Escolha uma Página

ALMAS PENADAS

por Rubens Lemos

Ciclos da Pedra e do Cão é um livro fininho, de poemas do meu pai, versos doloridos das cicatrizes que a repressão plantou no seu corpo e na sua alma, primeiro combalida, depois destruída.

Nunca disse a ele, mas, menino de oito anos, morria de medo de um dos textos, que falava em cemitério, algo que me causa fascínio e pavor: “Vasto cemitério, de corpos insepultos, almas penadas povoando Europas e o céu silencioso, ouvindo tudo”.

A (falta) de vergonha de ABC e América em nova jornada de times bisonhos, me trouxe o livro, editado pelo maior dos incentivadores da leitura no Rio Grande do Norte: Carlos Lima, que morreu em 8 abril de 1997, dia em que o alvinegro ganhou um clássico por 5×0.

Carlos Lima é pai de Sérgio Tareco, ou melhor Doutor Sérgio Tareco, ou médico Sérgio Lima, competente anestesista e frequentador incontestável de todos os jogos do Mais Querido em Natal. Espero que Tareco não se chateie por chamá-lo de Tareco, como fiz desde a primeira vez que o vi, pelos anos 1970, falando sobre futebol. Nem ele nem eu somos dados a intimidades.
Há circunstâncias em que não dá para confrontar a crueza do caos. E o que existe na vida atual dos dois principais clubes do Rio Grande do Norte é desastre, tragédia, inércia e incompetência. Pela primeira vez, algo uniu, como gêmeos, ABC e América: o fracasso sucessivo.
Nem é preciso buscar respostas nos clássicos do Inspetor Jules Maigret, personagem do belga Georges Simenon, para encontrar os autores intelectuais e materiais da catástrofe. Confesso que arregalei os olhos, como se um fantasma me atacasse, ao ver pessoas inteligentes com saudades do técnico Fernando Marchiori.

Quem o contratou e ele mesmo, são os primeiros culpados da sentença informal e nem por isso menos dolorosa: retranqueiro ululante, Marchiori enganou a torcida com seu jogo feio, que sucumbiu contra o Grêmio na Copa do Brasil e descarrilou de vez na primeira etapa do Campeonato Brasileiro.

Marchiori está na galeria dos grandes vilões alvinegros, onde pontificam Rodrigo Pastana, supervisor de porra nenhuma, Zé Roberto de 1977, o estelionatário e Giscard Salton, doloroso igual a enxaqueca de vinho barato. O ABC entrou na Série B imaginando que enfrentaria adversários pífios das Séries C e D. Erro infantil. A Série B é uma guerra cheia de minas explosivas a cada rodada.
Quando lembraram de mandar Fernando Marchiori embora, trocando-o por um comum Alan Aal, parecia tarde demais. Chegou outro balaio de jogadores, contratados por um executivo de futebol autodenominado criterioso em escolher boleiros. Vieram outros iguais aos que se foram.

Com 13 pontos ganhos, o ABC joga duas partidas em casa: contra o Ituano e o CRB. Em condições habituais de temperatura e pressão, seriam jogos tranquilos. O sentimento da insegurança, do pânico, faz a Frasqueira duvidar de seis pontos ganhos obrigatórios.

O América embaralhou-se quando inflou o peito por conta da tal da Sociedade Anônima de Futebol, a SAF, que, na prática, vendeu o clube a empresários sem amor a nada que não seja monetário. Seriam 174 milhões, de início, depois a grana foi diminuindo em contradição à chegada de pernas de pau incapazes de dar um passe de cinco metros.

Essa história da SAF precisa ser contada direito e apenas homens históricos do naipe dos ex-presidentes Jussier Santos e Eduardo Rocha sacaram suas lanças para brecar o apetite dos compradores, eles vorazes, a direção do clube passiva, aparentando cumplicidade, enquanto a tensão se instalou entre funcionários, as notícias rarearam – afinal, a empresa é dona e não dá satisfações a ninguém e o América saiu a padecer no gramado.

É uma fase pavorosa, em que alguns tentam buscar desculpas esfarrapadas. A força implacável dos números, registra a iminente queda dos dois clubes.

Enquanto lá dos mistérios paranormais, os ex-presidentes Ernani da Silveira do ABC e José Rocha, do América, observam, em revoltado silêncio, cada um em seu túmulo. Mas, há, sim, um vasto cemitério de corpos insepultos. Nem cadáveres jogariam pior do que ABC e América hoje em dia.

PEGADAS DA BOLA ETERNIZADAS NO CORAÇÃO DE ZAGALLO

por Marcos Vinicius Cabral

O futebol, de forma impiedosa, começou maltratando o coração de Mário Jorge Lobo Zagallo que, nesta quarta-feira (09), celebra 92 anos. Isso porque, naquele 16 de julho de 1950, o único tetracampeão mundial de futebol era um desconhecido soldado do Exército que trabalhava no Maracanã quando ouviu o apito final do árbitro inglês George Reader (1896-1978) e, ali, viu o sonho do primeiro título naufragar como Titanic nas águas gélidas canadenses do Oceano Atlântico.

O que Zagallo mal sabia era que o destino o colocaria em mais cinco decisões da Seleção Brasileira, tendo vencido quatro delas. Mas muito antes de tornar-se o mais vitorioso entre todos os esportistas do mundo, o Velho Lobo era retrato da tristeza diante da tragédia conhecida como ‘Maracanazo’.

Sem tempo para enxugar lágrimas que desceram do rosto do jovem militar naquela derrota do Brasil para o Uruguai de Ghiggia (1926-2015) na 4ª edição de uma Copa do Mundo e 1ª em solo nacional, Mário despiu-se da amargura e decidiu que se vingaria. Não a curto prazo, mas em épocas diferentes do tempo.

E o tempo, marcador implacável que forjou tantos e tantos e tantos heróis, não marcou o rosto de Zagallo em vão. De vez em quando, os cabelos brancos recebem o carinho dos familiares, dos fãs e dos amigos. Afinal de contas, estamos falando de um esportista que sobreviveu às custas da capacidade, competência e conquistas na carreira.

Mas o começo, em toda história com final feliz, se deu quando Zagallo, sem conhecimento do pai Aroldo, demonstrou talento nas peladas no terreno do Derby Club – onde eram realizados turfe, esportes equestres e atividades sociais – antes do espaço virar o Estádio Jornalista Mário Filho, conhecido como Maracanã.

Foi nas peladas que Zagallo mostrou habilidade. Mais tarde no time amador do Maguari foi aprimorando o dom de jogar futebol dado por Deus. O América Football Club, local em que praticava natação, tênis de mesa e vôlei, inevitavelmente, o receberia de braços abertos.

Mais iluminado do que o futebol apresentado no antigo Estádio da Rua Campos Sales, apenas os refletores que o pai Aroldo, conselheiro do clube, ajudou comprar. O brilho do jovem Zagallo já era visto por qualquer um.

Sendo assim, luz não seria problema para abrilhantar o menino Zagallo que, de maneira pueril, calçara pela primeira vez na vida um par de chuteiras.

Contrariando o pai, que queria porque queria que Zagallo fosse técnico de contabilidade, o futebol foi pulsando mais forte no peito do menino franzino nascido em Atalaia, no estado de Alagoas.

Mas a sorte ‘sorriu’ para o aspirante a craque. Contratado pelo Flamengo em 1950, Zagallo teve a oportunidade quando Esquerdinha, então titular, pediu licença para se casar e Itamar, reserva imediato, ficou doente.

No primeiro Campeonato Brasileiro de Amadores, em 1951, quando faturou o primeiro título, logo acabou notado pelo treinador Fleitas Solich. Foi titular no tricampeonato de 1953, 1954 e 1955, formando um senhor ataque com Joel, Moacir, Índio, Evaristo e Dida.

O bom futebol levou Zagallo a vestir a camisa da Seleção Brasileira e conquistar as copas do mundo de 1958 e 1962. Valorizado e dono do próprio passe, acertou com o Botafogo e fez parte de lendárias formações de ataque com craques como Garrincha, Didi, Amarildo, Paulo Valentim, Quarentinha e tantos outros. Privilégio para poucos.

Técnico vitorioso na Copa do Mundo do México, em 1970, e coordenador técnico na dos Estados Unidos, em 1994, Zagallo completa mais um ano de vida. No entanto, toda e qualquer homenagem feita ao supersticioso ex-jogador, ex-treinador e ex-coordenador técnico seria pequena diante da grandeza do Velho Lobo para o futebol.

Na lista de grandes ícones do futebol mundial, Zagallo, fã do número 13, devoto de Santo Antônio, não entra em nenhuma delas. Deve, obrigatoriamente, ter um asterisco ao lado do nome e ser colocado na prateleira de grandes nomes do futebol mundial como Pelé, Garrincha, Carlos Alberto Torres, Beckenbauer, Maradona, Ronaldo Fenômeno, Messi, Zidane, Cafu, Iniesta e tantos outros que foram campeões do mundo por suas respectivas seleções.

No entanto, Mário, não um Mário qualquer, mas Mário Jorge Lobo Zagallo, pai exemplar, avó e bisavô dedicado. Não bastasse, é um homem apaixonado pela bola e que amou a eterna Alcina de Castro (1932-2012) até os últimos dias de vida dela está um degrau acima dos gigantes do futebol.

Mas cá entre nós, por quê?, perguntariam os incautos.

Porque ele é, simplesmente, Mário Jorge Lobo Zagallo.

QUANDO O TREINADOR É APENAS UM DETALHE

por Zé Roberto Padilha

Pode sair Luis Castro, entrar o interino, Cláudio Caçapa, aparecer um Bruno Lage, que poucos conheciam, que, se os jogadores querem, o Botafogo dificilmente perde.

Não há segredos para o sucesso do Botafogo. Jogadores rodados, prestes a fechar o currículo com modestos feitos individuais, e, ao juntarem, aleatoriamente que seja, deram liga.

Na equipe não há espaço para crianças. Para erros e posturas infantis. O último a sair das fraldas, Matheus Nascimento, viajou rumo a uma franquia SAP para ganhar experiência.

E uma observação, de um dos integrantes da Comissão Técnica, revela um dos segredos: “Eles fizeram um pacto para não tomar gol!”. Desse jeito, todos dão um gás a mais. Marcam, não cercam. Ajudam um ao outro.

Desse jeito, treinador passa a ser apenas um detalhe. E que uma campanha tão bonita não se perca por um Tiquinho.

PRIVATE EQUITY NO FUTEBOL

por Idel Halfen

Sendo os fundos de private equity uma modalidade de investimento na qual os investidores adquirem participações em empresas que ainda não possuam o capital aberto, surge uma dúvida no que tange ao futebol: os clubes que se transformaram em sociedade anônima – SAF -, seriam uma boa opção de investimento para esses fundos?

Para responder a essa pergunta, é preciso lembrar que os investidores aportam o dinheiro com o intuito de que esse se valorize depois de algum tempo para depois revenderem suas respectivas participações.

Deriva daí outro questionamento: um clube de futebol deve dar lucro?

Não creio, até porque os resultados esportivos são fundamentais para a geração de receitas e consequente valorização do ativo. Portanto, nada mais óbvio do que utilizar os eventuais lucros para reforço do time, formação de jogadores e equacionamento de eventuais dívidas.

A possibilidade de investir no clube para sua valorização evidentemente existe, mas nesse caso é aconselhável não se criar grandes expectativas esportivas e combinar isso com os torcedores.

Além do que, ao contrário de uma empresa cujos resultados são mais fáceis de estimar, no futebol, ainda que haja alguma correlação com o investimento, há situações imponderáveis.

Quantas vezes vimos a Coca-Cola, por exemplo, ter uma participação de mercado menor do que alguma tubaína? Nunca vi!

Por outro lado, quantas vezes vimos um time de poucos recursos vencer um favorito? Poucas, mas acontece.

Pois é…

Outro ponto de atenção diz respeito ao resultado operacional dos clubes, cujos custos com a remuneração dos jogadores comprometem parte expressiva da receita, isso quando não ultrapassa. Exemplos não faltam, não é mesmo?

E as receitas com venda de jogadores? De fato são bem significativas em grande parte das vezes, porém não apresentam recorrência.

Será que um investidor ficará seduzido em aportar verba em um negócio cuja previsão de receitas é instável por natureza? Ao contrário de uma empresa cujos produtos dependem da demanda do mercado, os clubes dependem tanto da demanda quanto da atratividade do produto, no caso os jogadores a serem vendidos. Não esquecendo que a venda desses certamente impactará o desempenho esportivo.

Mas para o clube a entrada de um fundo seria bom! De fato, assim pensa a maioria dos torcedores, a esses cabe também uma pergunta: por que será bom?

Se for pelos recursos aportados, pode até ser, mas nunca esquecendo que os fundos têm como objetivo a valorização do ativo para poderem remunerar os investidores que ali aportaram. Ainda que vitórias ajudem para se alcançar o intento, essas não se constituem a prioridade dos fundos.

Se for pela provável melhor governança, vale lembrar que muitas empresas, se envolvem em escândalos, mesmo tendo supostamente rígidos processos internos.

Por fim, é importante esclarecer que, embora o artigo tenha jogado luzes nos desafios que existem para se gerir um clube como empresa, ele de forma alguma preconiza que as áreas de investimentos dos fundos devam concluir por um “no go” às propostas de aporte em clubes de futebol. 

Na verdade, esse tipo de operação pode vir a ser bem interessante, desde que as expectativas estejam ajustadas, principalmente por parte dos torcedores que pouco se importam com o lucro de quem investiu.

Diante desse contexto, os clubes com histórico vitorioso podem não ser o melhor alvo.

HORA DE RENOVAR

por Elso Venâncio, o repórter Elso

Fernando Diniz anuncia na semana que vem a sua primeira relação de convocados. Vêm aí as Eliminatórias da Copa do Mundo de 2026. Ao contrário dos últimos comandantes, o técnico do Fluminense gosta do toque de bola, do futebol ofensivo, e nos passa a esperança de que recuperaremos o nosso vitorioso futebol.

O momento é único, para se buscar a renovação. Gostaria de ver, nas Eliminatórias, um número maior de jogadores que atuam no país. Antes, qualquer garoto dizia que sua meta era chegar à seleção. Hoje é se transferir para a Europa. Contudo, quem joga lá fora, tendo a vida já resolvida, não recebe com o mesmo entusiasmo uma convocação.

Não podemos repetir erros primários. Temos que evitar aqueles que não têm condições de chegarem bem fisicamente na Copa. No meu tempo de repórter, o presidente da CBF Ricardo Teixeira avisava:

“Se convocar veteranos e tropeçar, te demito” – o cartola avisava ao técnico.

O atual Campeonato Brasileiro tem revelado excelentes nomes. No Botafogo, líder agora com 13 pontos de diferença, Lucas Perri é o melhor goleiro do Brasil. Seu zagueiro Adryelson, uma verdadeira muralha. Vitor Roque, de 18 anos, acaba de ser negociado pelo Atlético Paranaense com o Barcelona, por cerca de 400 milhões de reais. Preço de SAF! No Fluminense há o Nino e o André. No Flamengo, o lateral Ayrton Lucas. Isso, pensando rápido. Mas, por aí vai… Enfim, a meta é a Copa; portanto, não devemos comemorar recordes ilusórios numa competição classificatória.

Sinceramente, não acho fundamental o treinador ser exclusivo. Estar em atividade, no calor dos jogos, é importante. Ficar numa sala, com ar condicionado, e passar os meses fazendo viagens turísticas, para observações, não me enchem os olhos. As informações chegam hoje em tempo real. Lembro que Zagallo comandava o Botafogo em 1970, quando foi chamado para dirigir o time durante a campanha do Tricampeonato, no México. Cláudio Coutinho conciliou Flamengo com seleção. Em 1988, após a Copa da França, Wanderlei Luxemburgo aceitou o convite, com a condição de permanecer no Corinthians.

Pararam de falar no italiano Carlo Ancelotti, que, durante a longa novela, nunca passou de um ator de cinema mudo. O futebol brasileiro é vitorioso por suas raízes, seus dribles, a improvisação e ousadia. Dos 20 clubes da primeira divisão, onze técnicos vieram do exterior, sendo sete de Portugal e os demais da Argentina. Na CBF existe um curso de treinadores em que cada participante investe cerca de 50 mil reais. Mesmo assim, a entidade pensa e contrata profissionais de fora. A veterana sueca Pia Sundhage, inclusive, já vem pedindo para ficar, no calor da ferida que não cicatrizou: a precoce eliminação da Copa do Mundo feminina.

A Era Diniz, que ora começa, tem condição de colocar a nossa essência em campo, resgatando nosso amor-próprio e afastando a retranca, os cabeças de área e a filosofia dos europeus.