por Elso Venâncio
Marcelinho ainda não era chamado de ‘Carioca’ quando estreou pelo Flamengo, aos 16 anos, entrando no lugar de Zico em um Fla-Flu disputado no ano de 1988, no Maracanã. Eram 11 minutos do primeiro tempo. Zico sentiu a coxa, não esperou nem o médico e saiu correndo, evitando a imprensa, rumo ao vestiário.
Mestre Telê Santana, técnico expert em lançar garotos – até porque fazia questão de sempre assistir com atenção aos treinos da categoria de base, pediu para Marcelinho se aquecer. O garoto franzino em campo e os 60 mil torcedores presentes sem saber sequer quem era. Pelo pique, parecia levar jeito. Tinha presença. Logo chamou a atenção de todos.
Na geral, uma cena histórica. Seu Adilson, pai do jogador, estava trabalhando com a roupa abóbora usada pelos garis. Ele parou de varrer, fixou o olhar no gramado e parecia sonhar. Instintivamente, colocou a vassoura por trás da cabeça, em horizontal, e observou um tanto quanto incrédulo à entrada do filho. “Em lugar do Galo…” – tentava compreender enquanto a ficha caía. O futebol brasileiro era apresentado naquele momento a um dos maiores batedores de falta da História.
Seu Adilson foi quem incentivou e determinou que Marcelinho treinasse as batidas. Ele comprou VHS de Zico, Nelinho, Roberto Dinamite, Zenon, fitas de vídeo que eram comuns na época, e durante a madrugada os dois viam e reviam cada cobrança. O pai lembra que Zico estava na Gávea. Falta na entrada da área para ele era pênalti.
Marcelinho passou a treinar muito esse fundamento. Aprimorava a batida e começava, já na base, a fazer gol de tudo quanto era lugar. Perto da meia-lua, do lado esquerdo, pela direita, de longe. Acabou virando o “Pé de Anjo” – afinal, calçava chuteiras tamanho 36.
O menino participou do vitorioso grupo que conquistou a Taça São Paulo de Juniores em 1990. Depois vieram os primeiros títulos pelos profissionais: Copa do Brasil em 1990, Carioca em 1991, Brasileiro de 1992 e, de repente, o inexplicável: mergulhado em dívidas, o clube começou a rifar suas grandes promessas. Nomes como Marcelinho, Djalminha, Júnior Baiano, Marquinhos, Paulo Nunes e outros. Na época em que “Craque o Flamengo faz em casa”, uma geração inteira era desperdiçada.
Marcelinho rodou o mundo. Jogou no Corinthians, no espanhol Valencia, voltou ao Corinthians, passou pelo Santos, Gamboa Osaka, Vasco, etc… Na verdade, teve três passagens pelo Timão: de 1994 a 1997, de 1998 a 2000 e de 2001 a 2006. Ganhou um punhado de títulos: Mundial de Clubes da FIFA em 2000, dois Brasileiros (1998 e 1999), uma Copa do Brasil em 1995 e quatro Paulistas. Obviamente, virou Corinthians de coração. Um dos maiores ídolos da Fiel.
A mágoa que ele tem com o Flamengo é grande. Em 1993, foi considerado um dos melhores jogadores do futebol brasileiro. Em um dia de folga, foi chamado à Gávea. O supervisor Isaías Tinoco, de forma direta, deu a notícia fatal:
– Você está vendido ao Corinthians.”
– Eu… vendido? Tá louco? Você tá de sacanagem, só pode ser! – retrucou, sério.
– Temos que pagar a folha e o décimo terceiro dos jogadores e honrar ainda os contratos do Renato Gaúcho, do Casagrande… – argumentou Tinoco.
– Não vou! Não vou mesmo! – repetia, aos gritos.
Eu presenciei o diálogo e o divulguei em seguida no microfone da Rádio Globo. Imprensa tinha acesso aos ídolos e dirigentes até nos vestiários. Era ordem do presidente rubro-negro, Luiz Augusto Veloso. O prodígio de craque teve que ir, mas saiu zangado.
Anos depois Marcelinho estava no exterior quando recebeu uma ligação de Márcio Braga, reeleito presidente do Flamengo:
– Te peguei no Madureira e quero você de novo aqui. Estou te comprando.
Personalidade forte Marcelinho sempre teve:
– Não vou. Me desculpe, mas vocês me mandaram embora. E por 500 mil dólares.
Tinha feito a promessa de nunca mais pisar no clube do coração de Seu Adilson. Clube esse que tinha sido o do seu coração também. Às vezes, amor e ódio se confundem numa paixão.
Há poucos anos houve uma festa no Ninho do Urubu para comemorar a conquista do Brasileiro de 1992, com direito à presença dos atletas campeões. Marcelinho não compareceu. Essa bronca explica sua vibração no título carioca que deu ao Vasco em 2003. Após empate em 1 a 1 com o Flamengo, comemorava feito louco, alucinando, correndo de um gol ao outro do Maracanã. Na cabeça, uma faixa: ‘Jesus é Fiel!’
O destino, às vezes misterioso, mudou a trajetória e a história desse grande ídolo do nosso futebol. Ces’t la vie…
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