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10 ANOS SEM SÓCRATES

4 / dezembro / 2021

por Rubens Lemos


Sócrates faz parte de minha vida como Quixote da bola. Com Zico e Falcão, forma a trinca de ases dos meus sonhos insones de menino, colorindo o Brasil de imbatível. Só fui comemorar uma Copa do Mundo em 1994, um mês antes de fazer 24 anos.

Na foto, o capricho de ourives dos quatro cantos verdejantes de Sócrates é observado pelo argentino Ardiles na mistura de encantamento e perplexidade. Um baile de 3×1 para o Brasil na melhor exibição do Mundial de 1982.

Ardiles foi um dos melhores armadores da história do futebol, campeão mundial de 1978 quando era o único acima da média no time ajudado pela Fifa para ganhar sob o chicote de uma sanguinária Ditadura.

Sócrates parece empalmar uma pedra preciosa. Usa o pé direito para acariciar a bola em pleno sossego, naturalidade e perfeição , virtudes que ele exibia sem vaidade por onde jogou.

É, ao lado de Roberto Rivelino, o melhor jogador do Corinthians (SP) de todos os tempos, embora a mídia virgem tente impor Marcelinho Carioca e até Neto, o bom de escanteio e cobrança de falta.

Suave gazela em campo, Sócrates irritava os conservadores pois não era o boleiro-padrão. Era médico e vinha de uma família de classe média alta, com pai auditor fiscal federal. Jogava no diletantismo com que Vinicius de Moraes compunha seus poemas musicais.

Estavam em Sócrates a genialidade de Vinicius e a calma irritante de João Gilberto, fosse o Magrão integrante da Bossa Nova. Sócrates dançava conforme o ritmo, impondo sobre o gramado sua coletânea clássica desenvolvida por invisível violino. Passadas largas, estabelecia seu movimento de enganosa lerdeza, levando os outros 21 homens na disputa a caçá-lo em câmera lenta, infrutífera artimanha.

As pernas de palito em carne e osso distribuíam passes certeiros tirados do pensamento de águia de um jamais atleta a mover-se em permanente processo de criação. Lindos acordes acompanhados pelo deleite das arquibancadas.

Sócrates pagou caro por se envolver politicamente sem deixar clara, de verdade, sua ideologia, fruto de uma inquietude conhecida a partir do primeiro pêndulo corporal até a batida de calcanhar direto no companheiro próximo. Se entendeu melhor com Palhinha, técnico, malandro e habilidoso, ambos campeões paulistas de 1979.

Em 1982, com Zico, Falcão, Leandro(um mágico usando a camisa 2), Júnior e Éder, formou um sexteto violado de fintas e desfile de jogadas sinfônicas.

Hoje, faz 10 anos da morte de Sócrates, que nunca deixou seu copo de cerveja tampouco seu cigarro para obedecer a ninguém. O técnico Telê Santana, tido como rabugento, sabia que não poderia abrir mão do seu camisa 8 e deixava-o livre. Para dar o petardo do empate contra a União Soviética(Brasil 2×1) e bater entre o goleiro Zoff e a trave na derrota para a Itália(2×3) no gol do empate em 1×1, criação artesanal de Zico ao enxergar o espaço para servir ao Magrão.

Alguns idiotas protestaram pelo cumprimento de Sócrates ao primeiro italiano que encontrou ao apito final da derrota para a Azzurra. Sócrates compreendia o futebol como jogo limpo, sem a neurose do vida ou morte banalizado. Também reclamaram do pênalti perdido por displicência contra a França, em 1986, repetindo o canto que acertara contra a Polônia nas quartas.

O futebol anda chato e uma das razões é a ausência de Sócrates, polemista irritante para adversários burros e frasista demolidor de conservadores. Liberdade. Há uma década, o Magrão, após o sofrimento do álcool, incompreendido e secundarizado em sua importância, passeia pelos clássicos eternos, onde não há cronômetros nem medíocres a incomodá-lo.

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