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REINALDO, ANJO SOLITÁRIO

11 / janeiro / 2018

por Rubens Lemos


O imenso zagueiro Argeu parece suplicar clemência. O baixinho de camisa alvinegra havia lhe aplicado um drible de costas, entrado na área, ameaçado o corte no loiro goleiro Valdir Appel e tocado por cima, balançando as redes macias do Estádio Mineirão.

O relógio marcava 41 minutos do segundo tempo e o menino de 21 anos, sacramentava a goleada do Atlético-MG sobre o América de Natal por 6 a 0, num baile de bola.

Um gol que valeu placa no estádio, reconstruído e desfigurado para a Copa de 2014. O América tinha um bom time, o adversário é que jogava como um triturador. O Atlético arrancava livre para conquistar o Campeonato Brasileiro de 1977 que perderia nos pênaltis para o regular time do São Paulo.

Estava sem Reinaldo, suspenso por causa de numa expulsão ocorrida um ano antes. Tiraram o processo da gaveta, julgaram e o craque ficou fora do campeonato. Ainda assim, artilheiro com 28 gols, recorde que só seria quebrado por Edmundo, do Vasco, em 1997.

Reinaldo sempre foi a pedra preciosa do futebol, apagada na hora do brilho decisivo. Na final contra o São Paulo, o Atlético não poderia mesmo vencer, pois no lugar de Reinaldo havia de centroavante Joãozinho Paulista, de notória competência em times do futebol nordestino. Foi um dos perdedores de pênaltis diante do goleiro Valdir Peres.

O Campeonato de 1977 ainda era visto em preto e branco. Pelo menos nas imagens que chegavam aqui a Natal, via TV Tupi, a magia de Reinaldo, pequenino e quixotesco nos dribles curtos e arrancadas sobre zagueiros gigantescos feito o Argeu desesperado no lance do sexto gol contra o América.

A conquista do Atlético era aposta cravada. A forte equipe do Vasco, que havia vencido o Campeonato Carioca, perdera em casa para o Londrina que foi enfrentar justamente o Galo nas semifinais para ser eliminado.

O São Paulo despachou o Operário de Campo Grande-MS que tinha Manga, o lendário, em seu gol. Atlético e São Paulo foram à final no Mineirão sem seus artilheiros. Reinaldo havia sido afastado. Serginho Chulapa, do tricolor, havia sido suspenso por agredir um bandeirinha. Pegou um ano de punição.

O Campeonato Brasileiro, com 62 participantes, do Goytacaz de Campos (RJ) ao Fast Clube (AM), era um mercadão montado para atender aos interesses da Ditadura Militar.

Para nós, que frequentávamos o extinto Castelão (Machadão), era uma contradição maravilhosa. Víamos os grandes do Brasil jogando contra ABC e América. O Atlético enfrentou a fúria do volante Chicão e, seu time de meninos criativos (Cerezo, Paulo Isidoro, Marcelo, Ângelo, Heleno, Marinho, Ziza), sentiu o peso do jogo do adversário, treinado sob as táticas de força do técnico Rubens Minelli, bicampeão em 1975 e 1976 com o Internacional de Porto Alegre (RS).

É fato que o sapo daquela tarde chuvosa em Belo Horizonte foi o São Paulo. Fechado, segurou o 0 a 0 até os pênaltis. Reinaldo chorava nas cadeiras especiais, lágrimas de revolta pela ausência que considerava injustificável.

Reinaldo incomodava os tiranos. Comemorava seus gols de punho cerrado, num gesto de provocação ao regime brutal. Parecia gritar pela dor que sentia nos joelhos em frangalhos desde os 18 anos, triturados pelas chuteiras de dois zagueiros em especial – Darci Menezes e Morais – do Cruzeiro.

O Atlético de Reinaldo mandava em Minas Gerais e ganhava todos os títulos estaduais, ele jogando como o Tostão de camisa trocada. Uma elegância genial em fintas de corpo, toques por baixo das pernas dos marcadores, gols suaves. O Fenômeno ferido que valia por 10 Ronaldos midiáticos.

Reinaldo jamais deu uma porrada na bola para fazer um gol. Jogou mal a Copa de 1978. Estava machucado e importaram uma máquina de ginástica, a Náutilus, monstrengo de ferro para fortalecer a musculatura de suas pernas.


Fez gol na estreia e sumiu. Campos esburacados e o esquema tático medroso de Cláudio Coutinho prejudicaram o Rei. Ele foi enchendo o seu coração do fel da revolta, que só lhe faz mal.

Envolveu-se com drogas, meteu-se com movimentos alternativos, frustrou-se na carreira política e nos últimos tempos, é uma foto amarelada do menino dourado que foi. Aos 61 anos neste 11/1, Rei supremo de um território chamado solidão.

PS. A legenda do vídeo marca o ano do gol, 1978, mas a partida valeu pelo Campeonato de 1977 que entrou pelo ano seguinte.

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