por André Mendonça
“Quando eu fui para a China passei a ganhar mais que o Zico, que tinha o maior salário do Brasil”. Com passagens pelas divisões de base do Flamengo e pela equipe profissional do Vasco, José Carlos Muniz Pereira, o Zé Carlos, foi um dos primeiros brasileiros a se aventurar no futebol chinês, especificamente em Hong Kong, na época em que a região ainda era uma colônia inglesa. A transferência para o continente asiático, aliás, é motivo de orgulho para o meio-campo que jogou suas primeiras peladas nas ruas do Catumbi, bairro do Rio de Janeiro.
Filho de dono de time amador na Baixada Fluminense, Zé Carlos nasceu respirando futebol. Desde cedo, já estava na beira dos campos e passou a freqüentar o Maracanã aos sete anos de idade para acompanhar o Flamengo, seu time de coração, apesar do carinho pelo Vasco, clube em que se profissionalizou.
Aos 12, começou a disputar campeonatos na categoria “dente de leite”, defendendo a Associação Atlética Souza Cruz, time da fábrica de cigarros, com muita tradição nas categorias de base. Devido ao talento e ao porte físico semelhante, Zé Carlos passou a ser chamado de “Pelézinho”, pelo narrador Carlos Lima.
– Esses campeonatos eram transmitidos pela extinta TV Tupi! Era muito bacana! Uma oportunidade única para os jogadores que estavam surgindo.
De acordo com o ex-jogador, foi na infância que ele viveu o momento mais mágico da carreira. Como ocorria em todos os Dias das Crianças, em 1970, o Maracanã organizou um campeonato da categoria “dente de leite”, com todas as equipes do Rio. Zé Carlos arrebentou e ajudou a equipe da Souza Cruz a conquistar o título do torneio em um dos maiores palcos do futebol mundial!
– Fiz muitos golaços, conquistei títulos, mas naquele dia eu vivi um sonho! O Brasil tinha acabado de ser tricampeão mundial. Ao pisar naquele gramado, me senti um Pelé, um Jairzinho… Nesse dia comecei a acreditar que poderia virar um jogador profissional!
O bom desempenho na competição chamou a atenção do Flamengo e o menino passou a treinar na Gávea, ao lado de craques como Adílio e Tita. Morando em Belford Roxo, Zé Carlos perdia muito tempo se deslocando até o treino. Além disso, o craque explicou que ainda estava no primeiro ano da categoria em que jogava, de 12 a 14 anos. Sendo assim, teria que esquentar o banco por um bom tempo até as primeiras oportunidades surgirem.
A ansiedade para entrar em campo e mostrar serviço diante das câmeras, no entanto, interrompeu a curta passagem do jogador pelo rubro-negro. Saiu do Flamengo e se transferiu para o maior rival, o Vasco, onde se profissionalizou em 1980.
– Me arrependo disso até hoje! Se tivesse algum assessor para me orientar, teria ficado no Flamengo e teria muitas chances de fazer parte daquele grupo que foi campeão mundial dez anos depois! – lamenta Zé Carlos.
Do que o craque não se arrepende é da transferência para o futebol chinês. Em 1982, aos 24 anos, cheio de gás, o jogador fazia parte do timaço do Vasco. No meio-campo, a concorrência era desleal: Pintinho, Paulo Cezar Caju e Jorge Mendonça. Apesar da qualidade no passe e da visão diferenciada, Zé Carlos tinha poucas chances no meio dessas feras e, por isso, não pensou duas vezes quando recebeu a proposta do Tung Sing.
– Os companheiros perguntavam se eu era maluco, mas eu passei a ganhar em um dia o que eu ganhava no mês inteiro. Não tinha como recusar aquela oferta.
Por pouco, no entanto, o craque não colocou tudo a perder. Quando saiu do escritório após a reunião, o craque, ainda atordoado com a proposta dos chineses, quase foi atropelado por um carro. Passado o susto, Zé Carlos arrumou as malas e partiu para o continente asiático.
Quando desembarcou, uma multidão de jornalistas o esperava na sala VIP do aeroporto de Hong Kong e centenas de máquinas fotográficas eram apontadas para o novo reforço do futebol chinês. Uma recepção de gala, que nem nos sonhos Zé Carlos imaginava.
– Aquilo me surpreendeu e me deixou emocionado! Eu não sabia que era tão importante assim. Na verdade, o futebol brasileiro que estava em alta no mundo todo! É uma história de superação, mostrou que o futebol me colocou no caminho certo!
A adaptação no novo país, obviamente, não foi das mais tranqüilas. Contudo, poderia ser ainda pior se a região não fosse colônia inglesa. Em campo, Zé Carlos sofreu com o estilo de jogo, muito mais veloz que o dos brasileiros, mas logo se adaptou, se tornando ainda mais completo na explorada parte tática. Além das habilidades adquiridas no esporte, o ex-jogador garante que a viagem foi uma baita experiência cultural, contribuindo para a sua formação pessoal.
Depois de um ano na China, Zé Carlos passou mais cinco em Portugal. Defendeu o Sporting Clube Farense e o União de Coimbra, antes de retornar ao Brasil, aos 30 anos, uma idade considerada avançada para o futebol dos anos 80. Mesmo assim, o experiente meia ainda teve passagens por Sampaio Corrêa, Goytacaz e São Cristóvão, antes de penduras as chuteiras e apostar na vida de treinador.
aA carreira de técnico não foi das mais longas, comandou o Queimados, o Heliópolis e o Rio Branco, de Vitória. Depois disso, se tornou um dos primeiros gerentes de futebol do Brasil. Como diretor, tinha como grande trunfo aproveitar jogadores de qualidade que não tinham muitas chances nas concorridas equipes do Rio de Janeiro.
Hoje em dia, Zé Carlos trabalha como diretor de futebol do Duque de Caxias, mas acabou de assumir o cargo de treinador provisório, devido à saída do técnico Cássio. Como a equipe não está disputando nenhuma competição no momento, cabe ao diretor a missão de preparar os jogadores nesse intervalo.
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