por Pedro Tomaz de Oliveira Neto
Foi por pouco tempo. Mas a torcida do Bangu pode se orgulhar: Coutinho, o gênio da pequena área, o amigo mais íntimo de Pelé dentro de campo, vestiu o manto alvirrubro, se juntando a Domingos e Ademir da Guia, Zizinho, Zózimo, Aladim, Pedro Rocha, Arturzinho, entre outros craques que jogaram no tradicional clube suburbano.
Nascido em Piracicaba, Antônio Wilson Vieira Honório, ou Cotinho, apelido de infância que evoluiu para Coutinho, despontou cedo para o futebol, chamando a atenção de vários clubes. Mas foi o Santos que convenceu sua família a deixá-lo treinar na Vila Belmiro. Lá, conheceu um garoto de Três Corações que veio de Bauru, com quem começou a fazer tabelinhas para encurtar e abrir os caminhos do gol. Juntos, Coutinho e Pelé formaram a dupla mais espetacular e letal da história do futebol, assombrando defesas pelos quatro cantos do mundo, marcando a cada partida um rosário de gols e conquistando todos os títulos possíveis em sua época.
Esse sonho foi realidade entre 1958 e 1964. Mas depois de uma contusão que o obrigou a operar o joelho, Coutinho passou a ter pesadelos. A inatividade lhe reavivou um problema de nascença, a tendência para engordar. Desde então, ele sempre se deparava com uma nova contusão ou lutando contra a balança. Quando precisou, uma vez recuperado, de uma sequência de jogos para readquirir o ritmo, o titular já era Toninho Guerreiro, que vinha jogando em ótima sintonia com Pelé. Foi aí que Coutinho percebeu que sua história no Santos chegava ao fim.
Buscando novos ares, topou ser emprestado ao Vitória da Bahia, onde ficou quase um ano e, envolto com os mesmos problemas físicos, só jogou 12 partidas, marcando apenas um gol. Depois de uma breve passagem pela Portuguesa, viajou ao Rio de Janeiro para fechar com o Vasco, porém, foi reprovado nos exames médicos. Devolvido ao Santos, ganhou passe livre e o alugou ao Atlas do México. Meses depois, retornava ao Brasil, frustrado e disposto a pendurar as chuteiras, aos 27 anos.
Cansado dos esforços inúteis para recuperar a forma física, Coutinho largou treinamentos, remédios e regime, passando a comer e beber desregradamente. Em fins de 1971, quando planejava a abertura de um negócio próprio, um amigo o convenceu a retomar a carreira, fazendo-o crer que ainda poderia atuar em alto nível. Com mulher e dois filhos para sustentar, ele aceitou a proposta de jogar no Bangu.
No Rio, Coutinho se submeteu a dura rotina de treinos e cuidados com o corpo e a alimentação. Em busca do peso ideal, sua estreia foi sendo adiada. Mas devido ao início ruim do Bangu na Taça Guanabara, que valia o primeiro turno e classificava para os turnos finais do campeonato estadual, a sua escalação, mesmo sem está no ponto, tornou-se a esperança de recuperação do time. Além do que, jogando, Coutinho ganharia ritmo e entrosamento com seus companheiros, em especial os atacantes Jorginho Carvoeiro e Jorge Mendonça, revelações das divisões de base do clube, quem sabe reeditando com eles as tabelinhas perdidas após o fim da parceria com Pelé.
Assim, Coutinho estreou contra o Botafogo no Maracanã. Fora de forma, teve uma atuação discreta e nada pode fazer para evitar mais uma derrota do time. No segundo jogo, seguiu com dificuldade de movimentação, mas o Bangu venceu o Madureira, renovando a fé na classificação. Na rodada seguinte, apesar do revés imposto pelo Fluminense, Coutinho se soltou um pouco mais, buscando tabelas com Jorge Mendonça e marcando, com categoria, o primeiro gol nessa sua volta ao futebol. No duelo contra o América, o centroavante balançou as redes outra vez, só que, a exemplo do jogo anterior, o time sofreu nova virada.
Faltando apenas três jogos, o Bangu precisava de duas vitórias para se classificar. Portanto, vencer o Olaria no próximo embate seria crucial para não depender de uma improvável vitória sobre o Flamengo e fazer, na última rodada, em casa, o jogo da vida contra o São Cristóvão. Se já não bastasse a má fase do time, dias antes desta primeira “final”, Coutinho sofreu um acidente de carro e, apesar de não ter tido ferimentos graves, por precaução, ficou fora do jogo da Rua Bariri. O desfalque fragilizou mais ainda a equipe e, sem poder de reação, não pode impedir outra derrota.
Agora, restava ao Bangu vencer ou vencer o líder Flamengo. A eliminação deixaria o time quase cinco meses inativo. Só com eventuais amistosos seria impossível manter no plantel os principais jogadores, inclusive Coutinho que, desde que chegou, não viu a cor do dinheiro lhe devido. Contudo, o craque e demais companheiros foram ao Maracanã dispostos a se superarem atrás da última chance de sobrevivência do time. A missão ficou mais árdua com o gol sofrido logo aos 11 minutos. Mas os briosos banguenses reagiram e, numa bela jogada de linha de fundo, Jorge Mendonça cruzou para Coutinho empatar de cabeça. Na etapa final, resistiram bravamente à blitz rubro-negra até aos 35 minutos, quando Doval marcou para o Flamengo, decretando o fim da linha para o time de Moça Bonita.
Coutinho voltaria a campo para mais um jogo pelo Bangu. De forma melancólica, despediu-se da Cidade Maravilhosa tal como estreou há dois meses: com derrota e com a mesma pança acentuada que carregava desde que operou o joelho, nos idos de 1964. A gordura em excesso não lhe tirou a inteligência, a técnica, a categoria e outros dons naturais que tinha no trato com a bola, mas lhe roubou os movimentos, a agilidade para as tabelinhas que tanto fizeram sua fama ao lado de Pelé e, principalmente, a alegria de jogar futebol. Bem que ele tentou recuperá-la no Rio de Janeiro. Mas não deu. Foram apenas seis jogos, com uma vitória, cinco derrotas, três gols e nenhum tostão no bolso. Sem se levar mais a sério, Coutinho ainda faria alguns jogos pelo Saad de São Caetano do Sul, em São Paulo. Depois, aos 29 anos, parou definitivamente.
Assisti ao Coutinho no Maraca pelo Bangu, bem rechonchudo, mas com a mesma categoria. Numa rebatida de bola de um beque, que foi bem alta, caiu na frente dele, que deu uma matada irretocável com o bico da chuteira junto à grama. Muita classe.