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PALHINHA, MAIS LÁGRIMAS

por Rubens Lemos

Soube da morte, aos 73 anos, de Wanderley Eustáquio de Oliveira, o Palhinha, causada por uma infecção não detalhada pela mídia digital. Palhinha era um dos meus ídolos.

Fez duplas encantadoras com Dirceu Lopes no Cruzeiro, Sócrates no Corinthians e Reinaldo no Atlético Mineiro.

Veteraníssimo, fez parte do Vasco campeão de 1982 na reserva de Roberto Dinamite e, vez por outra, trocando figurinhas com um jovem de 18 anos que seria o mais habilidoso da história cruzmaltina: Geovani.

Mais novos lamentaram pelo outro Palhinha, aquele que jogou no São Paulo de Telê Santana, no Cruzeiro, Grêmio, no Flamengo. Deus o conserve vivo. O Palhinha morto jogava bem mais do que ele.

Habilidade incomum, contava com a desconcertante malandragem aliada à coragem de bater em beques que o agrediam. Sua grande fase foi nos anos 1970 e 70.

Meus ídolos estão indo embora e chorei por Palhinha. Chorar é a alma que sangra sem contenção emocional, reveladora de minha devoção aos estilistas responsáveis pela minha felicidade menina. E meu estado de espírito. Chorei por Palhinha do jeito que chorei por Roberto Dinamite. Por Pelé, chorei quase uma semana.

Mudou o futebol, estou envelhecendo e começando a temer quem eu – na idiotice dos meus 30 anos -, achava poder questionar: o fim, a ida sabe-se lá para onde. Religiões inteiras tentam nos seduzir pintando céus e nuvens com arcanjos tocando harpas.

Outras, tentam se impor pelo medo, assombram, exibindo cadáveres e supostos depoimentos sobrenaturais, cutucando: sofreremos tanto quanto em vida em caso de suicídio, cujo tratamento, lúcido , deve ser médico e científico. Quem se mata, cansou de lutar pra viver.

Me coloquei na situação do Íbis, o pior time do mundo, goleado em duas divisões: vivo e defunto. Não vou duvidar, mas acho injusto e egoísta.

É preciso alguém sair da catacumba e esclarecer de uma vez por todas o que nos espera, se o paraíso ou o inferno. Se vamos sofrer antes e depois de virar alma penada.

Talvez, conceder uma entrevista coletiva espiritual e dirimir dúvidas de forma concisa e definitiva, conforme ensinam os manuais de boa comunicação.

O Corinthians passou 23 anos sem título e em 1977, seu time poderia ser chamado de medíocre, não fosse a bombástica contratação de Palhinha. De camisa 10, malandro, driblando, cavando pênaltis e faltas na entrada da área adversária, liderou os companheiros até a decisão em três jogos contra a Ponte Preta, que era bem superior.

No primeiro jogo, a sorte que sempre foi coligada ao seu talento, levou Palhinha a fazer o gol da vitória do Timão, cabeceando sem querer um chute do goleiro Carlos que fez a bola entrar, quebrando seu nariz.

No dia 13 de outubro, o Corinthians venceu por 1×0, gol do predestinado Basílio e Palhinha estava ausente. A foto do título – é a que vale -, não tem a fera do time. Dois anos depois, um Anjo Magro apareceu e, com Palhinha, construiu tabelinhas geniais.

A Ponte Preta apanhou outra vez, desta vez por 2×0, Palhinha fazendo um golaço e compensando a falta do confronto anterior. Armou a jogada do segundo gol, de Sócrates.

Vibrei com Palhinha e Reinaldo enfrentando o Flamengo de Zico e, na maioria das vezes, perdendo para a arbitragem. Palhinha honrava a camisa 10 nos dribles em centímetros e na antevisão dos lances, pensando antes e matando seus adversários. Reinaldo foi uma luz esplêndida e apagada pelas cicatrizes produzidas no seu corpo franzino.

Nada igual a um dos maiores zagueiros do mundo, o chileno Don Elias Figueroa. Do Internacional. Perguntado sobre qual atacante lhe causara mais infortúnios, foi taxativo: “Palhinha. Cobra dribladora que revidava a cada pancada dada por mim.”

Dos meus times de botão e de televisão em preto e branco, perdi, Orlando Lelé, Geraldo, Dirceuzinho, Jorge Mendonça, Roberto Dinamite, Toninho Baiano, Figueiredo e Geraldo Assobiador do Flamengo, Doval, Carlos Alberto Torres, Cléber, Zezé e Gilson Gênio do Fluminense, o esteta Mendonça do Botafogo.

Do ABC, Alberi, Moraes, Erivan, Demolidor, Dedé de Dora, Lulinha goleiro, Berg. Por cada um deles eles, choro. Lavando a tristeza que a cada dia mina minhas parcas forças. A esperança é o reencontro, se existir, como garantem os oradores da fé e eu duvido. Por ora, choro Palhinha. E aguardo, disciplinado, pela minha vez.

NO SEU BOTECO PREFERIDO – BIGORRILHO

por Mauro Ferreira

Botequins guardam em silêncio e a sete chaves a doce e exclusiva ciência de reunir o improvável. Na tentativa também improvável de revelar esses segredos e entender sua relação com a bola, iniciamos a série esportiva/etílica/investigativa “Museu da Pelada no seu boteco preferido”. Através de rodadas e mais rodadas de chope, petiscos e resenhas, vamos passear pelo espaço da conversa fiada e afiada, da cornetada sacana, das comparações entre o melhor e o pior, do mais gostoso e o “nem tanto assim”; do bom e do ruim, do pereba e do “joga pra caralho”. E, se rolar um pandeiro, um cavaco e um tamborim, a hora de acabar a resenha será sempre a manhã do amanhã de um dia qualquer…

No primeiro episódio… BIGORRILHO

Sexta-feira, hora do almoço. A calçada em frente à Praça General Osório, no Leblon, reúne uma fauna diversa. Advogados, jornalistas, atores, publicitarios e jogadores de futebol discutem temas variados e da maior relevância para o futuro da nação.

“Quem era melhor: Calçada ou Eurico?” Paulo Reis advogado do Vasco nos tempos em que a Colina tremia, sentencia: “Eurico como vice de futebol, Calçada como presidente”. É a resposta salomônica própria dos causídicos.

Os temas se sucedem. Chega a vez de Moreira propor novo debate. Lateral do Botafogo, cabelo tratado na tintura para disfarçar a idade, dispara: “Zico ou Fio Maravilha?” Sentado em um banquinho de barril de chope em volta de uma mesa de caixotes de cerveja, Carlos Alberto Pintinho reage indignado: “Moreira, cê tá de sacanagem, né?” Carlos Roberto, Acácio e Nielsen acompanham a indignação de Pintinho. “Oh, senhor Deus, perdoa. Ele não sabe o que diz”, reforça Carlos Roberto.

Por traz dos óculos de grau, Romulo, dono do Bigorrilho, boteco raiz cravado no número 814 da Ataulfo de Paiva, sorri como um menino. Homem criado entre os gráficos do mercado financeiro, resolveu comprar o estabelecimento para não ter que enfrentar outro gráfico: o eletrocardiograma de seu cardiologista. “Isso aqui não é um negócio. É minha terapia. Me salvou. Eu ia morrer se continuasse na bolsa”.

A resenha não para. Seis da tarde, e chegam mais e mais frequentadores ilustres . David Pinheiro, o Sambarilove da Escolinha do Professor Raimundo, se junta à turma. Vira tiete, pede foto, autógrafo, e entra no debate munido de um copo de uísque “on the rocks”: “Preciso deixar a mente leve. A turma aqui tem conhecimento”.

Os temas se sucedem. Risos, gargalhadas, causos, discussões. No calçadão da Ataulfo, o Bigorrilho brilha em luz verde. Todos os dias. Mas, na sexta-feira… na sexta, na hora do almoço, a luz é bem mais intensa.

E é só chegar. O Romulo recebe com sorriso de menino levado e feliz estampado no rosto.

“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 19

por Eduardo Lamas Neiva

Zé Ary desta feita é que distribui o jogo, lançando um tema à mesa de nossos 4 amigos.

Garçom: – Igual ao Dener, muitos craques brasileiros partiram da Terra muito cedo, né?

Sobrenatural de Almeida: – Com morte eu nunca me meti, nem olhem pra mim. Minha influência sempre foi só dentro do campo. E nunca pra machucar ninguém.

João Sem Medo: – Você disse que de mata-mata entende, Almeida.

Todos riem.

Sobrenatural de Almeida: – Sim, matar time, goleiro, atacante, torcedor no sentido figurado, está aqui o Ceguinho pra não me deixar mentir. Em cada lance que interfiro é um Deus nos Acuda!(dá sua risada medonha)

João Sem Medo: – Então tá bom. Mas agora o papo é sério e não tem sentido figurado. Alguns foram embora no auge de suas carreiras. Como o Eduardo, ponta-esquerda muito habilidoso que jogou no América do Rio e foi depois pro Corinthians e acabou morrendo num acidente de carro, lá na Marginal do Tietê.

Idiota da Objetividade: – No acidente automobilístico, ocorrido no dia 29 de abril de 1969, também faleceu Lidu, lateral-direito. O Corinthians fazia bela campanha no Campeonato Paulista de 1969, quando os dois faleceram.

Garçom: – Parece que teve um problema com o Palmeiras depois…

João Sem Medo: – Foi feia a coisa, muito feia.

Idiota da Objetividade: – Com a perda dos dois jogadores, o Corinthians pleiteou junto à Federação Paulista a contratação de substitutos, o que só seria permitido pelo regulamento com a unanimidade dos outros clubes, pois as inscrições para a competição já haviam se encerrado. Quase todos concordaram, apenas o presidente do Palmeiras na época, Delfino Facchina, votou contra. Revoltado, o presidente do Corinthians, Wadih Helu, chamou o palmeirense de porco.

João Sem Medo: – Merecidamente. Foi até pouco.

Ceguinho Torcedor: – Na primeira partida entre os dois times depois deste episódio, soltaram um porco no gramado do Morumbi e a torcida do Corinthians começou a gritar “Porco, Porco”.

Garçom: – Que atitude feia do presidente do Palmeiras.

Ceguinho Torcedor: – Muito. Mas muitos anos depois a torcida do Palmeiras resolveu adotar o apelido e a história ficou meio apagada.

Músico: – Já que o assunto é a rivalidade entre Corinthians e Palmeiras, vamos chamar de volta ao palco o Teixeirinha?

É aplaudido novamente.

Teixeirinha: – Em matéria de rivalidade, eu e minha amiga Mary Terezinha, que está lá no Mundo Material, entendemos muito bem. Vamos então de “Bom de Bola”, de minha autoria, música que gravei no LP “Carícias de amor”, lançado em 1970, o ano do tri. Não reparem nas “ofensas”, por favor. Hahaha

Todos riem.

Muitas risadas durante a música e aplausos gerais ao fim.

Teixeirinha: – Muito obrigado. E a palavra volta ao comando de quem?

Todos, em uníssono, imitando a antiga vinheta da Rádio Globo do Rio de Janeiro: “João Saldaaaaanha!” João Sem Medo ri, faz seu sinal característico para Teixeirinha e inicia sua fala como começava seus comentários nos áureos tempos de rádio.

João Sem Medo: – Meus amigos, o Flamengo era chamado de urubu por torcedores adversários. Era um apelido racista, fazia referência ao grande número de negros na torcida rubro-negra. Mas quando os flamenguistas assumiram o urubu como mascote, os rivais se esqueceram do apelido pejorativo e racista. Foi mais ou menos o que a torcida do Palmeiras fez em São Paulo, embora o motivo do apelido fosse bem diferente.

Sobrenatural de Almeida: – O apelido acabou num jogo contra o teu Botafogo, João.

Ceguinho Torcedor: – É verdade!

Idiota da Objetividade: – No dia 1º de junho de 1969, Flamengo e Botafogo se enfrentaram no Maracanã pelo Campeonato Carioca daquele ano. O time rubro-negro não vencia o alvinegro há nove jogos e seus torcedores continuavam ouvindo dos torcedores rivais que eram “urubus”, pelos motivos que o João já mencionou. Mas naquele domingo, alguns torcedores do Flamengo pegaram um urubu num lixão e levaram para o Maracanã. Antes de os times entrarem em campo, a ave foi solta com a bandeira do clube presa a uma das patas e os rubro-negros no estádio foram à loucura gritando “é urubu, é urubu”. O Flamengo acabou com o jejum vencendo por 2 a 1 e, com a charge do rubro-negro Henfil no Jornal dos Sports, o urubu passou a ser adotado como um dos símbolos do time.

Garçom: – Sobre outro Flamengo x Botafogo, de muitos anos depois, a final do Campeonato Brasileiro de 1992, Edu Kneip descreveu musicalmente em “Baile do Urubu”. Vou pôr aqui em especial pros flamenguistas aqui presentes, mas quem não é pode curtir também.

O DIA EM QUE ME TORNEI TRICOLOR

por Paulo-Roberto Andel

Ainda me lembro do exato momento em que me tornei Fluminense, há 50 anos: meu pai veio me mostrar um álbum de figurinhas da Copa de 1970 e abriu na página da Seleção Brasileira. Apontou e disse: “Esse é o Félix, ele é do Fluminense”. Desde então, essas duas palavras nunca mais saíram da minha memória, Félix e Fluminense. Eu não me apaixonei pelo escudo, pelas cores ou pelas bandeiras, mas pela palavra – e se coincidência não existe, está explicado porque, muitos anos depois, escrevi vários livros sobre o clube.

Cheguei em 1973 e o Flu já tinha uma história maravilhosa. Embora não seja o primeiro clube de futebol do Brasil, foi o pioneiro de tudo: inventou os campeonatos, o estádio, a torcida, o cuidado com a grama – pelo impecável burro Faísca -, o ídolo – e sex symbol – e, por fim, a Seleção Brasileira, para quem forneceu dezenas de jogadores nas Copas do Mundo.

Provando sua vocação suprema para o futebol, o Fluminense logo tratou de ganhar muitos títulos na era do amadorismo. Depois deu um tempo e, quando veio o profissionalismo, montou aquele que provavelmente foi o maior time de sua história, dominando o Rio de Janeiro em fins dos anos 1930 – e se não fosse a Segunda Guerra Mundial, o Brasil era candidato certo a ganhar o Mundial de 1942 com um escrete tipicamente tricolor. E já que a guerra veio, o Fluminense colaborou com um avião de combate para o Brasil. No fim dos anos 1940, a Taça Olímpica deu ao Flu o título de perfeita organização desportiva. Quando o futebol brasileiro foi reduzido a pó na Copa de 1950, correndo grande risco até de desaparecimento, veio o Fluminense e ganhou o Mundial de Clubes, reacendendo o interesse popular pelo esporte.

Desde então, o Fluminense viveu de tudo, tal como um verdadeiro ator de cinema: ganhou e perdeu grandes títulos, foi condenado à morte com rebaixamentos mas ressuscitou para sempre, teve dezenas de grandes craques, vários perebas, lutou muito e atravessou décadas. Foi às vias de fato, encarando a luta. Time de guerreiros. Tudo isso foi testemunhado pela maravilhosa massa tricolor, muitas vezes imersa na mais apaixonante nuvem de pó de arroz que já se tem notícia. O grande Flu dos clássicos imortais, de times inesquecíveis como a Máquina Tricolor de 1975/17, a mocidade independente de 1980 e o grande grupo tricampeão carioca e campeão. O time do gol de barriga, os campeões da Copa do Brasil em 2007, o vice-campeão da Libertadores em 2008, os dois títulos brasileiros em 2010 e 2012, mais o recente bicampeonato carioca em 2022/23.

O Fluminense é o time dos gols no último grão da ampulheta, das vitórias inacreditáveis, dos heróis improváveis. É o time da playboyzada que não se limita aos bairros nobres – é muito mais um estilo do que qualquer outra coisa. O time das garotas mais bonitas de todos os tempos, não importando se têm 18, 27, 42 ou 66 anos. O time que, por sua longa trajetória, já irritou e contrariou as redações e estúdios de boa parte da imprensa convencional. De Waterman a Welfare, depois passando por Batatais e Romeu, Rivellino e Edinho, Assis e Washington, Renato e Romário, até agora desembocar em Arias e Cano, o Tricolor é sonho, realidade, drama, conquista e emoção, tudo isso envolto em três cores que contam a história do futebol brasileiro há 121 anos.

@pauloandel @p.r.andel

LUIZA CALAZANS ENTRE OS PROGRESSOS E DESIGUALDADES DO FUTEBOL FEMININO

Aos 17 anos, já no time principal do Fluminense, ela conta as dificuldades e gratificações na decolagem profissional

por Maria Clara Baroni e Ursula Villela

Foto: Daniel Brasil

​Maria Luiza Calazans de Faria tem 17 anos e já conquistou seu espaço no time de futebol profissional do Fluminense. Mas a história da jovem no esporte não é algo recente. Ela começou a jogar bola junto com a irmã gêmea, Duda Calazans, com apenas quatro anos de idade, em uma quadra na frente de sua antiga casa. A largada teve uma influência significativa do pai e do irmão, que haviam jogado profissionalmente, e da irmã mais, que até já foi convidada para jogar fora do país.
Apesar desse DNA, Maria Luiza enfrentou, como a maioria das jogadoras, preconceitos estruturais. Desde que o mundo é mundo, o gênero feminino encontra diversas dificuldades na busca da igualdade. No universo esportivo, não é diferente. Pelo contrário, a ideia de que o futebol é “coisa de menino” ainda está enraizada na sociedade. Assim, mesmo depois de escutar durante muito tempo opiniões machistas e preconceituosas sobre o desejo de se tornar jogadora, Luiza persistiu.
Aos 10 anos, encarou a primeira peneira e entrou para o Fluminense. A rede de apoio formada por familiares e amigos próximos ajuda a superar discriminações e os desafios para conciliar as rotinas esportiva, escolar, familiar, social.

Enquanto busca o amadurecimento técnico, tático e físico, a jovem atleta sonha, é claro, em “alcançar a seleção brasileira principal”, que busca o primeiro caneco mundial da Copa da Austrália e da Nova Zelândia, entre 20 julho e 20 de 20 julho. Ela também quer jogar no Lyon, da França, uma das referências mundiais em futebol feminino, com oito título da Liga dos Campeões, principal competição de clubes do mundo.

O sonho é embalado, aos poucos, pelo empenho nos treinos e pelos primeiros títulos: o Sul-Americano do ano passado, pela seleção brasileira sub-17 e o Brasileiro sub-19, pelo Fluminense, em 2020. O clube carioca foi seu primeiro e único que já jogou – está jogando há 6 anos no mesmo time. Há seis anos no clube carioca, ela aponta a melhor estrutura às atletas como uma das principais diferenças que marcaram a transição da base para a equipe profissional. Recém-promovida ao elenco que vai disputar a Série A1 nacional no próximo ano, ela conta, no papo reproduzido abaixo, a dureza de conjugar os estudos e os treinamentos, a perseverança que venceu a desconfiança alheia, a alegria de chegar à divisão de elite nacional. Também anima-se com os avanços do futebol feminino no país, mas reconhece a montanha de desigualdade ainda por superar.

Como era a rotina na base do futebol feminino tricolor?

O Fluminense tinha uma parceria com a Daminhas da Bola, iniciativa que apoiava o desenvolvimento educativo e prático do futebol feminino no Brasil. A gente estudava de manhã cedo e depois partia para o núcleo de treinamento das categorias de base do clube, em Xerém (município de Duque de Caxias). A maioria das meninas estudava em um colégio em Caxias. A gente saía da aula, esquentava a comida na escola, pegávamos o ônibus às 12h30 e chegávamos a Xerém por volta das 13h30. Começávamos a treinar às 14h. Quando o treino era nas Laranjeiras, saímos mais cedo da escola.

Como era estrutura esportiva, além dos treinos em campo?

Que desafios você encarou mais nesse tempo?

Foto: Betinho Martins

Quando comecei, não havia grande estrutura para a gente, como de fisioterapia, por exemplo. A preparação se concentrava no campo mesmo. Antes do treino, em Xerém, fazíamos academia, sem muitos recursos. Mas ajudava a gente um pouquinho. Hoje, no elenco profissional, a estrutura é muito diferente. Temos academia, nutrição, médico.

Bom, ano passado, quando ainda jogava pela base, foi muito difícil. Machuquei o joelho e tive que conciliar a escola, o treino e o tratamento. Era duro. Recebia todos os trabalhos online, não conseguia tirar dúvida com o professor. E ficar esse tempo sem jogar também me afetou muito.

Fora dificuldades de estrutura, muitas jogadoras enfrentam preconceitos e são desestimuladas a seguir adiante. Você enfrentou também esses obstáculos?

Com certeza. Muitas pessoas falaram para eu desistir. Diziam que eu não iria conseguir, Foi bem chato, mas a minha família sempre apoiou e correu atrás comigo. As pessoas que falaram essas coisas para a gente hoje em dia agem como se nada tivesse acontecido.

Como é o dia a dia agora que você treina no time profissional?

Treinamos a semana toda no CT do Fluminense mesmo. O treino começa às sete da manhã. Como moro na Zona Norte, acordo às cinco e pego um ônibus até lá. No campo, o treino vai até as 10h30. À tarde, temos academia a partir das 16h. Basicamente, é isso.

Quais são as principais diferenças na migração base para o profissional?

Na base, treinávamos no campo, a partir das 10h, toda segunda, quarta e sexta. Às terças e quintas, o trabalho era feito pela internet, via Zoom. Os técnicos nos mandavam os exercícios, e fazíamos de casa mesmo. Já no adulto, além de irmos todos os dias para o CT, vemos vídeos de jogos e treinos, e treinamos na academia em busca de uma performance cada vez melhor.

Que campeonatos você está disputando?

As competições estão quase todas no final. Chegamos à final do Campeonato Brasileiro A2, contra o RedBull Bragantino. Como tenho 17 anos, também disputo ainda os campeonatos de base ainda. Ficamos em terceiro no Brasileiro Sub-20. Em setembro, começa o Campeonato Carioca, tanto do Sub-2 quanto do adulto. E, em dezembro, temos a Copinha (um dos principais torneios de base do país).

O principal objetivo do time, chegar à série A1, foi alcançado, certo?

Sim. Era o nosso maior objetivo do ano: conseguir o acesso para a série A1. Desde o começo, nosso técnico colocou, na nossa cabeça, a ideia de que o time não podia ficar mais um ano na A2, de que tínhamos que subir para a série principal. Ver que essa meta se concretizou é muito gratificante para todas nós.

De todos os desafios que você enfrentou para se profissionalizar, qual foi o mais difícil?

Foi a lesão que sofri no ano passado, quando eu estava no auge. Rompi um ligamento do joelho. Foi muito difícil, mesmo com os apoios da minha família e do pessoal do Fluminense. Eu pensava: “Será que eu vou voltar bem?”. Ou “Mas e se não der certo?”. Graças a Deus, depois de longos nove meses, voltei muito bem.

O clube a acompanhou nesse período de recuperação?

Sim. Inclusive, quando eu soube do laudo oficial, a primeira pessoa com quem eu conversei lá foi a psicóloga. Recebi acompanhamento físico, psicológico, nutricional do clube até o fim do tratamento.

Apesar dos avanços recentes, as diferenças entre o futebol feminino e o futebol masculino ainda são enormes no Brasil. Na sua opinião, quais são as principais disparidades?

Acho que as principais disparidades são de investimento, visibilidade e infraestrutura. Ainda há muitas carências nesses pontos. Mas o futebol feminino vem crescendo, é inegável. Por exemplo, o Sportv vai transmitir a Copa do Mundo feminina. Isso é um passo muito grande. É muito difícil lidar com essa desigualdade, mas, ao mesmo tempo, é animador ver que mudanças estão acontecendo.

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Conteúdo produzido por estudantes da PUC-Rio, sob orientação do jornalista Alexandre Carauta, professor de Jornalismo Esportivo do Departamento de Comunicação da universidade.