, bicampeão do mundo. E a Mané Garrincha, Rei absoluto daquela copa disputada aos pés dos Andes.

Pouco depois, eis que finalmente o jogo termina. E os dois times, após se confraternizarem, já se perfilam para ouvir os hinos nacionais e receber as medalhas de ouro e prata. Um momento em que o ansioso Mauro, o capitão brasileiro, se prepara para erguer, solene, a Copa Jules Rimet em pleno palanque oficial. Justo quando Mané, camisa largada para fora do calção, aparece com um estranho boné na cabeça.

– Mas que negócio é esse? – pergunta Zito, com ar intrigado e repreendedor.

– Sei lá, foi um cara aí que me deu. Um torcedor brasileiro – responde Mané

– Pois tira logo esse troço, que você não está em Pau Grande – replica Zito, já enfezado.

– Qualé, Chulé? Que tira nada! Taí: gostei dele. Vou mais é curtir uma onda por aí…- define o papo Garrincha.

E, ato contínuo, sai em total ritmo de festa pelo gramado. Comemorando à sua maneira simples – matuta; tipicamente provinciana – o título que, praticamente sozinho, havia acabado de ganhar para o Brasil.

Um título, por sinal, com a cara e o jeito do seu jogo desconcertante. Não fosse ele, Mané Garrincha, uma mistura de anjo e demônio de pernas tortas, a brindar o mundo com o esplendor e a irreverência de sua arte.

 

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