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CHEGUEI!

por Elso Venâncio, o repórter Elso

Eu e Peris Ribeiro – biógrafo do Didi – vamos lançar ‘Mensagens da Bola’, com 16 colunas minhas publicadas aqui no Museu da Pelada e outras 16 do Peris. Antecipo a primeira, sobre a lenda viva do Rádio, o ‘Super Garotinho’ José Carlos Araújo

O ‘Garotinho’ José Carlos Araújo – “Apite Comigo, Galera!” – é o grande nome do Rádio, veículo presente há mais de 100 anos na vida dos brasileiros. O locutor rubro-negro Celso Garcia, conhecido como ‘Garoto do Placar’, foi quem levou Zico para o Flamengo e Garotinho para o Rádio. Em janeiro de 1984, Garotinho me transferiu da Rádio Nacional de Volta Redonda para a do Rio de Janeiro. Um ano depois, eu e Washington Rodrigues já estávamos ao lado dele, na Rádio Globo.

No final dos anos 70, Garotinho deixou a Rádio Globo para liderar a equipe da Rádio Nacional. Levou consigo nomes como Washington Rodrigues, Luiz Mendes, Deni Menezes e Eraldo Leite, dentre outros. Incomodou a concorrente, até se tornar líder de audiência. A poderosa Globo se rendeu, oferecendo um contrato irrecusável. Dessa forma, ele retornou à Rua do Russel em dezembro de 1984.

Profissional ao extremo, único locutor que se concentra, dormindo cedo na véspera dos jogos, Garotinho sempre chega aos estádios, pelo menos, três horas antes de a bola rolar. Líder e profundo conhecedor do rádio, sabe escalar o time, colocando cada profissional no lugar no qual mais pode render.

Em cada canto do Brasil tem um ‘Garotinho’ a imitá-lo. E que, por ser assim, acaba sendo chamado também de ‘Garotinho’. A começar por São Paulo, com Osmar Santos, passando até por políticos, como o ex-Governador do Rio Anthony Garotinho, que registrou o apelido, inclusive, incorporando-o ao próprio nome. Em Campos dos Goytacazes, minha terra natal, Anthony Garotinho narrava futebol e corridas de cavalo. Usava alguns bordões famosos, como “Sou eu!”, “Voltei”, “Vai mais, vai mais, Garotinho”, “Brasileiro não vive sem Rádio, seu melhor companheiro”.

Nos anos 90, fui fazer um jogo do Flamengo em Cuiabá. A Rádio Globo colocava os repórteres nos mesmos voos e hotéis da delegação rubro-negra. Naquele domingo, iriam Luiz Carlos Silva, como locutor, além do comentarista Afonso Soares. Por problemas técnicos, o avião não decolou. Os jogos não passavam na TV e precisei procurar um narrador. Queria saber quem era o melhor da cidade. Fui até a casa dele, me apresentei e fui recebido com um largo sorriso:

– Eu sou o Garotinho!

– Mas, como?

– Sou o Garotinho daqui, e também o mais ouvido da região! – respondeu, flexionando a voz e lembrando o verdadeiro ‘Garotinho’, José Carlos Araújo.

Considero o gol marcado por Petkovic, aquele de falta, contra o Vasco, no terceiro tricampeonato estadual do Flamengo, pela emoção, inspiração e vibração, o melhor dentre os milhares até hoje narrados, ao longo de décadas, por Garotinho.

Em São Paulo, inesquecível é ouvir Osmar Santos naquele mítico gol do Basílio – claro, falo daquele Corinthians X Ponte Preta que quebrou o incrível tabu corintiano de 23 anos sem títulos no Campeonato Paulista.

O Rádio foi eleito o veículo de comunicação de maior credibilidade. E continua forte, se reinventa, usando a televisão e a internet como aliados. José Carlos Araújo também, tanto que faz sucesso há mais de 50 anos. Narra futebol hoje na Rádio Tupi e, aos 83 anos, lançou o Podcast ‘Cheguei’, já vitorioso nas Redes Sociais.

Vida Longa ao Garotinho!

CAMISAS PRETAS

por Rubens Lemos

Foram aquelas camisas pretas. Lindas, de detalhes brancos nas mangas. Uniforme épico, transformou o Vasco, derrotado por antecipação, de novo em um time de futebol digno de ser exaltado.

A vitória do Fluminense por 4×2 significa o melhor momento do clube, a fuga das humilhações, desde 2000 quando jogavam Romário, Euller e os Juninhos, o Pernambucano e o Paulista.

Uniforme negro e sedutor, impulsionou o novo Vasco, do técnico argentino Ramón Diaz, o melhor centroavante que jogou com Diego Maradona nos anos 1980.

O Vasco espalhou pelo país inteiro e pelos continentes onde vivem seus amantes andarilhos, o sentimento de raça e de glória que é, de fato, sua história e o quadro de fotografias e imagens de gols fantásticos, revisitados após tanto tempo sendo maltratada sua heráldica por times malditos, vagabundos e despidos de honra pelos adversários.

Aquelas camisas pretas. Ao ver o time entrar em campo, ouvir, perfilado, o Hino Nacional, deu para perceber que os jogadores pareciam em transição, recebendo o talento e a energia dos ídolos pretéritos.

Morro de medo de alma penada. Mesmo com essa paúra assumida, corri ao velho almanaque sobre a história do Gigante da Colina, outra vez mostrando sua força heroica, livrando-se do nanismo de resultados que tornou indiferentes apaixonados como sempre fui, desde 1977.

Aquelas camisas pretas injetaram bravura no time ainda apenas regular, mesmo com referências do cartaz do francês Dimitri Payet, craque de padrão internacional, a camisa 10 rediviva como a capa charmosa do renascimento.

É, correligionários cruzmaltinos: o Vasco pareceu quebrar por dentro seu mausoléu de desenganos e voltou para a vida aceso e decidido a reocupar seu lugar de direito pelo que fez lá atrás.

Gabriel Pec, hábil e finalizador, Vegetti, diploma de matador, reconhecido nas faculdades de clássicos, os criativos Paulinho e Praxedes, o goleiro Léo Jardim, impondo moral na pequena área ocupada por lamentáveis frangueiros de granja há mais de 10 anos, em conta generosa.

O vascaíno agora tem por quem chamar e clamar nos jogos difíceis. Haverão de dizer: ora, a vitória sobre o Fluminense foi acidental. Claro. O Vasco merecia ter ganho de 5 ou seis, diante de um adversário pronto e acabado, cujo técnico, interinamente ou não, comanda a seleção brasileira.

Não costumo usar camisas de padrões recém-lançados. Tenho uma razoável coleção de antiguidades. Experimentei várias, após o 4×2: a 8 de Geovani vestida em 1988, a 10 de Wálter Marciano, campeão de 1956 e maior ídolo do meu pai, a do milésimo gol de Romário em 2005.

Estava havendo meu reencontro comigo mesmo. Com o adolescente que comemorou tantos títulos fantásticos, que ouvia pelo rádio ou via pela TV Educativa, esquadrões fortíssimos, cito o de 1987 para simbolizar os demais, como o de 1977, Wilsinho, Roberto Dinamite e Ramón.

Roberto Dinamite foi o goleador máximo nos duelos do Campeonato Carioca. A vítima principal: o Fluminense, que tomou 36 gols. Roberto Dinamite soprou, invisível, os pés dos atacantes que venceram a sempre bem postada defesa tricolor.

Aquelas camisas pretas me fizeram lembrar, de repente, outro livro sobre ídolos imortais do Vasco. Passei as primeiras páginas e parei no trecho onde está o volante Fausto, a Maravilha Negra, titular da seleção brasileira e melhor de sua posição na primeira Copa do Mundo, no Uruguai em 1930. Fausto jogou com tanta habilidade que ganhou transferência para o Barcelona.

O que ocorre com Fausto e até com meus heróis dos anos 1970 e 1980: o esquecimento e o mau gosto da garotada digital, que considera gênios boleiros triviais. Fausto ostentava uma camisa preta idêntica à da supremacia do fim de semana diante do Fluminense. Fausto morreu aos 39 anos, vítima de pneumonia.

Na vida é teoricamente impossível, no futebol, pode demorar e acontecer a ressurreição como a que se apresenta ao Vasco. De fazer cantar o hino, de pular, velho menino, berrando a cada gol. Não foi tática nem técnica. Foram, sim, aquelas camisas pretas.

ADEUS, AMIGO!

por Zé Roberto Padilha

Você, Paulinho, como cada torcedor tricolor que teve o privilégio de defender sua paixão em campo, como eu, Rubens Galaxe, Abel, Marinho, Marco Aurélio, Nielsen e tantos filhotes de Pinheiro, foi uma das pessoas mais generosas que conheci.

A luta por um espaço tão cobiçado no país do futebol não encontrou em você um concorrente comum. Frio, calculista e capaz de colocar seus objetivos pessoais acima da lealdade com que deveria reger tal embate.

Você chegava, treinava, dedicava o seu melhor em prol do Fluminense. Nem precisávamos procurar seu currículo para saber que seu berço foi de amor, seus professores sábios, suas amizades preciosas e que tornaram sua trajetória pautada por princípios éticos e morais .

Um gentleman.

Quando arrumamos nossas malas de volta para o nosso interior, eu para Três Rios, você para Muriaé, levamos de volta lições de uma profissão única e apaixonante. Tão excitante, poucas são as que te levam a um palco onde seu talento entra em campo sem saber o que vai produzir.

De repente, pegamos na veia, acertamos o ângulo e saímos de campo consagrados. Em outra, perdemos um pênalti e carregamos pra casa toda a culpa do mundo. O torcedor, chateado, demora a dormir. Nós, ficamos de olhos abertos madrugada adentro tentando mudar o canto. Trocar a tragédia pela glória que esteve por segundo sob nossos pés e mãos.

Enfim, seu amigo ganhou uns dias, talvez alguns anos para continuar nossa luta. E permanecer lúcido para fazer justiça e prestar nossa homenagem às pessoas queridas que foram tão importantes em nossas vidas. Como você, Paulo Goulart.

Descanse em paz, amigo.

PAULO GOULART, ETERNO

por Paulo-Roberto Andel

Tinha tanta gente no Maracanã que, mesmo pequenininho, eu mal conseguia me mexer. Cheio mesmo.

De repente, houve uma confusão e a torcida do Flamengo urrou nas alturas, já comemorando um gol de pênalti que nem tinha sido cobrado. Começo do segundo tempo. Eu nunca tinha visto tanta gente comemorando um gol sem que a bola já tivesse entrado.

Nós ganhávamos o Fla x Flu por 2 a 0. Rubens Galaxe fez um golão chutando forte, Pintinho fez um raro gol de cabeça.

Marcado o pênalti, Zico ficou encarregado da cobrança. O maior jogador deles. Aí por um minuto cem mil pessoas se calaram – apenas suspiravam.

Zico cobrou, Paulo Goulart – o jovem goleiro bigodudo do Fluminense – voou na esquerda e mandou a bola para escanteio. Aí foi a torcida do Fluminense que disparou um urro lancinante. Eu nunca tinha visto tanta gente comemorando uma bola que não entrou.

A defesa do pênalti deixou o Flamengo atordoado, na lona, incapaz de reagir. E no fim do jogo, o garoto Cristóvão tratou de deixar Manguito no chão e marcar um golaço.

O Fluminense deitou e rolou: 3 a 0 no multicampeão. Teve de tudo naquele dia, até o adiamento da estreia da Flagay por causa da homofobia em setores da torcida rubro-negra.

No dia seguinte Zico foi deselegante: disse que era impossível perder o pênalti, só defendido porque Paulo Goulart se adiantou. Bobagem. Anos antes, ele já tinha perdido contra Mazzaropi. Depois, no mesmo 1979, contra o Serrano. Anos depois, seria contra Joel Bats. E Paulo, que chamávamos de Paulinho, pegaria pênaltis de ninguém menos do que Roberto Dinamite e Nelinho, dois dos maiores cobradores do mundo.

Não era fácil ser Paulo Goulart. Era suceder de uma vez só Félix, Wendell e Renato, todos goleiros padrão Seleção Brasileira. Mas ele conseguiu. Paulo é o principal responsável pelo Fluminense ter conquistado o primeiro turno do Carioca 1980 diante do Vasco. Era o primeiro turno que o Flu vencia desde 1976. Ele voou nos pênaltis e nos colocou na final do campeonato.

Paulo Goulart era mais um dos garotos do Fluminense que, depois de três anos, reconduziu o Fluminense ao título estadual em 1980. Depois do sonho da Máquina, a garotada tricolor se impôs contra os timaços do Vasco e do Flamengo. Fomos campeões de terra, mar e ar.

Num começo de noite em outubro de 1979, eu fui um dos garotos mais felizes do mundo. Diante de mais de 100 mil pessoas, vi o Fluminense esfolar o Flamengo, vi Paulo Goulart parar Zico, vi o Fluminense em tamanho real. Quarenta e quatro anos depois, a sensação é a mesma. E daí que envelheci? Nesta lembrança, sou criança para sempre.

Claudia Mendes involuntariamente acabou de me deixar atordoado no WhatsApp. Não importa, eu seguirei em frente nesta sexta-feira, porque Paulo Goulart vai voar para sempre e defender todos os pênaltis. Aquela distante noite de domingo em 1979 já era a eternidade, eu é que não sabia.

“AGAAAAAARRRRRA, PAULINHOOOOO!” (Jorge Curi).”

SIR FÁBIO

por Zé Roberto Padilha

Nós podemos até contestar algumas mordomias concedidas à família real inglesa, como a destinação de 15% da receita do país à Casa Real. Porém, existem ritos seculares que merecem nosso reconhecimento.

Como a concessão do título de “Sir”, uma honraria aos que se destacaram em suas profissões e elevaram o nome do país. Elton Jonh, The Beatles, Bobby Charlton, Alex Ferguson, Charles Chaplin estão entre eles.

Para um país sem memória, como o nosso, que vive a fugir da cadeia alheia e muitos dos seus jogadores estão envolvidos em escândalos sexuais e compra de resultados, não estaria na hora de conceder tal honraria a quem vive a nos dar exemplos em sua notória arte?

Sir Fábio.

No país do futebol, tal concessão seria feita pela CBF. E o primeiro critério seria a convocação para nossa seleção. E nada como começar a homenagear nossas unanimidades por um atleta profissional acima de qualquer suspeita.

E Fernando Diniz, para ser tão justo quanto competente, precisa reconhecer um dos pilares de sua ascensão. Ser corajoso diante da dualidade de suas funções. E entre um goleiro revelação e outro que não precisa provar nada mais a ninguém, convocaria o Fábio.

Poucos jogadores de futebol dignificam tanto a posição e a profissão, dentro e fora do campo, quanto ele.

Como Alisson é titular, Fábio vai sentar no trono. Não no banco. E receber o reconhecimento de todos nós ao se tornar o primeiro Sir de uma nova história.