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Parabéns, Zico!!!

No dia do aniversário de Zico vasculhamos o acervo do Museu da Pelada e encontramos fotos preciosas, presente do cracaço Bruno Veiga. Clicadas há alguns anos para a Revista República, mostra o Galinho em seu habita natural, na cara do gol! Também achamos um vídeo produzido pela rapaziada da coluna A Pelada Como Ela É, que mostra o histórico camisa 10 do Mengão desenhando as ruas de Quintino, onde deu os primeiros chutes e nasceu para o futebol. 


OBRIGADO, MESSI!

O inesquecível Zé Roberto, ponta da Máquina Tricolor, reclama da falta de talentos no futebol atual e elogia Messi, sempre ele!   

 Por Zé Roberto

Sabe aquele cachorrinho que cresceu esperando que lhe atirassem um pedaço de carne? Quando a carne não vinha, mais que a fome, vinha junto a depressão. E é assim que brasileiros e argentinos cresceram: esperando que nos atirassem, ao vivo ou pela televisão, um pedaço da obra de arte do seu futebol. O Brasil produziu os maiores jogadores destros do mundo: Pelé, Zizinho, Didi, Evaristo, Zico, Romário e os Ronaldos. A Argentina, os maiores canhotos: Maradona, Passarela, Kempes, Ramon Diaz, D’Alessandro, Conca e, agora, Messi. Rivelino, Gérson, Tostão, Ardiles, Tévez e Di Stéfano, exceções, nasceram na divisa. Perto de Uruguaiana. Há algum tempo, estamos com fome, deprimidos, só nos atiram bifes. E carnes de terceira.

Diante de tanto talento inebriante, servidos por várias gerações, nos tornamos viciados em futebol arte. Perambulamos pelos bares, depois da novela, pelos canais Premiére, copo de cerveja à mão a procurar comida. Por ali, temos encontrado rações com o sabor das falhas do Henrique, saídas de bola vencidas do Wallace, penetrações insossas do Márcio Araújo e conclusões sem sal do Riascos. Vamos aos estádios com a boca seca, o coração batendo, emoções afloradas do mesmo jeito com que os americanos se dirigem a Cabo Canaveral. Por lá, obtiveram suas maiores conquistas. Querem rever a Apolo subir, como Dadá Maravilha elevava seus pés diante dos beques, e lá respirar Neil Amstrong. Rever a nave Columbia. A conquista da lua. Nós, brasileiros e argentinos, juntos conquistamos a posse de uma outra cobiçada lua, de couro ou sintética, e não foram poucas. Somadas trouxemos para a Terra sete Copas do Mundo e cinco vice-campeonatos.


Ultimamente, vagando sem a nicotina do drible, que ninguém mais ousa dar, tocam a bola de primeira, estilo “tic-tac”, sem o álcool do domínio, com a garrafa esférica escorregando no peito, das coxas e da ponta das chuteiras, estávamos a procura da CBA (Carentes da Bola Anônimos) quando assistimos Lionel Messi nos conceder, na última quarta-feira,  um banquete contra o Arsenal.

Não tanto pelos gols, um salmão com molho de maracujá, mas pela raça com que ele atravessou o campo, aos 40 minutos do segundo tempo, para realizar a cobertura do Daniel Alves. Não tanto pelo pênalti, magistralmente batido, um filé com fritas com molho madeira, mas porque não desperdiçou uma só gota do suor do seu talento a reclamar. Apenas jogou, dominou, passou, driblou e partiu em velocidade em direção ao gol. Seu exemplo e postura estão fazendo Suarez parar de morder, Neymar de fazer gracinhas, como lençóis e canetas inúteis e para trás. Sendo assim, à procura da cura, passaremos, brasileiros e argentinos, a segui-lo como apóstolos pelas tardes na telinha, seja na Liga dos Campeões, seja no Campeonato Espanhol. A procura da cura já começou e tem lema: evite o primeiro gole, digo, primeiro lance do futebol carioca.

FELLINI VAI A VÁRZEA E O FOLK DO PARQUE NOVO ORATÓRIO

por Marcelo Mendez

O Museu da Pelada nasceu carioca. Por acaso. Sua origem é múltipla, pais baianos, mineiros, paulistas, tem de tudo nessa paternidade, até argentinos, italianos, franceses. Pelada pode até mudar de nome dependendo da região, a bola também, mas a essência não deixa dúvida: jogam todos do mesmo time, o Resenha Futebol Clube! Por isso, comemoramos a chegada de Marcelo Mendez, autor do livro “Contos da Várzea e outros blues” e que nos brindará semanalmente com histórias da várzea paulista. Nosso objetivo é ter correspondentes espalhados pelos quatro cantos do mundo. Um chutinho de cada vez, chegaremos lá! Fala aí, Marcelo!!!   

 


Marcelo Mendez nos brindará semanalmente com histórias da várzea paulista

Marcelo Mendez nos brindará semanalmente com histórias da várzea paulista

“Não sei se Federico Fellini chegou a ver um jogo de futebol na sua vida. Decerto que ele não devia fazer a mais vaga ideia do que seja futebol de várzea. Mas ao filmar, em 1973, o seu espetacular “Amarcord”, o grande cineasta italiano se aproximou demais desse universo do qual venho retratar aqui.

No filme, Fellini volta a sua cidade natal, Rimini, na região da Emília-Romanha, e lá viaja por seus sonhos, suas lembranças, suas reminiscências de infância, tudo para contar como aquilo o influenciou para o cinema, para a vida. Está aí a semelhança de nossas intenções:

Várzea para mim é memória

Quando decidi “mergulhar” na várzea, de imediato me veio à mente todas as minhas lembranças, tudo que de mais tenro há na minha relação com o futebol, de como isso chegou à minha vida e definiu tudo, absolutamente tudo, que formou o homem que sou hoje.

Lembro com carinho de uma das histórias que, agora, contarei aqui, no Museu da Pelada. Às 9h30 tomei rumo da pauta. Nesse caso, com todo respeito, que me desculpe meu mestre da Sétima Arte, mas de longe o meu destino era bem mais bonito do que o dele. Afinal de contas, que Rimini do mundo pode ser tão bela quanto a ida ao “Estádio Distrital da Cidade dos Meninos”?

“Cidade dos Meninos”…


Campo do Juá, Mauá, SP | Foto: Fabiano Ibidi.

Campo do Juá, Mauá, SP | Foto: Fabiano Ibidi.

Pois é. A várzea no Parque Novo Oratório acontece por lá. No espaço voltado para o futebol amador dentro de meu bairro, temos hoje dois campos; O do São Paulinho e o do Nacional do Parque Novo Oratório, clube que tem importância fundamental para a vida desse cronista que vos redige estas linhas.

Ali, no campo do Nacional, comecei minha vida no futebol como jogador da categoria “fraldinha”, aos seis anos de idade, em 1976. Saí de lá em 1991. Ao longo dos anos, várias lembranças. Das idas com Tio Edinho, que me levava para jogar, da primeira vez em que fui sozinho com minha chuteira Olímpica de seis travas debaixo do braço, caminhando pela Avenida das Nações, ainda de barro, da final contra o E.C Santo André pela Copa da Liga de Futebol Infantil, em 1983, e da minha camisa 10.

Camisa que usei pelo tempo que por lá estive, pelo tempo que sonhei ser Zico, que bailei como Platini, que fui imortal. Lembranças…

Ao longo daquele caminho, pensando em quem partiu, em quem não vejo mais, o olho encheu d`água. Caro leitor, vos afirmo: futebol serve para isso. Para emocionar, para interagir para se apropriar do meio social. A várzea tem essa função. E isto me fez querer ir andando, tal e qual em 1976 pelo mesmo caminho que o menino fazia para saber como andam as coisas nesse rico universo ludopédico. Bom…


Livro "Contos da várzea e outros blues", de Marcelo Mendez. https://www.museudapelada.com/269

Livro “Contos da várzea e outros blues”, de Marcelo Mendez. 

http://www.editoracorrego.com.br/produto/contos-da-varzea-e-outros-blues-2/

Ao chegar, descobri que jogavam Santa Cristina x Renovação. Os times são de Santo André, um deles do bairro Santa Cristina e o outro, o Renovação, do Jardim do Estádio. Não conhecia nenhum. Conversando aqui e ali fiquei sabendo que o jogo era pela Terceira Divisão da Várzea, um campeonato de 21 clubes disputado a pleno sol do verão do ABCD. Partida tranqüila 5×0 para o Santa Cristina. Mas aí vem o meu senão aqui relatado:

Importa mesmo saber quem vence, quem perde, quem ganha o título da terceira divisão da várzea andreense? Seguinte…

Ao longo destes textos que chamarei “Contos da Várzea”, esta coluna tratará de coisa muito mais importante do que as falácias e bobagens do resultado frio, calculista e chato. Os arredores e seus personagens terão aqui o espaço de protagonistas porque do contrário nada disso fará sentido. A várzea será retratada na sua essência.

Afinal de contas, aqui o Fellini sou eu…

A VARADA FATAL

O parceiro Marcelo Migliaccio publicou em seu bacanérrimo blog Rio Acima essa crônica sobre o triste fim de um goleiro guloso. Claro, pedimos para tirar uma casquinha no Museu e ele cedeu. 

 


por Marcelo Migliaccio

Um amigo meu está sendo procurado por homicídio. Deu-se o seguinte:

A turma sempre se reunia para jogar peladas nesses campos do interior, esses que têm mais areia do que grama, balizas arqueadas e redes furadas. Porteiros, garçons, contínuos, motoristas, na maioria nordestinos, saíam da Zona Sul em ônibus furrecas alugados na base da vaquinha. Suas mulheres e namoradas iam junto, algumas levando crianças. O velho jogo de camisas tinha um cheiro insuportável de roupa suada, mal lavada e que não secou direito. Dizem até que era por isso que o time colecionava mais derrotas que vitórias: os jogadores corriam prendendo a respiração o que, segundo as leis da física e da biologia, é incompatível com um bom desempenho atlético. Mas o “time dos paraíbas”, como era conhecido pelos playboys do bairro, nunca deixava de se divertir.

O tal crime aconteceu em Friburgo, acho. O adversário dos “paraíbas” era o time de um cunhado do Chico Sola, zagueiro voluntarioso que ganhou o apelido porque, certa vez, atuando descalço, deu um chute em falso e a sola do seu pé literalmente se desprendeu, como acontece com um sapato velho. Mas o Chico nem assim abandonou o prélio, tingindo toda a sua grande área com o vermelho do próprio sangue. O time perdeu, claro, e o apelido ficou.

Depois de uma viagem com muita batucada, chegaram a Friburgo já triscados. Duas garrafas de pinga foram derrotadas no trajeto. Katinha, um baixinho que jogava de ponta direita, era o mais empolgado.

– Hoje vou arrebentar, tô sentindo.

Tinha esse apelido por causa de um ponta-direita baixinho que jogava no Vasco naquela época.  Fora das quatro linhas, Katinha bebia que nem gente grande, só que não tinha muita resistência ao álcool e dava muita alteração. Era o tipo de bêbado chato. Na volta da excursão anterior, só parou de perturbar no ônibus quando foi nocauteado com um saco de chuteiras que devia pesar uns 50 quilos. Metido a galã com seu bigodinho bem cuidado, vivia mostrando a foto da mulher, que parecia ser uma gata. Nunca ninguém o viu com ela pessoalmente, desconfio que só tinha a foto na carteira…

Chegaram cedo, por volta das nove horas e o cunhado do Chico Sola deu as boas vindas à galera visitante. Lá pelas onze e meia, começou a ser servida uma farta feijoada. Daquelas completas… rabo, pé, orelha e o escambáu. E tome cerveja, e tome cachaça. Por volta das cinco, depois de alguns já terem dormido o sono dos justos, foram todos para o campo. O time da Zona Sul com o surrado e irrespirável uniforme vermelho e os donos da casa de verde.

O jogo foi meio ruim de ver, como aliás sempre acontecia. Era mais um programa humorístico que um espetáculo esportivo. Furadas, caneladas, choques de cabeça, muita reclamação e muita gargalhada, principalmente da torcida. A galera, aliás, não arredava pé, já que o isopor de cerveja fora estrategicamente colocado embaixo da pequena arquibancada. Tinha cunhada, avó, priminho e agregado torcendo a valer. Quando Katinha pegava na bola, era uma festa. Elétrico, ele tentava todo o seu repertório de jogadas, que incluía dribles esquisitos e um chute potente mas sem direção nenhuma. 

O empate de 2 a 2 estava bom pra todo mundo quando o juiz, um coroa que usava óculos fundo de garrafa, cismou de apitar um pênalti para os visitantes. Depois de muita discussão e ameças de agressão física, a marcação foi confirmada. Katinha, cheio de autoridade, tomou a bola para si.

– Eu sofri a falta, eu vou bater!

No gol, estava um tal de Pedrão, que ostentava uma tremenda barriga, turbinada ainda mais naquele dia com quatro inacreditáveis pratos de feijoada. Mastigando um fiapo de grama, Katinha tomou distância. Firmou os lábios pra cima espremendo o bigode para dentro do nariz e respirou fundo. Então, correu e deu seu chute mais potente, que ele mesmo apelidara de “varada”. Mirou no canto mas acertou no meio do gol, onde Pedrão havia permanecido já que mal conseguia se mover de tão cheio de feijão e cerveja. A bomba explodiu bem na boca do estômago, e o goleiro tombou para trás. A torcida inicialmente caiu na risada mas, quando viram que era sério, fez-se um silêncio sepulcral no campo de várzea.

– Liga pro 190! 

Vou poupar o leitor de descrições detalhadas, mas o fato é que Pedrão não se levantou mais.

No mesmo instante, a pequena torcida e os outros 21 jogadores saíram atrás do pobre Katinha como se ele tivesse feito aquilo de propósito.

– Você matou o cara, porra!

– Pega!

Katinha fugiu em disparada pelo matagal que circundava o campo e nunca mais foi visto. Nem em Friburgo, nem em seu emprego no Rio, nem em lugar nenhum. Até hoje é procurado por homicídio culposo. Pombas, Katinha era chato, mas daí a…

O pobre Pedrão foi enterrado com honras. Evitou a derrota com a própria vida. 

E nunca mais serviram feijoada antes das peladas dos paraíbas, que agora procuram um novo ponta-direita.