por Idel Halfen
Uma das poucas certezas que o marketing nos brinda é a de que as marcas não devem ter um rosto, principalmente se for o de um ser humano, naturalmente suscetível a falhas, o que pode de alguma forma contaminar a marca. Daí a recomendação para que as empresas não restrinjam apenas a uma única pessoa a posição de “embaixador” ou de “endossador”.
Tal afirmação não significa que marcas e empresas não devam ter identidade, o que é completamente diferente, pois esta está relacionada ao posicionamento e à proposta de valor, variáveis imprescindíveis em qualquer mercado.
Esclarecimentos feitos, passemos para o tema que suscitou interessantes debates na última semana: o patrocínio da Havan ao rubro-negro carioca.
Enquanto alguns criticaram a iniciativa pelo fato de o dono da empresa ser um apoiador ferrenho do presidente da república e de suas falas, outros a defendiam sob o argumento de que o que importa é o valor que o clube receberá, algo mais ou menos na linha de que os fins justificam os meios.
Pois bem, inicialmente deve ser registrado que é inconcebível que as pessoas sejam julgadas por possuírem algum posicionamento político – seja de esquerda ou de direita -, aliás, qualquer tipo de generalização a respeito de preferências estritamente ideológicas denota o quão imbecil é o sujeito que a faz.
Contudo, não é salutar que marcas/empresas tenham posicionamento político, cabendo a elas no que tange ao relacionamento com a sociedade focar suas ações nas causas sociais, o que, inclusive, contribui para fortalecer a imagem de uma empresa preocupada com a humanidade.
Embasa tal afirmação o fato de que o patrocínio deve buscar, além da exposição e ativação da marca, a associação dos valores do patrocinado com o do patrocinador, para assim criar uma espécie de simbiose. Neste contexto, o clube passa a usufruir dos atributos do patrocinador, sendo a recíproca verdadeira.
Por isso é tão importante o trabalho de análise das possíveis parcerias sob o prisma do branding, mesmo porque, uma eventual contaminação pode implicar na fuga de outros patrocinadores (efeito co-branding) no caso do clube, ou de clientes no caso da empresa.
Voltando ao caso específico, a Havan pode vir a se tornar um problema para o clube em função do que foi citado no início do nosso artigo: a empresa tem a cara do dono, o qual, pouco se importa em se posicionar politicamente. Aliás, a pouca preocupação com a imagem da empresa já levou seu dono a se manifestar publicamente contra medidas voltadas à inclusão de deficientes em suas lojas.
Por mais que tais atitudes possam ser minimizadas com argumentos de que elas agradam e atraem clientes que comungam das mesmas convicções, não se pode esquecer que a concorrência, ao não tomar partido, agrada e atrai a todos, isto é, não tem rejeição.
Vale ainda relatar que esse problema, embora pareça inédito já ocorreu outras vezes, vide, por exemplo, o caso do Werder Bremen da Alemanha que foi alvo de protestos quando anunciou que a Wiesenhof – empresa de alimentos acusada de maus tratos a animais – seria sua patrocinadora.
Tais situações provavelmente estarão cada vez mais presentes no cotidiano dos clubes, o que faz com que fique evidente a necessidade de modernização do estatuto com cláusulas de compliance que estabeleçam restrições a empresas que possuam envolvimento político e que adotem práticas não-sustentáveis.
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