A ELEGÂNCIA DE ADEMIR DA GUIA
Por Sergio Pugliese
Depois do sucesso de PC Caju, sua primeira colaboração para o Museu da Pelada, o ilustrador Cláudio Duarte nos brinda com a elegância de Ademir da Guia!!!! Ninguém vestiu o manto palmeirense mais do que ele. Foram 901 atuações, na verdade, exibições de gala!!!!!!!! Vamos formar um time? Mandem suas sugestões e montaremos uma seleção de craques, com direito a álbum de figurinhas e exposição!!!!! Se Zagallo montou uma seleção com vários camisas 10 na seleção de 70, nós também podemos!!!!!!! Mas vamos começar pelo gol! O goleiro mais votado será o próximo homenageado do Museu nos traços mágicos de Cláudio Duarte. Foi dada a largada!!!!!!!!!
NEM SAIU NA FOTO
Por Victor Kingma
Mão de Onça foi um goleiro do interior mineiro que tinha a fama de ser o maior catador de pênaltis que já existiu pelas redondezas. Para alcançar tal façanha ele tinha desenvolvido uma técnica pessoal: ficava parado no meio do gol, encarando fixamente os olhos do batedor. No último instante, quando esse mirava o canto e chutava, o gigante de 1,98m e incrível agilidade, sempre pulava para o canto certo e, invariavelmente, fazia a defesa.
Na decisão do título daquele ano, Mão de Onça tinha tudo para se consagrar mais uma vez: no último minuto do jogo, o seu time, que jogava em casa e pelo empate, segurava o 0 x 0 quando o juiz marcou uma penalidade máxima a favor dos visitantes.
A torcida, que normalmente deveria entrar em desespero, esperava, confiante, mais uma espetacular defesa do seu paredão. Afinal, somente naquele campeonato da liga regional, ele já havia defendido todos os cinco pênaltis que foram marcados contra o seu time.
Conhecendo a fama do goleiro e querendo surpreendê-lo, o técnico adversário, velha raposa das quatro linhas, mudou o batedor oficial que era o craque e artilheiro do time e colocou para bater o pênalti um desconhecido jogador que estreava.
O novato ajeitou a bola para a cobrança e o arqueiro, imóvel no meio do gol, como sempre, olhava fixamente para ele. Olhos nos olhos… Ninguém piscava no pequeno estádio. Ele correu, chutou e Mão de Onça se atirou como um felino para o canto direito, mas a bola entrou mansamente no canto esquerdo… GOOOOL!!!
Enquanto o desolado Mão de Onça se levantava todo empoeirado, o esforçado meia do time visitante era carregado como herói nos braços da sua pequena torcida que, eufórica, entoava:
– VESGUINHO! VESGUINHO! VESGUINHO!!!
LEVIRDADE, LEVIRDADE, ABRE AS ASAS SOBRE NÓS
Zé Roberto
Foto: Divulgação/Fluminense F.C.
Não pela campanha do seu time no estadual e na Liga, porque não acredito em magias de quem pega um esquema montado na pré-temporada por outro treinador. Muito menos, pela sua coragem de enfrentar os desmandos do “dono do time”, o Fred. A melhor contribuição de Levir Culpi ao Fluminense, e ao futebol brasileiro, foi retornar ao banco de reservas. Permanecer ali sentado, quietinho, deixando o talento aflorar dos pés e da imaginação dos seus comandados.
Nossos grandes treinadores, entre eles Zagalo, Pinheiro, Parreira, Coutinho e Evaristo de Macedo jamais levantaram do seu banco de reservas para inibir seus artistas. Eram diretores de uma peça teatral ensaiada durante a semana que domingo precisava da liberdade de improviso. Da inovação. Neste palco outrora sem gritos, com respeito à criação, sem os berros do Jorginho, os assobios do Tite, gestos teatrais do Muricy, passarela para os lançamentos da grife da filha do Dunga, fluía a capacidade inesgotável dos nossos gênios da bola. Não tiques, manias, toques expostos dos seus comandantes.
Certa vez, num Fla-Flu, Carlos Alberto Torres, lateral tricolor, levou uma pancada e saiu de campo. Jogando pelo Flamengo por aquele setor, corri em direção ao Luizinho pedindo que ocupasse aquele vazio. Certamente Miguel iria sair para a cobertura e poderia abrir espaços para as arrancadas do Zico. Quando levantei a cabeça, Dirceuzinho, ponta-esquerda tricolor, já ocupara aquele lugar. Atravessara o campo na velocidade da sua inteligência em pensar o futebol como um todo. Embora rara, aquela atitude, quando emergia por puro instinto, deixava ali exposta a vocação daqueles que se tornariam grandes treinadores. Quem fazia apenas o seu e cumpria à risca sua função, poderia até ser auxiliar técnico. Como o Murtosa, o Marcão e o Dunga.
Quando o Édson entrou e recebeu a bola do jogo, aos 23 minutos do segundo tempo, percebeu um zagueiro do Voltaço vindo em sua direção. E o Osvaldo, livre, penetrando às suas costas. Neste milésimo de segundo o jogador, o ator, o cantor, precisa de todos os recursos que os conduziram até ali. A capacidade com que superaram peneiras, barreiras, concorrências para, sem nepotismo, fisiologismo ou o auxílio de cotas, estar honrando aquela camisa. Um berro ali no momento da decisão estragaria tudo. E do banco veio, felizmente, o silêncio. E na liberdade concedida de expressão, ele avançou e decidiu por si mesmo a partida.
Obrigado, Levir Culpi, por voltar ao banco e assistir o seu trabalho ser coroado pelo improviso. Sua consagração, ou o retorno aos tablados para novos ensaios, dependerá da iluminação de cada Antonio Fagundes, cada Magno Alves que você devolveu a liberdade para voar.
PELADA, CHURRASCO E RESENHA
Por Wesley Machado
Uma pelada que não aconteceu mudou meu destino
No dia 16 de fevereiro de 2005, decidi ir na rua onde eu morei por muitos anos para agitar uma pelada – sempre fui um grande agitador de peladas. Não conseguimos jogadores suficientes para tal. Mas o reencontro com os amigos de infância motivou uma saída para lanchar, num bairro mais distante onde tinha uma maionese famosa. Do lanche, marcamos de nos encontrar novamente no dia seguinte, aniversário de um dos amigos, para sairmos para farrear. Fomos num forró, onde me apaixonei à primeira vista pela minha esposa, Nilcea, com quem tenho duas filhas lindas, Luiza e Júlia.
Jogando de All Star
Contei esta história para justificar que 11 anos depois, neste sábado, voltei à mesma rua, onde encontrei com o amigo Juninho, o aniversariante do dia em que conheci a mulher da minha vida. Enfim conheci a filha dele, Amanda. E ele me falou que teria uma pelada neste domingo. Fiquei animado e agitado. Não estou mais em forma para jogar bola e sim em forma de bola. Enferrujado, quase um ano sem jogar, mas fui. Sem um tênis apropriado, o que eu tinha abriu e não comprei outro ainda, coloquei um All Star mesmo. Fui o primeiro a chegar ao grande campo público de gramado sintético na praça dos Ciganos, no bairro Nova Brasília, perto da minha casa, onde jogaria pela primeira vez. Logo chegou o Rodrigo. Depois chegaram Robinho, Juninho e o irmão dele, Ralph. E depois Zezé e o filho dele, Vinicius.
Quem fizer ganha
Éramos sete. Ainda faltavam três para completar dois times com quatro na linha e um no gol. Alguém teve a ideia de jogarmos meio campo, golzinho fechado, sem goleiro. Chega um garoto. Tirado o time, ficamos eu, Rodrigo, Juninho e Vinicius de um lado; e do outro Robinho, Ralph, Zezé e o garoto, que depois descobriríamos se chamar Caio. A partida terminou 6 a 5 de virada para eles no “Quem fizer ganha”, com direito a um gol meu e de canhota. Partimos para o local mais próximo onde poderíamos primeiro tomar uma água e depois… Pasmem, Coca Cola. Isto mesmo! Ninguém ali bebia álcool. Robinho disse que parou há três anos. E eu estou tentando parar pela enésima vez.
Sexo no Godofredo Cruz
Acompanhando as Cocas, porque foram mais de uma – Robinho é um viciado em Coca… (Cola) – um churrasco misto composto de carne de boi, linguiça de frango e costela com aipim. Sentamos na grama, esta de verdade, em frente ao campo, e como num piquenique petiscamos enquanto colocávamos a conversa em dia. A resenha, considerada o ponto alto de toda pelada, teve assuntos impublicáveis. Muita tiração de sarro. Boas lembranças, boas histórias. E uma grande causo de um dos Antigos Craques, como será chamada a partir de agora a pelada, que acontecerá todo domingo de manhã. Ele contou que transou com uma colega de trabalho em uma cabine de rádio do extinto estádio Godofredo Cruz, do Americano Futebol Clube. E viva a resenha!
Os peladeiros da Antigos Craques
Tita
Eagle ou É gol?
texto: Sergio Pugliese e André Mendonça | fotos: Marcelo Tabach
vídeo: Simone Marinho | edição: Daniel Planel
A grama verdinha, bem aparada, tênis de travas, bandeirinha tremulando ao fundo, e Tita, o cracaço Tita, alternando o olhar entre a bola e o alvo. Concentrado, dá alguns passos para trás, respira fundo e dispara com a mesma precisão dos áureos tempos. Com os olhos, acompanha o trajeto da bola e, e, e, e… bingo!!!!!!!!! Braços erguidos, corre em direção da torcida, no caso, a equipe do Museu da Pelada, e, alucinado, grita: “É gol!!!, É gol!!!!!!!”. Estão achando que ele batia uma peladinha, né? Erraram feio. Era golfe e o grito não era de gol, como imaginávamos, mas “Eagle!!!! Eagle!!!!”, uma jogada de mestre, que consiste em, explicando toscamente, acertar um buraco, de uma determinada distância, em três tentativas das cinco estipuladas. Na comemoração, só faltou cobrir o rosto com a camisa, como fez, pioneiramente, na final do Carioca, de 87, no gol do título contra o Flamengo, no Maracanã lotado.
“Não conseguia fazer um Eagle há 15 anos, vocês me deram sorte!!!”
– Não conseguia fazer um Eagle há 15 anos, vocês me deram sorte!!! – berrava.
A minha sensação era exatamente a sentida nos segundos que antecedem a uma cobrança de falta, uma de suas especialidades no futebol. Mãos cerradas e uma reza silenciosa. Tudo porque a videomaker Simone Marinho posicionara a câmera próximo à bandeirinha. Vai que… seria demais se ele encaçapasse (sou um homem da sinuca!) aquela bolinha e registrássemos!!!! Capricha, Tita!!!! Concentração e tac!!!! Acompanhamos a redondinha deslizando na grama e sendo engolida pelo alvo!!!! Me senti no estádio quando o mesmo Tita deu o título do Carioca, de 87, ao Vasco em cima do Mengão, seu ex-clube. É surreal porque na final de 79 Tita me fez perder uma aposta e tive que voltar andando do Maracanã até Santa Teresa, onde morava. Ele fez, de cabeça, o gol da vitória de 3 x 2 do Flamengo no Vasco.
– Poucos atletas tiveram o privilégio de decidir finais, com gols, jogando por arquirrivais – comentou, orgulhoso.
“Poucos atletas tiveram o privilégio de decidir finais, com gols, jogando por arquirrivais.”
Como exemplo citou Edmundo e Bebeto, que, segundo ele, fizeram mais sucesso no Vasco do que no Fla, e Petkovic, que só fez gol do título pelo Mengão. O segredo de Tita? O craque era caxias, determinado, se entregava em campo e nos treinos. Essa disciplina o levou ao quinto do ranking carioca de golfe amador. Ele passa até oito horas treinando. Nos encontramos no Itanhangá Golf Club e, de carona no típico carrinho, ele nos contou sobre o Flamengo rolo-compressor dos anos 80, sobre a dificuldade de adaptação no alemão Bayer Leverkusen, onde, papão de títulos, conquistou a Copa UEFA de 88, sobre sua melhor fase física e técnica da carreira, no Grêmio, campeão da Libertadores, de 83, sobre a brilhante passagem pelo León, do México, clube pelo qual fez tantos gols de falta que até hoje seu nome é gritado pela torcida quando algum jogador prepara-se para a cobrança, na entrada da grande área. É ou não é para tirar muita onda?
“Me dediquei tanto aos times, que muita gente, por exemplo, tem dúvida se sou Flamengo ou Vasco.”
– Me dediquei tanto aos times, que muita gente, por exemplo, tem dúvida se sou Flamengo ou Vasco.
– E você, é o quê? – quis saber.
Tita gargalhou e deixou claro que o coração é uma mistura de paixões vascaínas, rubro-negras, gremistas, “leonistas” e “bayerleverkunistas”. Preferi não insistir porque acho bacana esse mistério, mas se tivesse que chutar arriscaria Vasco da Gama pela forma carinhosa com que falou sobre sua passagem por São Januário. Também teve seleção brasileira, claro! Aos 32 anos foi convocado para a Copa de 90, na Itália, mas, na reserva, não disputou nenhuma partida. Também falou sobre a mística camisa 10, sua preferida. Quando Zico foi para a Udinese, na Itália, ele assumiu o posto. Na seleção, também chegou a vesti-la. Mas o polivalente Tita revelou algo surpreendente: prefere a carreira de treinador a de jogador.
“Como técnico você cuida do todo, pensa na estratégia, em cada detalhe, e quando o resultado chega você sente a sua mão ali.”
– Como técnico você cuida do todo, pensa na estratégia, em cada detalhe, e quando o resultado chega você sente a sua mão ali – resumiu.
Citou Paulo César Carpegiani como o seu melhor técnico. Tita treinou Vasco, Volta Redonda, Olaria, Remo, América (RJ), Tupi, León e Urawa Reds, do Japão, e, ontem, estava em ação dirigindo o Macaé contra o Friburguense. Perdeu de 1 x 0. Deve estar de cabeça quente porque “perder” não faz parte de seu vocabulário. O golfe talvez sirva para amenizar o seu estresse e é inegável, conquistou o seu coração, mas o futebol, ah, o futebol está na alma e não o abandonará nunca.