por Rubens Lemos
O pessimismo atávico passou a me consumir de vez quando o tema é o futebol do Rio Grande do Norte. A fase tétrica de ABC e América, perdendo a moral dentro de casa em derrotas injustificáveis, parece uma gangorra psicológica na qual estar embaixo virou padrão e o sofrimento irmana adversários.
É impossível achar normal o ABC ficar segurando a lanterninha da Série B, após inúmeras chances de deixá-la em jogos tidos e havidos como fáceis e encerrados com fracassos subsequentes. O ABC em campo exibe o ritmo paquiderme dos pré-defuntos. A raça, alma do clube, desapareceu levada na enxurrada da falta de autoestima e de erros infantis e outros por absoluta incompetência.
Se ganha o Criciúma, no Frasqueirão, o ABC poderia sair da Zona de Rebaixamento e até enganou nos primeiros minutos. Seu homem de criação, Matheus Anjos, ensaiou boas jogadas e virou um pobre menino inofensivo, quase o tristonho Zezé, lacrimoso e conformado garoto de bom coração e sempre trapaceado pelos malandros que o cercavam. Do romance Meu Pé de Laranja Lima. de José Mauro de Vasconcelos, um clássico, bem poderia ser intitulado Matheus Anjos, o Garoto Que Nunca Será.
Matheus Anjos está na galeria dos jogadores nos quais recaíram as maiores esperanças da torcida do ABC. Fez duas partidas fantásticas, uma contra o Fortaleza pela Copa do Nordeste outra contra o Grêmio em Porto Alegre na Copa do Brasil. Desconcertante, refinado e, no átimo, desaparecido por questão física ou mesmo pela melancolia que seu rosto de traços finos aparenta.
O camisa 7 Matheus Anjos está perdendo a (minha) confiança. Está parecendo um daqueles satélites que oscilam entre o talentoso e o fugidio, o criativo e o omisso. Contra o Criciúma, de corpo até foi visto em campo. Seu uniforme deve ter sido retirado intacto, sem uma gotícula de suor. Não estou afirmando que é de propósito, não, não e não. Matheus Anjos precisa apenas ser situado de forma correta: como um bom coadjuvante, sem obrigações de levar o time em seu corpo franzino.
É justo o questionamento a ser feito após a opinião acima: se Matheus Anjos seria operário do balé-bola, o ABC teria o protagonista em quem? Em ninguém, caríssimo leitor. É esse vazio motivo agudo para a anemia existencial do bem comportando meio-campista. Falta-lhe o instinto raçudo que a camisa do ABC impõe sobre qualquer jogador, seja dono da bola ou perna de pau.
A insistência em Matheus Anjos é clara cobrança e evidente decepção pela fama criada que acabou se tornando trivial na grama. E, em qualquer time em crise, a cobrança recai sobre aquele que, pelo menos em tese ou pálida exaltação, é ou seria o homem ideal para ressuscitar o time.
Há muito mais a se consertar no ABC: o tempo, outro oponente, é invencível. Maldade o que se faz com a Frasqueira após cada derrota: calma que tem outra rodada. Derrota consumada, lá vem as carpideiras desafiando a verdade: O ABC vai se recuperar, afinal, faltam mais de 20 rodadas.
Gosto do estilo sóbrio e pontual do novo Diretor de Futebol Marcelo Segurado, que, todo dia ao despertar, luta para corrigir os erros terríveis cometidos por seu antecessor, unha e cutícula com o ex-técnico numa dobradinha de aspectos e efeitos macabros.
Veterano, Segurado não vai cair na besteira de trazer outro caminhão de cabeças de bagre. Ele próprio afirma que é “chato”para contratar. Deve examinar até a unha encravada do boleiro. Está certo, acontece que está ficando impossível reabastecer o combustível da confiança extrema, daquele fanático de camisa surrada, dinheiro contato para a cachaça e gogó sempre firme para gritar que vai ser bom e depois esbravejar que foi uma porcaria.
O ABC sabe o quanto custou subir à Série B. O equívoco foi entender que a obra teria sido somente do ex-entregador de camisas e atitudes arrogantes. O ABC sabe, seus homens estão convictos mesmo sem admitir, que o pessimismo é realista e que a terra arrasada de agora começou a ser dizimada nos descaminhos da dupla que recebeu poderes máximos e devolveu sofrimento ao povo.
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