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A GRANDE RAMPA

por Paulo-Roberto Andel

Para quem vai ao Maracanã há muito tempo, é certo que muita coisa mudou. O velho estádio setorizado virou uma arena, mas também segmentada e pior, gradeada. Não há vestígios da velha geral, nem do glorioso setor de cadeiras azuis, que já tiveram a cor laranja também.

Sábado passado, para aliviar um pouco das dores da vida, fui assistir Fluminense e Palmeiras. Comprei o ingresso em cima da hora no único local disponível, Leste Superior, que antigamente chamávamos de meio de campo e, mais tarde, de cadeiras brancas. Resolvi fazer um caminho diferente, de muitos anos atrás: saltei no metrô São Cristóvão, indo a pé pelo Cefet e rememorando caminhadas fascinantes com meu pai rumo ao palácio do futebol. Mais policiado do que eu esperava, com pequenos grupos de tricolores rumando para o Maraca, eu fui junto.

Uma saudade: parar bem na esquina e lembrar da antiga bilheteria, onde comprávamos nossos ingressos em 1978 e 1979, também onde garotinhos pediam moedas. Várias vezes meu pai comprou três, quatro ou cinco ingressos e deu para eles, que saíam enlouquecidos para entrar no Maior do Mundo e viver duas horas de sonho. Saudade que ia se repetir mais duas vezes: primeiro, ao lembrar que na entrada da Leste vi Alberto Lazzaroni pela última vez, há uns dois meses, e ele queria doar um ingresso sobressalente. Nos anos 1970 mil garotinhos viriam correndo, mas não conseguimos ninguém. E Alberto foi embora muito antes do justo e razoável. Segundo, bem perto do encontro de Alberto, fica um degrau da escadinha onde eu sentava com meu pai, às vezes uma hora antes dos portões abrirem – ele adorava chegar cedo. Tempos em que o Maracanã era cercado por bancos de praça e vendedores de laranja, a fruta mesmo, mais cara quando descascada.

Ir de Leste Superior, assim como na Oeste, dá direito a uma experiência maravilhosa: subir a rampa original do Maracanã, a imortal, que serve aos torcedores há 73 anos. Dela, eu já aproveitei quase 50. Subo lentamente com meu chinelinho velho e sinto vontade de chorar muitas vezes, porque todos aqueles anos incríveis vêm à tona: a emoção de rever a infância, a sensação de ter meu pai ao lado, espiar às torcidas organizadas vendendo seus produtos nas pilastras, aqueles garotinhos da bilheteria subindo e rindo tão felizes mesmo com roupas rasgadas ou descalços, os senhores carregando suas almofadinhas para aliviar o calor na arquibancada. Subidas com esperança em vitórias maravilhosas que nem sempre vieram, a seguir descidas de cabeça quente ou repletas de vitória.

Dois minutos de subida que valem uma vida. Agora estou sozinho, ninguém me acompanha e o novo Maracanã tem uma pequena rampa anexa para continuar o percurso até a entrada do setor. Para quem viveu muito o Maracanã, um jogo não é só um jogo: há toda uma carga do passado maravilhoso. Então compro meu velho cachorro quente, um mate, vou para a arquibancada e repito um ritual de muitos e muitos anos: olhar para o novo e rever os anos inesquecíveis de minha vida.

O jogo é duro, meu amigo Edgard não pôde vir, o Luciano chegou atrasado e vimos o Fluminense vencer bem. Teve gol de pênalti e gol bonito. Ver o Marcelo tocando a bola e driblando relembra momentos espetaculares do nosso futebol, que eram muito comuns. Tudo é diferente, sem dúvidas, mas tem sabor. Difícil foi ver o Alberto no obituário do telão, é estranho demais porque ele era cheio de vida e, num estalar de dedos, tudo mudou.

Fim de jogo, a torcida do Fluzão sai feliz e confiante, então descemos a rampa e me sinto em berço esplêndido como em nenhum outro lugar. Há mais de 70 anos, quanta gente desceu ali? Quantas vezes houve alegria ou tristeza. Quantas vezes não saímos inebriados com um golaço ou uma jogada inesquecível? Fui feliz ali muitas vezes, mesmo nos piores momentos.

Logo depois do portão, me despeço do Luciano e, à esquerda, está o nosso degrauzinho, meu e do meu pai. É a lembrança, é o que me resta. Tal como na ida, faço a volta diferente e vou a pé para o metrô de São Cristóvão, depois salto no Catete, peço um lanche no Big Néctar e lamento muito que meu amigo Eric não esteja lá para me acompanhar num sanduíche. Ainda vou pegar um táxi para casa. Na terça que vem eu vou de Norte, então não vai ter a emoção da grande rampa, mas espero que se repita em muito breve.

@pauloandel

VERDADE E NÃO PESSIMISMO

por Rubens Lemos

Foto: Alex Ribeiro

Amo o pessimismo atávico de Graciliano Ramos. Aliás, amo tudo o que ele escreveu e pude ler. O retrato real do homem puro, ofegante, triste e lutador é o seu personagem Fabiano, de Vidas Secas. Pai de uma família de retirantes, Fabiano percorre a caatinga com Sinhá Vitória, os dois filhos e a cadela ossuda Baleia, que termina sendo sacrificada simplesmente por suspeitarem de que estava contaminada pela raiva.

É cômodo chamar de negativista ou derrotista aqueles que olham a vida pelas lentes do realismo. Graciliano Ramos era um visionário de pragmatismo agudo. Suas obras sangram um lamento que é a transposição legítima do cotidiano das secas, sejam elas simbolizadas por macambiras e xiquexiques ou pela marrom desilusão da média dos homens.

O velho Graça das Alagoas jamais cometeu o pecado da narrativa do falso. Tudo o que ele escreveu comove porque é a verdade e a cópia da realidade que a maioria teima em mascarar. Outro escritor, inglês, menos talentoso que o velho Graça, disse com propriedade britânica uma sentença: “Antes de fazer qualquer coisa, esteja certo de que não está se enganando. Se estiver, desista, porque nem você acredita em você”.

Há um preconceito contra os homens sem quase sonhos. Sem fantasias de arco-íris, com perfeita convicção sobre o futuro banal. E o sentimento de quem está perdendo de 1×0, pressionando para empatar e leva o segundo gol num contra-ataque restando três minutos para o fim do jogo. No futebol, o sinônimo desse golpe é tenebroso. Quer dizer morte.

Aliás, está no futebol a única discordância minha quanto ao Velho Graça. Comunista escolado, preso político alérgico à alienação, fez uma profecia fúnebre sobre a contaminação do brasileiro por uma bola e 22 homens desejando-a ardentemente: “O futebol é a prova de que nós não teremos futuro”. Se alguns ainda vivem o presente, Velho Graça, é por obra e anestesia do futebol.

A SELEÇÃO BRASILEIRA DE TODOS OS TEMPOS

por Luis Filipe Chateaubriand

No gol, a técnica de Moacyr Barbosa.

Na lateral direita, a exuberância de Leandro.

Na zaga central, o posicionamento perfeito de Aldair.

Na quarta zaga, a finesse de Domingos da Guia.

Na lateral esquerda, o colosso Nílton Santos.

Como primeiro volante, a elegância de Paulo Roberto Falcão.

Como segundo volante, a majestade de Didi.

Como meia direita, a verticalidade de Arthur Antunes Coimbra, o Zico.

Como meia esquerda, a completude de Édson Arantes do Nascimento, o Pelé.

Como primeiro atacante, a audácia de Mané Garrincha.

Como segundo atacante, o oportunismo de Romário de Souza Farias.

Barbosa; Leandro, Aldair, Domingos da Guia e Nílton Santos; Falcão, Didi, Zico e Pelé; Garrincha e Romário.

E aí, vai encarar???

AMERICA

por Paulo-Roberto Andel

O futebol não é a minha vida, definitivamente (para surpresa de muitos), mas ele é uma parte bastante considerável da minha vida. Talvez a parte mais sonhadora e romântica, ao mesmo tempo que tem todas as mazelas da vida real. À essa altura, o que tento fazer é algo que lembro de uma letra de Renato Russo: viver pequenos momentos divertidos.

Há mais de quarenta anos, quando mal era adolescente, meu sonho era o Maracanã permanente. Lá eu me sentia bem – lá, na praia, em acampamentos e no cinema. Além do Fluzão eu ia ver outros jogos sempre que dava, especialmente do América. Vi quase todo o Torneio dos Campeões e a Taça Rio. Tempos depois, sacaneado pela força da grana covardemente, o America entrou num buraco de onde nunca mais saiu. Primeiro, alijado das competições nacionais e, a seguir, fora da primeira divisão do Rio onde, nos últimos anos, faz uma espécie de gangorra.

Recebi notícias de colegas americanos há pouco. Soube que, ao ser eliminado da fase final da segunda divisão carioca, o America viveu uma situação que beira o inacreditável: torcedores, jogadores e o treinador Alfredo Sampaio promoveram uma briga campal. O fato ocorreu nesta quarta (2/8) em Saquarema, após a derrota para o Sampaio Corrêa por 4 a 3.

Há anos, o America tem verdadeiros tumores dentro de si. Posso falar bem: há dez anos, ofereci meu trabalho para o clube junto com meu sócio, quando fomos ridicularizados por um cidadão que utiliza o codinome de “Professor”. Nosso objetivo era trabalhar com redes sociais e história, criar uma grande rede de apoio ao clube, captar sócios etc. Em pouco mais de uma hora de reunião, o sujeito se propôs a rir das nossas ideias e interromper nossos argumentos, perguntando “Mas que dinheiro você vai trazer para o clube?”. Depois da terceira intervenção grosseira, disse-lhe que fomos lá para oferecer nossa mão de obra e nossas ideias, e que dinheiro se consegue em bancos. Enfim, uma reunião inútil mas que nos serviu de lição e que talvez traduza muito do sofrimento do America: gente que vê o clube e sua história apenas como um banco, mesmo que sob escombros, sugando o que puder até o fim. O final da reunião foi patético: o cidadão pediu meu cartão de visitas e o recomendei a procurar meu nome no Google…

Nestes dez anos, o America já caiu várias vezes, viu sua sede se transformar em ruínas e vive uma agonia de paciente terminal, respirando por aparelhos. Para os garotos dos anos 1980 como eu, é uma derrota pavorosa. A gente tinha nossos times, mas adorava o America, assim como outras agremiações cariocas que vivem à míngua. Para nós, o Diabo era grandão, atrapalhava a gente e especialmente os rivais. Não ganhava mais títulos, mas estava na briga. Quantos de nós, já adultos, estivemos na arquibancada rubra em 2006, pela final da Taça Guanabara contra o Botafogo?

Eu e meu sócio fomos ridicularizados naquele dia da reunião. O “Professor” continua espetado no America. Resta saber que aulas estão sendo dadas no clube. Uma tristeza.

@pauloandel

flecha negra

por Reinaldo Sá

Vindo do América-RJ, em meados da década de 70, o ponta direita Tarciso, o Flexa Negra, foi a marca registrada do Grêmio, com suas jogadas pelo lado direito, em extrema velocidade, técnica e chutes certeiros diante às metas adversárias. Nessa época, seu principal rival, o Colorado do Beira-Rio, reinava absoluto, mas Telê Santana, o Fio de Esperança, não estava ali para brincadeira. Em seu rígido fundamento, fazia inversões de posições com Tarciso e Alcino, o herói do título estadual de 1977, e autor da mais famosa cambalhota do Sul do Brasil, que interrompeu a saga octogonal de títulos gaúchos do Internacional. O Flecha Negra se destacou como um voluntarioso e técnico atacante. Também fez parte do elenco campeão brasileiro montado por Ênio Andrade, em 81. Antes disso, porém, também papou os estaduais de 79 e 80. Mas 81 foi o seu primeiro título de âmbito nacional, diante do São Paulo, com um gol do abençoado Artilheiro de Deus, o goiano Baltazar em uma jogada trabalhada pelo lado direito entre Tarciso e Paulo Roberto. O curioso é que o técnico Ênio Andrade já havia sido campeão brasileiro com o rival Inter, em 79. A essa altura Tarciso já era um ídolo do Grêmio, mas ele tinha sede de títulos e conseguiu impedir o bicampeonato do Penarol conquistando a Libertadores, de 83, em um jogo que foi uma verdadeira batalha. Faltava o Mundial! Renato Portaluppi seu herdeiro da ponta-direita estava no auge da forma e precisava jogar, mas o técnico Valdir Espinosa tinha a solução e dois reforços contratados apenas para a final do mundial de clubes contra o Hamburgo, da Alemanha, Paulo César Caju e Mário Sergio. O Grêmio entro em campo com Mazaropi, Paulo Roberto, Baidek, De Leon e PC Magalhães, China, Osvaldo, depois Bonamigo, PC Caju, depois Caio, Renato, Tarciso e Mário Sergio. E mesmo após alcançar o topo da glória ainda conquistou os estaduais de 85 e 86. Sempre lembraremos de você Tarciso, que merece uma estátua, já perpetuada em nossos corações para sempre, como diria o poeta gaúcho Lupicínio Rodrigues, autor do hino gremista.