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PÊSAMES À BOLA

26 / novembro / 2020

por Rubens Lemos


Quando se tem 16 anos, sonhar é ver o mundo do tamanho de um campo de futebol. Qualquer paixão de relance é a última e sem direito a segundas opções. Nem mais menino, nem ainda homem feito, o menor prazer é a escritura do paraíso, até para aqueles que recolhem as emoções do peito como os segredos de velhos papéis adormecidos no baú dos tataravós. 

Aos 16 anos, eu era apenas 11 contra 11. A infância pobre não me permitia o luxo das boates e os trocados contados pela minha avó Maria do Carmo caíam todas as tardes de domingo na bilheteria 8 do estádio Castelão (Machadão). Em 90 minutos, dava para esquecer as angústias da rotina leniente e as decepções sufocadas. Paixões platônicas mal disfarçadas pelo silêncio da timidez. 

E foi aos 16 anos que pensei em invadir a Argentina e naturalizar Maradona. Por despeito e amargura, vira Zico, o meu segundo Pelé, cair como Quixote no gramado de Jalisco, no México, na derrota cruel para os franceses, dolorosas como os fracassos impostos por erros em pênaltis. 

E, com 16 anos e a unanimidade dos sonhos acesos, esperava sentir o que o coração não havia gozado em 1970, ano da graça de qualquer fanático brasileiro. Nascera um mês e meio depois, imediações dos dias em que Pelé, Gerson, Rivelino, Tostão, Jairzinho e Paulo Cézar Caju, sexteto em flores, deixavam de quatro quem ousasse correr atrás deles. 

Havia derramado lágrimas sofridas, impregnadas de morte, no 5 de julho em que o italiano camisa 20 Paolo Rossi nos mandou de volta da Espanha para os cafundós da melancolia, em 1982. 

Me considerava no ponto de comemorar, aos 16 anos de idade e ilusões. Ainda havia para mim João Saldanha comentando pela Rede Manchete. Saldanha implacável com a teimosia siderúrgica do técnico Telê Santana em manter Casagrande  no time e deixar Muller na reserva nos dois jogos iniciais. Zico, joelhos estourados, chama de um time mediano que morreu aos pés franceses num 21 de junho de final bisonho. 

Sozinho, numa Argentina medíocre, Maradona conquista com a pé esquerda, a mão ungida de malícia e o balé debochado de um mito, a Copa do Mundo que parecia tão minha em 1986. Ano em que Maradona foi o que Garrincha exibiu em 1962 e Romário apresentou em 1994.

A diferença é que Mané Garrincha, só vi em filmes chuviscados e depoimentos encantados dos antigos de amor à bola. Contra a Inglaterra, Maradona fez o gol dos gols, arrancando da intermediária, driblando até a Armada da Inglaterra e construindo uma obra de Antônio Berni, o pintor argentino do século passado. 

Em 1994, Romário poderia ter perdido o Tetra se Maradona, flagrado no exame antidoping, não tivesse sido excluído do futebol. Era líder de um timaço, que, sem ele, se deixou vencer pela saudade calorosa e arrebatadora como as emoções portenhas. 

Em viagem de trabalho, 1996 e aos 26 de idade, estive na Bombonera, vendo Maradona  perder um pênalti pelo Boca Juniors contra o Racing, vencedor por 1×0 em jogada de contra-ataque.

Maradona parado nas imediações da intermediária, repertório aberto de passes perfeitos desperdiçados pelo loiro Caniggia e o camaronês Tchami no ataque. 

Os aplausos para Maradona soavam tango triste de Carlos Gardel e paixão furiosa de peronistas. Eliminado, mas sempre Diego, o herói das causas indecifráveis. O homem trágico da natureza hermana. 

Maradona virou pó. De cocaína. Seu aspecto chegava à linha de fundo da degradação. Perdia o senso mínimo do respeito a si mesmo. Treinou times, brigou, xingou, meteu-se em idealismo sem base alguma.

Ser humano, apenas, foi anulado pelos vícios. Morto, Maradona deixa com Messi o cetro natural da sucessão. Deus é pai e bom treinador. Jamais abriria mão de um meia-esquerda feito inteirinho por ele. Pêsames à viúva bola, amante fascinada e libidinosa.

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