por André Felipe de Lima
Pelé começou a chamar a atenção da imprensa esportiva no começo de 1957. Tinha somente 16 anos. A grafia do apelido do craque era sempre confundida pelos jornais e revistas esportivas. No começo escreviam “Pelê”, com o famoso “chapéu do vovô”, o bom e velho acento circunflexocarimbado na segunda letra “e”. O garoto estava jogando uma barbaridade, mas ninguém acertava o nome dele. No Torneio Rio-São Paulo — conquistado pelo Fluminense no primeiro semestre de 57 —, ele desabrochara de vez.
O menino prodígio do Santos mostrava-se um jogador de futuro. Só que nem ele e tampouco os mais sabichões sobre futebol imaginavam que o “futuro” seria coroado com o ouro mais maciço e raro do mundo. Algo que somente aqueles que reluzem algo divino podem ostentar. Pois bem,não erraram mais o nome dele e Pelé acabou convocado para a Copa Rocca, tradicional disputacontra os argentinos, que valia um lindo e pesado troféu.
No dia do primeiro jogo contra nossos vizinhos, no dia 7 de julho, o treinador Sylvio Pirillo, que também era técnico do Fluminense campeão do “Rio-São Paulo”, estava diante de um jogo amarrado, com os argentinos a ponto de meterem a primeira nas redes do goleiro Castilho, e foi o que aconteceu aos 29 minutos do primeiro tempo, pelos pés do já veterano Labruna. Pirillo olhou para o banco e chamou o garoto, que imediatamente levantou-se, ouviu as recomendações do técnico e, certamente, deve ter dito o proverbial “Deixa comigo, seu Pirillo”.
Saiu Del Vecchio, que não estava jogando lhufas, entrou Pelé, que pela primeira vez vestia a camisa da seleção brasileira. Logo aos 32 minutosmostrara quem era ao marcar o primeiro de muitos outros gols que fariam do nosso escrete o mais respeitado do planeta.
O Brasil perderia aquele jogo para os argentinos (2 a 1), mas ganharia o seguinte e a posse da Copa Rocca. Mas o reino mágico do futebol também teria — após aqueles dois jogos contra os nossos maiores rivais — o seu príncipe, que dois anos depois seria devidamente coroado o rei do futebol.Único, insubstituível e eterno. Mas não é essa a pauta principal deste artigo. Deixei propositadamente para o final o tema mais emblemático. Preferi antes contextualizar o Pelé naquele ano que antecedia a Copa do Mundo da Suécia para, depois, falar das ações empregadas pelo seu descobridor, o também craque do passado Waldemar de Brito.
Dondinho, pai do Pelé, estava preocupado com o futuro do filho no futebol. O garoto tinha apenas 15 anos, porém restringia-se somente àquela lengalenga entre o Bauru Atlético Clube e o Noroeste, os dois rivais da cidade do interior paulista, onde vivia Pelé com sua família.
O grande técnico Tim, que igualmente ao Waldemar também era amigo de Dondinho, ouviu falar do talento do menino e foi à Bauru tentar convencer o pai de Pelé para que o menino viajasse com ele ao Rio de Janeiro com o único intuito de defender o Bangu. Tim garantira a Dondinho que logo que o rapaz completasse 16 anos o escalaria imediatamente no time principal.
Dondinho viu o brilho nos olhos do menino e respondeu a Tim que, por ele, tudo bem, poderia levar Pelé para jogar pelo Bangu, o time treinado pelo próprio Tim. Dondinho pediu licença ao amigo e foi à cozinha consultar Celeste, a mãe do garoto. Ela largou a panela no fogo, enxugou as mãos e foi à sala ver o que acontecia. Ouviu o pedido de Tim, percebeu o sorriso nos lábios do Pelé e do marido, mas disse um sonoro “não”. Dondinho e Tim ponderaram com Celeste, que abraçada a Pelé, mostrava aos dois que ali estava um menino que ainda vestia calça curta e que ainda era muito imaturo para sair mundo a fora correndo atrás de uma bola de futebol.
Resignado, Dondinho acatou a decisão de Celeste,e quanto ao Tim, restou-lhe um café e, em seguida, deixar a casa da família Arantes do Nascimento sem Pelé a tiracolo. Essa história — pouco ou nada difundida ao longo das décadas — é descrita por Mario Filho no livro Viagem em torno de Pelé (1963).
A abordagem do Tim não é narrada por nenhuma outra biografia do Pelé traduzida em livro e nem por reportagens mais complexas sobre a vida dele. Eu, pelo menos, não a identifiquei em nenhum deles, exceto na escrita pelo Mario Filho. Também não identifiquei em nenhuma deles (livros ou reportagens), inclusive na do próprio jornalista que empresta o nome ao estádio do Maracanã, a informação de que Pelé por muito pouco não embarcaria para o Parque Antarctica ao invés de seguir para a Vila Belmiro.
Reportagem da revista Manchete Esportiva, de julho de 1957, é categórica sobre a “promessa” Pelé que acabara de brilhar no escrete montado por Pirillo para a Copa Rocca: “Mas o Noroeste não quis aproveitá-lo na equipe superior devido àpouca idade. Diante disso o Pelé voltou para São Paulo e treinou no Palmeiras, mas Aimoré (o técnico Aymoré Moreira) estava viajando e o diretor de futebol Arnaldo Tirone mandou-o embora por julgá-lo jogador sem méritos, dando-lhe vinte cruzeiros para o lotação. Pelé então foi para o Santos, por conselho do próprio Waldemar (de Brito) e em poucos treinos agradou inteiramente e jogou alguns jogos do Torneio Rio-São Paulo (que seria conquistado pelo Fluminense) com um contrato provisório.”
Dondinho e Waldemar de Brito não estão mais entre nós para confirmar a história do Pelé quase alviverde. Muita gente já havia especulado que o craque teria sido dispensado pelo Corinthians. O Rei sempre negou essa informação, que, na verdade, sequer foi oficialmente publicada, nem mesmo como especulação. Tudo ficara restrito ao bastidor, ao disse-me-disse. Mas essa rocambolesca história — extremamente relevante para a biografia do Pelé, frise-se — de que ele teria sido dispensado pelo Palmeiras é novidade. Pelo menos para mim. Pelé poderia confirmá-la. Já imaginou o Rei jogando ao lado de Ademir da Guia? O que a história reservaria para o Santos sem Pelé e o Palmeiras com ele? Essas intrigantes perguntas, amigos, só mesmo Deus para respondê-las no dia do Juízo Final, ou, na hipótese mais jocosa, o “apito” final do Cara lá de cima.
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