por Claudio Lovato Filho
Ele fica lá, sentado no sofá da sala ou deitado no quarto.
Mais tempo na cama.
Sempre com o controle remoto da TV na mão.
A cuidadora já sabe: os óculos para ver TV na sala não são os mesmos usados no quarto.
E ninguém mexe na bandeira pendurada na porta do armário!
Ele fala pouco, só o estritamente necessário, e quase nunca ri; fica num dorme-e-acorda sem fim ao longo de todo o dia e, volta e meia, se recusa a comer, não importa o que lhe seja oferecido.
Mas isso quando o guri não vem. Quando o guri aparece, a história é outra.
O guri que já nem é tão guri assim. Mas é neto, e neto sempre será guri.
E o guri sempre aparece com a camisa do clube (número 11 às costas) ou o boné ou o cachecol ou o agasalho do clube, o clube amado por ambos desde sempre.
Então, ele, o vô, fica falante e ri e come.
Conta histórias que viveu (às vezes acrescenta uma ou outra parte inventada, mas em essência é tudo verdadeiro, muito sincero e muito comovente, porque são coisas preparadas para serem contadas especialmente ao guri).
Histórias do tempo em que ele, o vô, tinha o nome gritado pela torcida no estádio; do tempo em que ele, o vô, fazia muitos gols, a maioria com seu chute forte de canhota, e fazia a torcida enlouquecer de alegria; do tempo em que ele, o vô, usava a camisa do clube amado com o número 11 às costas.
São dias muito felizes, os dias em que o guri aparece.
Ô, se são.
Para os dois.
Assistem aos jogos juntos, e quando o time deles vence – o que tem acontecido bastante ultimamente, porque o time está numa fase muito boa – até bebem uma cerveja ou duas (a do vô, sem álcool – mas tudo bem).
É na hora de o guri ir embora que o clima fica meio triste, mas nada que chegue a tirar a graça do que viveram ali. Não mesmo. O guri sempre vai embora dando garantias de que volta logo. E sempre volta.
No caminho de casa, o guri às vezes tem vontade de chorar. E já aconteceu de chorar mesmo – no Uber, no ônibus.
Ele queria o vô para sempre com ele. Mas sabe que isso é impossível. E então tem vontade de chorar. E às vezes chora mesmo.
“Até já, vô. Fica com Deus”, ele costuma dizer quando se despede.
E o vô sempre responde: “Vai com Deus, guri. Te cuida”.
Então eles aguardam até a próxima vez, sem nunca se separar.
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