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Hoje a cor oficial do luto é laranja.



Cansou de ver tanta canelada.

Ao saber da morte do amigo Johan Cruyff, a quem enfrentou e perdeu na Copa de 74, PC Caju mandou um direto no queixo: “Cansou de ver tanta canelada!”. E emendou: “Colocou muita gente na rodinha, revolucionou o futebol”.

A causa da morte foi câncer no pulmão, mas segundo Caju, se o craque holandês tivesse assistido alguns joguinhos dos estaduais brasileiros certamente a doença teria se agravado. Maestro do Carrossel Holandês e tricampeão europeu pelo Ajax, 71, 72 e 73, Cruyff foi um dos responsáveis pela criação do rolo-compressor Barcelona e idolatrava o futebol brasileiro, em especial o Baixinho Romário. Hoje a cor oficial do luto é laranja.

JOCA, O CRAQUE INFALÍVEL

Por Victor Kingma, de Minas Gerais

Finalíssima de campeonato no interior mineiro e o time da casa precisava desesperadamente da vitória. O empate daria o título ao arquirrival.

Para piorar as coisas, um problemão: Joca, o grande craque da região, o Pelé da época, muito gripado, não podia jogar. A pedido do técnico, fica no banco de reservas, apenas para intimidar o adversário.

Rola a bola e o jogo é tenso, fechado, nada de oportunidade de gol para nenhum dos times. Já no finalzinho, o técnico, em desespero, chama o Joca e pede:

– Vai pro sacrifício, meu craque! É tudo ou nada. Só você pode nos salvar!

E o nosso herói entra em campo, aos 41 minutos do segundo tempo. Aos 44, em um contra- ataque, o ponta direita Fumaça vai ao fundo e cruza: Joca mata a bola no peito, tira o beque da jogada e dispara…

A torcida se levanta, os locutores enchem os pulmões para gritar gooool!…

De repente, os refletores do estádio se apagam… Ninguém consegue ver a conclusão do lance… Pânico geral, somente cinco minutos depois as luzes começam a voltar… Em meio à confusão, a bola sumiu.

E, afinal, o que aconteceu?

Sereno e impassível, o juiz se dirige para o centro do gramado…

Os repórteres o cercam:

– O que foi, seu juiz?

E ele, com toda a segurança:

– GOL!

Mas ninguém viu a bola entrar após o chute do Joca, argumentam os repórteres atônitos e os adversários enfurecidos…


E o juiz, com a maior calma:

– Vocês que acompanham futebol sabem muito bem:

“DALI, O JOCA NÃO PERDE!”

O BLUES DO GOL NA VÁRZEA…

::: por Marcelo Mendez :::


Quero entender como se faz um gol na várzea…

Nesse universo onírico, lúdico, divino onde os seus artilheiros carregam nas costas a toda a responsabilidade de manter a poesia do mundo, as coisas nunca serão feitas pelo viés óbvio das resenhas e execuções burocráticas.

Na várzea, toda a premissa do ludopédio é épica. E o gol, a maior delas.

Daquela vez era um domingo cinza. O campo do Humaitá, em Santo André, era regido pelo mesmo céu dos filmes de Fritz Lang, por uma Metrópole, seu filme seminal, de 1929. Os homens do meu filme vagavam pela lama do terrão pesado como quem vaga por um Tango de Piazzolla, soltando suas cinturas malemolentes para os futuros dribles, como as cabrochas da Lapa dos anos 40 faziam para bailar sedutoramente as gafieiras imortais de Raul de Barros.

Não havia, no Humaitá, uma Orquestra Tabajara para comandar o baile. Mas como sempre há na várzea, os rebeldes e obstinados instrumentos de samba batucavam furiosamente o desejo dos bravos torcedores que colavam seus rostos junto ao alambrado gasto do campo.

Queriam mais, muito mais…

Nada dessa história de jogadas ensaiadas, de falácias de técnicos, de chutes desviados, de bolas perdidas, não… As redes dos campos de várzea são Olympus. Lugares sagrados de onde se fazem heróis, vilões, poetas, bufões, gênios de fato e burros impávidos. A poesia e as redes das traves da várzea mantém entre si uma relação de beleza atávica.

O jogo não era bom.

As chuteiras coloridas nada criavam e seus homens, pouco produziam.

O campo pesado, as chuteiras coloridas enlameadas, os sonhos que ficaram na noite anterior ou, na recente madrugada, não deixava com que tivéssemos uma partida de sonhos. Os chutões tinham a retumbância de um solo de Charles Mingus, em jam sessions de jazz furioso, movido por agulhas lindamente em êxtase.

Nada parecia acontecer, até que surgiu uma bola no canto do campo…


Foto: Rodrigo Pinto/Abcd Maior

Foto: Rodrigo Pinto/Abcd Maior

Ela quicou enquanto pode. Lutou para se manter viva na terra, até o instante em que uma poça de lama a matou. Ela, a bola, triste como uma amante que espera um afago nos cabelos em uma noite fria, ficou ali, quieta, resolutamente em silêncio até que uma chuteira a encontrasse. Encontrou…

Um lateral direito pesado, sem muita coisa de classe, chegou até ela, enfiou o pé por baixo, deu uma petecada e a jogou para a área. Num voo cego, ela, a bola, viu todas as possibilidades do que poderia acontecer:

“Vão me mandar para longe” ou, “Receberei outra bicuda”. “Mas também posso ter uma grande sorte”. E teve.

No meio da área, aquele menino de camisa 9 a olhou. Viu ela, a bola, chegando, deu um passo para trás, armou seu corpo tal e qual um Nureyev armaria um passo de dança no Balet Kirov, respirou fundo o ar de mil poemas, jogou as pernas para o alto e, então, o épico se fez. Com a elegância de um Dândi, o menino deu uma bicicleta. Com ares de grandeza plena, a rede amarelada do campo do Humaitá foi estufada oniricamente. Era o gol. O gol que salva, que emociona, que seduz, que glorifica, que tira do sujeito todo o peso de ser comum para ser absolutamente divino.

Corri para ver a bola no fundo das redes.

Ela não me disse nada. Não tinha nela nenhuma marca nem nada que me desse uma guia para terminar essa crônica. Mas com o olhar apurado do Poeta que a vida me fez, a olhei com atenção e, então, dela, a bola, vi um sorriso pleno, lindo, feliz.

Nesse momento, o céu cinza se abriu e o sol surgiu, no Campo do Humaitá.

Até ele, quis ver aquele gol…

relembrando gaúcho

texto: André Mendonça | vídeo: Daniel Perpétuo

Um dia triste para o futebol brasileiro, especialmente para a torcida do Flamengo. Apesar de ser aniversário de dois craques que fizeram história com a camisa do clube (Leandro e Jayme de Almeida), o dia 17 de março ficou marcado pela morte do centroavante Luis Carlos Tóffoli, o Gaúcho. Aos 52 anos, o artilheiro foi vítima de um câncer de próstata.

Revelado nas categorias de base do Flamengo, Gaúcho teve passagens por XV de Piracicaba, Grêmio, Verdy Kawasaki, Santo André e Palmeiras antes de retornar ao clube carioca e ser um dos grandes responsáveis pela conquista do Campeonato Brasileiro de 1992. No Palmeiras, ganhou destaque de forma inusitada. Acostumado a marcar gols, Gaúcho precisou substituir o goleiro Zetti, lesionado, em um duelo contra o Flamengo pelo Brasileiro de 1988. Curiosamente, a partida foi para os pênaltis e o artilheiro defendeu as cobranças de Zinho e Aldair, garantindo a vitória do Palmeiras.


Sergio Pugliese teve a honra de entrevistar Gaúcho em 2015. Em um bate-papo descontraído, o artilheiro contou um pouco da sua carreira, revelou tristeza por não ter atuado com Zico, mas comemorou o fato de ter sido companheiro de equipe de Júnior. A dupla, inclusive, infernizava os adversários. Com os cruzamentos do lateral, o artilheiro, que era um exímio cabeceador, deitava e rolava!

– Cheguei ao Flamengo em uma quarta-feira e o Zico havia feito sua despedida alguns dias antes. Mas tive a oportunidade de jogar com o Júnior. Fiz muitos gols com passe dele! – lembrou

Após penduras as chuteiras, Gaúcho adotou o vício de quase todos os boleiros: o futevôlei. Ao ser perguntado sobre quem era o maior rival no esporte, o centroavante não precisou pensar duas vezes e ainda tirou onda com seu amigo e parceiro do futevôlei.

– Renato Gaúcho é meu pato. Todo fim de semana eu ganho um chopp dele!

Apesar de não ter negado a declaração de Gaúcho, Renato não se mostrou muito convencido.

– Ele falou isso? Então deve ser verdade – comentou sob risadas.

VALEU, GAÚCHO!

Naná Vasconcelos: ‘Não deixe o futebol perder a dança’

Em homenagem ao grande percussionista pernambucano que morreu hoje, postamos um artigo publicado no site da Veja em junho de 2013

Por Naná Vasconcelos

Sou torcedor “sofredor” do Santa Cruz, o time das multidões, a cobra Coral recifense. Um de seus hinos diz “Eu sou o Santa Cruz de corpo e alma / E serei sempre de coração” – e isso é levado a sério pela torcida, formada por gente de todas as classes sociais, econômicas e políticas. Em sua maioria, porém, são pessoas simples, daí a beleza da paixão sem medo de mostrar sentimentos. O Santinha, como é chamado carinhosamente pelos torcedores, leva cerca de 20 000 pessoas ao estádio, apesar de o time disputar a terceira divisão do campeonato brasileiro.

Não sou fanático, mas adoro o futebol-arte, objetivo, claro. O Brasil exportou esse estilo de jogo, essa maneira de jogar, para a Europa, que aprendeu e usa com muita objetividade, mas sem a dança, que é o ponto forte no nosso futebol, por causa da miscigenação presente na nossa cultura – e aqui futebol é cultura.

“Não deixe o futebol perder a dança”, diz a letra de uma composição minha, pois quando ele perde a dança, ele perde. Aí é triste, é feio, mas poucos dias depois tudo volta ao normal. A esperança, a paixão, o pensamento de que “agora vai” ou “vamos lá”, isso mostra o comportamento de um povo que está sempre pronto para festejar.

A Copa das Confederações chega no momento em que o Brasil vive uma fase de desenvolvimento econômico e cultural bem visível. O Nordeste está a todo o vapor, recebendo importantes investimentos na área industrial. Isso me faz feliz, me alegra e me dá esperança de ver um futuro melhor para nosso povo, que já está em clima de preparação para acolher os ilustres atletas e torcedores vindos de outros países. Não deixem o futebol perder a dança!

O jogador argentino Lionel Messi, que ganhou há alguns meses pela quarta vez consecutiva o prêmio de melhor jogador do mundo, já falou que seu maior sonho ainda é jogar pelo Santa Cruz – é claro que esse é só o sonho de um torcedor. A arte do futebol sempre engrandeceu nosso país.

Eu sou um músico livre, improvisador, solista, mas adoro armar tudo para que outro instrumentista ou cantor possa dar seu recado. Aprendi a ouvir, isso me dá flexibilidade e facilidade de adaptação, em qualquer formação eu encontro meu espaço, gosto de tocar dançando e de dançar tocando. O importante é que a escuta, os reflexos estejam ali vivos, acesos e objetivos, em função do grupo de músicos ou da música que esteja acontecendo no momento, fazendo o melhor para que tudo fique lindo.

Na música, o primeiro instrumento é a voz e o melhor instrumento é o corpo. No futebol, o primeiro instrumento é a bola e o melhor instrumento é o corpo, Creio que, como na música, os reflexos devem estar vivos, prontos para atingir o objetivo final. Das artes, a música é a mais imediata, porque mexe com os sentimentos. No futebol, o sentimento mais almejado é o da alegria do gol, da vitória que sempre engrandece o povo: “Não deixe o futebol perder a dança”.