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PALHINHA, MAIS LÁGRIMAS

23 / julho / 2023

por Rubens Lemos

Soube da morte, aos 73 anos, de Wanderley Eustáquio de Oliveira, o Palhinha, causada por uma infecção não detalhada pela mídia digital. Palhinha era um dos meus ídolos.

Fez duplas encantadoras com Dirceu Lopes no Cruzeiro, Sócrates no Corinthians e Reinaldo no Atlético Mineiro.

Veteraníssimo, fez parte do Vasco campeão de 1982 na reserva de Roberto Dinamite e, vez por outra, trocando figurinhas com um jovem de 18 anos que seria o mais habilidoso da história cruzmaltina: Geovani.

Mais novos lamentaram pelo outro Palhinha, aquele que jogou no São Paulo de Telê Santana, no Cruzeiro, Grêmio, no Flamengo. Deus o conserve vivo. O Palhinha morto jogava bem mais do que ele.

Habilidade incomum, contava com a desconcertante malandragem aliada à coragem de bater em beques que o agrediam. Sua grande fase foi nos anos 1970 e 70.

Meus ídolos estão indo embora e chorei por Palhinha. Chorar é a alma que sangra sem contenção emocional, reveladora de minha devoção aos estilistas responsáveis pela minha felicidade menina. E meu estado de espírito. Chorei por Palhinha do jeito que chorei por Roberto Dinamite. Por Pelé, chorei quase uma semana.

Mudou o futebol, estou envelhecendo e começando a temer quem eu – na idiotice dos meus 30 anos -, achava poder questionar: o fim, a ida sabe-se lá para onde. Religiões inteiras tentam nos seduzir pintando céus e nuvens com arcanjos tocando harpas.

Outras, tentam se impor pelo medo, assombram, exibindo cadáveres e supostos depoimentos sobrenaturais, cutucando: sofreremos tanto quanto em vida em caso de suicídio, cujo tratamento, lúcido , deve ser médico e científico. Quem se mata, cansou de lutar pra viver.

Me coloquei na situação do Íbis, o pior time do mundo, goleado em duas divisões: vivo e defunto. Não vou duvidar, mas acho injusto e egoísta.

É preciso alguém sair da catacumba e esclarecer de uma vez por todas o que nos espera, se o paraíso ou o inferno. Se vamos sofrer antes e depois de virar alma penada.

Talvez, conceder uma entrevista coletiva espiritual e dirimir dúvidas de forma concisa e definitiva, conforme ensinam os manuais de boa comunicação.

O Corinthians passou 23 anos sem título e em 1977, seu time poderia ser chamado de medíocre, não fosse a bombástica contratação de Palhinha. De camisa 10, malandro, driblando, cavando pênaltis e faltas na entrada da área adversária, liderou os companheiros até a decisão em três jogos contra a Ponte Preta, que era bem superior.

No primeiro jogo, a sorte que sempre foi coligada ao seu talento, levou Palhinha a fazer o gol da vitória do Timão, cabeceando sem querer um chute do goleiro Carlos que fez a bola entrar, quebrando seu nariz.

No dia 13 de outubro, o Corinthians venceu por 1×0, gol do predestinado Basílio e Palhinha estava ausente. A foto do título – é a que vale -, não tem a fera do time. Dois anos depois, um Anjo Magro apareceu e, com Palhinha, construiu tabelinhas geniais.

A Ponte Preta apanhou outra vez, desta vez por 2×0, Palhinha fazendo um golaço e compensando a falta do confronto anterior. Armou a jogada do segundo gol, de Sócrates.

Vibrei com Palhinha e Reinaldo enfrentando o Flamengo de Zico e, na maioria das vezes, perdendo para a arbitragem. Palhinha honrava a camisa 10 nos dribles em centímetros e na antevisão dos lances, pensando antes e matando seus adversários. Reinaldo foi uma luz esplêndida e apagada pelas cicatrizes produzidas no seu corpo franzino.

Nada igual a um dos maiores zagueiros do mundo, o chileno Don Elias Figueroa. Do Internacional. Perguntado sobre qual atacante lhe causara mais infortúnios, foi taxativo: “Palhinha. Cobra dribladora que revidava a cada pancada dada por mim.”

Dos meus times de botão e de televisão em preto e branco, perdi, Orlando Lelé, Geraldo, Dirceuzinho, Jorge Mendonça, Roberto Dinamite, Toninho Baiano, Figueiredo e Geraldo Assobiador do Flamengo, Doval, Carlos Alberto Torres, Cléber, Zezé e Gilson Gênio do Fluminense, o esteta Mendonça do Botafogo.

Do ABC, Alberi, Moraes, Erivan, Demolidor, Dedé de Dora, Lulinha goleiro, Berg. Por cada um deles eles, choro. Lavando a tristeza que a cada dia mina minhas parcas forças. A esperança é o reencontro, se existir, como garantem os oradores da fé e eu duvido. Por ora, choro Palhinha. E aguardo, disciplinado, pela minha vez.

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